BAUMAN
EXAMINA CRISE DA INTERNET E DA POLÍTICA
POR
ZYGMUNT
BAUMAN
– ON 11/03/2016
Zygmunt Bauman, citando Gramsci: “se o velho morre e o novo
não nasce, neste interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos”
Redes sociais criaram
redomas de pensamento único. Democracia é devastada por poderes globais. Há
saídas, mas vivemos a “hora mórbida”
Zigmunt Bauman, entrevistado por Alessandro Gilioli, no L’espresso
Tradução: Antonio Martins
Tradução: Antonio Martins
Zygmunt Bauman, o
grande sociólogo teórico da “sociedade líquida” tem dedicado parte de suas
reflexões recentes à internet – em particular, às redes sociais, acusadas de
criar redes afetivas na verdade inexistentes. Nesta entrevista, feita durante o
Fórum do Futuro, organizado pela Câmera de Comércio da cidade de Udine, na
Itália, ele parte deste tema – porém, estende-se para a atualidade política, os
chamados “partidos anti-sistema” (de esquerda e de direita) e as eleições
primárias norte-americanas.
Professor Bauman, a sua crítica à
internet é existencialista?
A internet torna
possíveis coisas que antes eram impossíveis. Potencialmente, dá a todos acesso
cômodo a uma quantidade indeterminada de informações: hoje, temos o mundo na
ponta de um dedo. Além disso, a rede permite a qualquer um publicar seu
pensamento sem pedir permissão a ninguém: cada um é editor de si mesmo, algo
impensável há poucos anos.
Mas tudo isso –
facilidade, rapidez, desintermedição – traz também problemas consigo. Por
exemplo, quando você sai de casa e se encontra na rua, num bar ou num ônibus,
interage – queira ou não – com as pessoas mais diversas, as que lhe agradam e as
que lhe desagradam, as que pensam como você e as que pensam de modo distinto.
Não pode evitar o contato e a contaminação, está exposto à necessidade de
confrontar a complexidade do mundo. Esta própria complexidade não é uma
experiência prazerosa e obriga a um esforço.
A internet é o
contrário: permite não ver e não encontrar todos os que são diversos de você.
Eis porque a rede é, ao mesmo tempo, um remédio contra a solidão – você se
sente em contato com o mundo – e um lugar de “confortável solidão”, onde
cada um está fechado na suanetwork, da
qual pode excluir quem é diverso e eliminar tudo o que seja menos prazeroso.
Há, contudo,
movimentos políticos que nasceram na rede e se difundiram graças a ela. As
primaveras árabes, por exemplo, mas também o Podemos, na Espanha e o Movimento
5 Estrelas na Itália…
É uma questão rica de
ambivalências. Em geral, porém, as pesquisas sociais mostram que a maior parte
das pessoas usa a internet não para abrir a própria visão mas para fechar-se
dentro de cercados, para construir “zonas de conforto”. Um pouco como
condomínios distantes do centro das cidades, circundados por muros, guardas
armados e câmeras em circuito fechado, onde as pessoas vivem num tipo de mundo
imaginário, sem controvérsias, sem conflitos, sem se expor às diferenças.
É claro que, graças à
rede, pode-se hoje convencer as pessoas a ir às ruas manifestar-se contra
qualquer coisa ou qualquer um, mas a incidência sobre o real destas
mobilizações nascidas nas “zonas de conforto” é outro assunto. Você acaba de citar
as primaveras árabes. Não me parece que tenham conduzido a um verão.
Portanto, segundo o
senhor, não há uma relação entre a difusão da internet e os protestos
anti-sistema?
Sim, há, mas a
internet não é a causa, é só um veículo. As causas dos partidos anti-sistema
relacionam-se, na verdade, com a crise de confiança na democracia. E esta
crise, por sua vez, deriva do fato de uma contradição. Vivermos num planeta
globalizado e com enorme interdependência – mas os instrumentos de que dispomos
para gerir esta nova condição são os mesmos que herdamos de nossos avós e do
Estado nacional. Naquele tempo, uma decisão tomada numa capital realizava-se no
território daquele país e não valia cinco centímetros adiante.
Agora, ao contrário,
a interdependência é mundial e os Estados nacionais são incapazes de geri-la.
Por isso, hoje os governos estão sob dupla pressão. De um lado, devem responder
aos eleitores, que reivindicam dos políticos realizar o que prometeram; de
outro, a realidade global interdependentes – os mercados as bolsas, a finança e
outros poderes jamais eleitos por ninguém – impedem que estas promessas sejam
mantidas. A crise de confiança nasce desta dupla pressão. Sentimos todos que
agora as democracias não mais funcionam, mas não sabemos como ajustá-las ou com
o quê substituí-las.
É disso que nascem os
movimentos anti-sistema?
Diria, melhor, que é
disso que nascem os sentimentos anti-sistema. Cuidado ao falar de
movimentos. São um conceito sociológico, enquanto o sentimento é um conceito
psicológico.
E estes sentimentos
não se traduzem em movimentos?
As pessoas
compartilham reações emotivas nas redes sociais e às vezes organizam-se, a
partir dali, para ir às ruas e protestar. Gritam todas os mesmos slogans, mas
na verdade têm interesses diversos e expectativas difusas. Depois, voltam para
casa contentes pela fraternidade com os demais que se criou, mas é uma
solidariedade falsa. Chamo-a de “solidariedade carnaval”, porque me lembra
aqueles eventos nos quais, por quatro ou cinco dias, coloca-se a máscara,
canta-se e dança-se junto, fugindo por um tempo limitado da ordem das coisas.
Estes protestos permitem a explosão coletiva de problemas diversos, e de
demandas individuais, por um lapso breve de tempo, como no carnaval – mas a
raiva não se transforma em mudança compartilhada.
Alguns partidos, que
ao menos canalizam estes sentimentos, são muito distintos entre si. Que pensa a
respeito?
Também estes partidos
encontram-se diante da crise da democracia da qual falávamos. E a esta crise
respondem tanto os que buscam reforçar a democracia quanto os que propõem, em
vez disso, um “homem forte”, ou qualquer forma de fundamentalismo
político-religioso. De resto, se as democracias não são capazes de realizar as
expectativas, não surpreende que se busque alguém a quem atribuir uma função
salvadora, o homem “de pulso” que parece capaz de realizar o que as democracias
não sabem cumprir.
Um exemplo recente é
Donald Trump: hoje, muitos eleitores norte-americanos seduzem-se por quem ataca
as instituições democráticas e zomba de sua representação. Além disso, o
bilionário Trump representa uma transferência de consensos, da liderança à
gerência. A liderança é a capacidade de fazer as coisas certas, “to do right
things”, enquanto a gerência é simplesmente a capacidade de fazer as coisas
bem, “to do things right”. É uma grande diferença.
Esta ruptura de
confiança na democracia explica também a característica “populista” que tem
sido atribuída aos movimentos anti-sistema? O senhor está de acordo com esta
definição?
“Populistas”, na
política, são sempre os outros, os adversários. Na verdade, qualquer bom
partido deveria ser “populista” – ou seja, escutar o que pensam e o que pedem
as pessoas comuns, os cidadãos. No entanto, no debate político a palavra é
usada em sentido pejorativo. Não me preocupa a suposta ameaça do “populismo”,
mas a possível resposta autoritária à crise da democracia.
Mas por que em alguns
países, como na França, o protesto anti-sistema derivou à direita e em outros,
como a Espanha, à esquerda?
Porque estamos num interregno,
para citar Gramsci. Ele dizia que “se o velho morre e o novo não nasce, neste
interregno ocorrem os fenômenos mórbidos mais diversos”. Hoje, os velhos
instrumentos não funcionam mais; mas os novos ainda não existem. Direita e
esquerda eram conceitos plenos de significado há poucas décadas, mas são muito
menos na complexidade policêntrica do presente.
Em que consiste esta
complexidade policêntrica?
Depois da queda do
Muro de Berlim, alguns pensadores levantaram a hipótese do fim da História, do
fim dos conflitos políticos, no interior de um sistema liberal-capitalista
pacífico e definitivo. Erraram. O planeta é muito mais dividido e conflituoso
que antes, cheio de choques locais mais difíceis de compreender, se comparados
com os que ocorriam entre os dois blocos. Pense no que ocorre na Ásia Central,
onde árabes muçulmanos matam outros árabes muçulmanos. Este policentrismo
complexo está também na política, onde entrelaçam-se instâncias desconectadas
entre si e difíceis de classificar com “de direita” ou “de esquerda”. Antes, o
confronto era entre conservadores e progressistas, entre quem queria uma
sociedade baseada no lucro e quem a queria assentada na cooperação. Hoje, os
conflitos são até maiores, mas menos simples e menos puros.
E os sinais aparentes
de “volta da esquerda”, como Jermy Corbyn, na Inglaterra, e Bernie Sanders, nos
Estados Unidos. São apenas miragens?
Sanders representa um
fenômeno novo e interessante, mas há países em que a esquerda não existe mais,
como no leste europeu. Em geral, o problema contemporâneo da esquerda é sua
constituição, seu bloco eleitoral. Em certa época, foi a classe dos
trabalhadores, que a esquerda defendia. Mas hoje, quando as capitais movem-se
velozmente de um país a outro, também os instrumentos com os quais se protegiam
os interesses das classes populares estão entre o que não funciona mais – a
começar das greves. Se os trabalhadores cruzam os braços, um segundo depois o
capitalista transfere a produção para um país onde encontra pessoas contentes
por ganharem um par de dólares por dia.
Neste contexto,
muitos políticos herdeiros da esquerda apavoram-se com a ideia de
irritar as bolsas, os mercados, a finança – em suma, os poderes que podem
colocar um país de pernas para o ar em um dia. Por isso, mudam de tema. Por
exemplo, autodefinem-se de esquerda os políticos favoráveis ao casamento
homossexual. Bonito, justo, de acordo, mas o que tem a ver com o significado de
esquerda? O que tem a ver com a justiça social, que era a razão de ser da
esquerda.
Mas, sim, há outros,
como Sanders, que querem representar o protesto contra as leis globais dos
mercados e candidatam-se para desafiá-las. Tenho muito respeito por eles, mas
não gostaria que criassem muitas expectativas sobre o que se pode
verdadeiramente fazer com os instrumentos já não funcionais próprios da era do
interregno. De outro modo, o risco é desiludir-se rápido, como ocorreu com
Tsipras na Grécia.
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