A CRISE E O CONTRATO
SOCIAL: LEGALIDADE, LEGITIMIDADE, INTERINIDADE
A crise política e econômica que estamos
vivenciando pode ser mais uma oportunidade para que a sociedade brasileira
reconheça suas inconsistências, sociais, políticas e institucionais. Nosso
problema é um problema de origem, da forma como se conformou o tecido social
brasileiro, materializado em suas instituições. A consistência e ofuncionamento legítimo das instituições revelam o grau de coesão, de
consistência do contrato social firmado nas origens das sociedades e dos povos.
Evidentemente a crise política e econômica em curso no Brasil tem um efeito
deletério imediato sobre a organização social e institucional.
Necessita de
ações e encaminhamentos pragmáticos imediatos como condição de sua superação.
Porém, a compreensão dos fundamentos ontológicos da crise é crucial para que se
possa corrigir, melhorar e fortalecer a proposta civilizatória brasileira.
Ou dito de outra forma, os acordos e os
encaminhamentos pragmáticos para superação da crise política e econômica em
curso resolverão problemas pontuais. Acomodações do sistema político partidário
se apresentarão nos próximos meses. Acordos em torno da governabilidade deverão
se estabelecer. O mercado de ações, de capitais reagirá propositivamente. A
confiança do mercado nas instituições se restabelecerá gradualmente. Mas, a
desconsideração dos fundamentos ontológicos da crise manterá a sociedade
brasileira a mercê do caráter cíclico das crises políticas e econômicas que a
caracterizam desde a chegada das caravelas portuguesas no litoral sul da Bahia
no século XVI.
Mas, qual é o fundamento ontológico da crise
em curso? Como identificá-lo? A identificação deste fundamento será suficiente
para sua superação e conformação de uma proposta civilizatória consistente?
Entre inúmeras variáveis analíticas possíveis e, já decantadas, interpretadas,
defendidas e publicadas, talvez se possa afirmar que o fundamento desta crise e
das crises antecedentes reside no “contrato social” que fundou o “brasil”. Mas, o que é um contrato? Um contrato é um
acordo entre partes interessadas na preservação de um interesse comum. Antes
mesmo de sua acepção jurídica que assumiu em nossos tempos é um trato entre
duas ou mais pessoas que confere garantia e retidão da intenção, bem como
limites da ação da cada contratante em relação ao interesse comum. Um contrato
confere a expectativa de segurança de que os direitos e os interesses das
partes sejam observadas e garantidas. Reitere-se que o contrato é a expressão
da intenção e da ação de pessoas que se reconhecem como iguais e, anseiam por
segurança de vida, de bens, de propriedade. Ao assinar o contrato os
contratantes estabelecem as instituições que observarão e regularão o
cumprimento das regras contratuais.
Assim, a crise política e econômica em curso
é expressão das fraturas do contrato social que fundou a sociedade brasileira.
Ou seja, o Estado brasileiro em suas “origens” em suas instituições até a
atualidade, diferentemente de outros povos não se constituiu como expressão da
vontade, do reconhecimento e, por extensão da organização da sociedade
brasileira. Nestas terras o Estado chegou antes que a sociedade. Desembarcou
com Cabral com o intuito de constituir uma colônia de exploração. Entre
portugueses degredados, índios e negros escravizados e europeus incorporados
pelas empresas de colonização buscaram-se ocupar e extrair destas terras as
riquezas almejadas pela Coroa portuguesa. O Estado português que aqui aportou tinha
em sua gênese o patrimonialismo, o clientelismo e o fisiologismo (herança que
preservamos quase que intacta) que o constituíram entre os séculos XII e XIII.
Entre donatários de capitanias hereditárias,
senhores de engenho, barões do café, latifundiários, negros alforriados sem
terra, índios dizimados, portugueses sem eira nem beira e, imigrantes que
vieram “fazer a vida”, fomos conformando aquilo que chamamos de sociedade
brasileira. Um amontoado de culturas e
etnias lançadas num território com intuito da exploração. Enfrentamos até os
dias atuais dificuldades, entre elas: a) de reconhecimento (política de cotas),
de distribuição adequada da renda (programas assistenciais; b) de distribuição
adequada da terra (reforma agrária); c) de discernimento entre o que é público
e o que privado (corrupção política compra e venda de votos); d) de práticas de
controle político do Estado e das instituições por grupos específicos a
despeito das necessidades e interesses sociais amplos (golpes, contragolpes e
ditaduras). e) de práticas patriarcais e de preconceitos nas relações de gênero
(as mulheres têm que ser recatadas, belas e do lar). Nestas condições viceja o
jeitinho, a malandragem, a conciliação. Uma sociedade marcada pelo disfarce,
pela reverência simplória a personalidade, conferindo à quem fala mais alto o
status de “doutor”. Uma espécie de admiração e legitimação das ações de quem
vive de trapaça, de políticos corruptos, de funcionários públicos ineficientes
e, desrespeitosos com a coisa pública. Aceitamos simploriamente serviços públicos
de baixa qualidade. Somos uma sociedade marcada pela desconfiança nas relações
entre indivíduos e instituições: “alguém sempre esta querendo enganar alguém”.
Esta crise “política”, marcada pela falência
e ilegitimidade de nosso sistema político partidário e corroborado pela promiscuidade
imoral financiada pelos altos salários do poder judiciário é reveladora de que
não nos reconhecemos como brasileiros e, por extensão nas instituições e, no
Estado (que é do prefeito, do governador ou do presidente). A ausência de
reconhecimento se apresenta nas fraturas, senão na ausência de um contrato
social que permita que nos reconheçamos e, sejamos reconhecidos como uma
civilização que reconhece regras, que respeita suas instituições, que valoriza
a honestidade no trato entre indivíduos e, sobretudo em relação a coisa
pública, aquilo que pertence a todos nós e, que pode nos permitir a uma vida
qualificada. E assim passamos os dias, décadas e séculos, de crise em crise esperando que deus nos
ajude, afinal ele é brasileiro.
Prof. Sandro Luiz
Bazzanella
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