COMO DISCUTIR POLÍTICA SEM BAIXAR O NÍVEL
Os tempos são de polarização acirrada, mas debater com elegância é mais
produtivo. E preserva amizades
Com um país
marcado pela polarização, discussões sobre política e visões de sociedade se
espalharam por inúmeras esferas de nossas vidas. Navegar pelas conversas do
Facebook mostra o quão obsoleto ficou o antigo dito popular de que “futebol,
religião e política não se discute”. Nas reuniões em família e encontros entre
amigos, então, fala-se de política como nunca. E muitas vezes laços afetivos de
anos se desgastam por conta das divergências.
O
problema é que parte considerável dos embates entre ideias diferentes se
caracteriza quase sempre por dois monólogos andando em paralelo, com o
reconhecimento da outra parte ocorrendo apenas através de ofensas ou sarcasmo.
Muito se fala, e pouco se ouve. Muito se prega, pouco se debate. E quando há
troca, esta acontece menos como debate e mais como disputa, sempre com cada
lado buscando ter a última palavra e “vencer”.
Ao
contrário do que muitos imaginam, bons debates servem para construir
conhecimento e não disputar. São oportunidades para que fatos e ideias circulem
e sejam colocadas à prova. O filósofo grego Aristóteles descreveu a prática
como “encontros dialéticos entre pessoas que participam de argumentos não com o
propósito de competir, mas para testes e investigação”.
OS CANDIDATOS AMERICANOS JOHN KENNEDY E RICHARD NIXON
GRAVARAM DEBATE PIONEIRO NA TV
“Em todos
os debates, deixe a verdade ser seu objetivo, não a vitória ou um interesse
injusto”, disse com otimismo o filósofo e colono norte-americano William Penn.
É fácil
encontrar por aí aconselhamento de como “vencer” um debate (incluindo aí o
clássico e sarcástico “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, do
filósofo Arthur Schopenhauer), mas não é o que propomos aqui. Em vez disso,
apresentamos dicas para encarar um debate em que o aspecto competitivo é menos
importante do que a circulação de ideias. Convencer o outro lado de que há
razão em seus pontos pode ser uma das consequências. Assim como a preservação
de amizades e relações familiares.
Avalie a
situação. Você quer debater com essa pessoa?
Aquela
frase que “deu raiva” pode provocar uma resposta inconsequente e quando você se
dá conta lá se foram 20 minutos perdidos em uma conversa que não resulta em
nada. O autor americano Grenville Kleiser, que escreveu dezenas de livros sobre
sucesso pessoal e oratória no começo do século 20, listou tipos com quem não se
deve perder tempo debatendo em “How to argue and win”. Estes incluem o “dogmático” (“que
resiste a prova mais evidente da verdade”), o “imperioso” (“que gosta de impor
seus sentimentos sobre os outros”), o “egoísta” (“que se deleita em ouvir a si
mesmo falar”) e o “rabugento” (“que se ressente da contradição, e rapidamente
se ofende”).
Você
entende desse assunto o suficiente?
Óbvio,
mas frequentemente ignorado. Existem dois cenários possíveis no caso de você
entrar em uma conversa sem entender muito sobre seu objeto. No primeiro, o
“outro lado” é também desinformado e vocês dois correrão então o risco de ficar
trocando pontos superficiais (quando não equivocados) sobre o tema. No seu
segundo cenário, o outro debatedor é bem informado sobre o tema, ou pelo menos
mais bem informado do que você. Perigo de vexame à vista. E, se o debate for
online, não pense que “googlar” rapidamente em outra aba enquanto responde é
uma maneira aceitável de participar. O risco de ser desmascarado permanece.
FOTO: REPRODUÇÃO
CIVILIDADE, ACIMA DE TUDO
Prefira
fatos, não opiniões
O que é
mais fácil? Convencer alguém dizendo “a economia do país vai mal” ou mostrar
índices de desemprego ou retração econômica? Seu interlocutor tende a acreditar
mais em você ou no IBGE? De certa forma, viramos todos pequenos órgãos de mídia
na rede social, selecionando e divulgando informações. Vale então reproduzir as
boas práticas do jornalismo, que usa dados, números, estudos e pesquisas para
embasar seu conteúdo. Para além dos números, seus pontos devem ser baseados em
fatos e não achismos. Dito tudo isso, há que se lembrar das armadilhas dos
“fatos duros”, pois números e estatísticas também se prestam a interpretações.
Um exemplo simples: se o PIB sobe 2% isto pode ser uma boa notícia. Mas se no
ano anterior, ele tinha caído 4%, a perspectiva muda. E pode mudar outra vez se
o país vizinho registrou uma alta de 5% em seu PIB.
Cheque
seus fatos
A procedência das informações compartilhadas tem
que ser um ponto sagrado. A profusão de notícias falsas é um fenômeno
gigantesco e real.Segundo pesquisa do American Press Institute, notícias falsas
costumam circular três vezes mais que as verdadeiras na internet. Fique atento
ao veículo que está publicando e a detalhes como erros de grafia, uso de CAIXA
ALTA no meio do texto, local e data do fato citados e confiabilidade das
fontes. Compartilhar notícias inverídicas como “argumento” sabota sua
credibilidade como debatedor, dentro e fora da rede.
PAULO MALUF E LEONEL BRIZOLA EM DEBATE PRESIDENCIAL DAS ELEIÇÕES DE 1989
Não
recorra a falácias ou sofismas
Além das
informações falsas, existem também as falácias e os sofismas, que são
argumentos falsos com aparência de verdade. Um exemplo comum é quando se diz
que um artista é de boa qualidade porque vende muito, equivalendo êxito
comercial com qualidade artística. Uma falácia conhecida de quem acompanha
debates eleitorais é quando um participante desqualifica o autor em vez do
conteúdo: “Como podemos levar a sério a proposta de um homem que deixou o
Estado endividado?”. Esta falácia é chamada de “argumentum ad hominem”.
Fuja das
generalizações
Todos
conhecem bem esse tipo de frase: “todo político é corrupto”, “todo esquerdista
defende o comunismo” ou “São Paulo, terra de coxinhas”. Ao se utilizar de um
expediente assim, seu discurso fica com cara de superficial e perde força. Por
outro lado, se um debatedor se utilizar de uma generalização assim, abre espaço
para que você o rebata com sucesso. Em “Como vencer um debate sem precisar ter
razão”, Schopenhauer aconselha, “encontre uma instância que demonstre o
contrário”. “Basta uma contradição válida para derrubar a proposição do seu
oponente”, escreveu.
Pesquise
melhor sobre “o outro lado”
É comum
imaginar a argumentação alheia dentro de um conjunto de clichês baseado na
percepção que se tem de como o “outro lado” pensa. Se você tem um pensamento
político do centro para a esquerda, pode ter ideias pré-concebidas sobre como
pensam as pessoas que habitam o lado oposto do seu espectro político. E
vice-versa. É um erro estratégico. O blogueiro de política americano Kevin Drum
recentemente criticou artigos que dão dicas de como falar sobre política na
família pois partem de estereótipos irreais. Drum, que se intitula “liberal” (o
que nos Estados Unidos significa “mais à esquerda”), sugere ir mais longe e se
colocar no lugar do outro para “pensar em respostas que podem realmente
persuadir alguém que é conservador”. Entre a “lição de casa” para este caso,
Drum sugere assistir ao [canal conservador] Fox News por um tempo, ouvir
comentaristas de rádio e ler algumas correntes de email.
FOTO: LULA MARQUES/AGÊNCIA PT DE NOTÍCIAS
SILAS MALAFAIA E TONI REIS EM DEBATE
Seja
gentil, seja educado
Pode
haver satisfação em atacar com agressividade um interlocutor que acaba de dizer
uma grande bobagem contra ou a favor do Bolsa-Família. Deixar a emoção teclar
no lugar da razão talvez seja catártico por alguns segundos, mas não constrói
nada e geralmente leva a conversa para uma direção indesejada. Então, deixe de
lado o sarcasmo, a ironia, o deboche, o xingamento, o famigerado CAPS LOCK, e
as muitas exclamações e interjeições, se sua intenção é debater em alto nível.
E bom
debate!
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