BRASIL
2015: CRISE ECONÔMICA OU
POLÍTICA?
“Há
todo um espírito brasileiro que se delicia com a própria agilidade mental, esta
de ver o avesso das coisas revelado numa palavra, frase, fato. Somos os
brasileiros mais bem humorados, muito bem humorados. Conseguimos rir de tudo.
Do governo que cai de do governo que sobe. Das instituições que deveriam estar
a nosso serviço, dos dirigentes que deveriam representar nossos interesses”. (Roberto
Gomes – Crítica da Razão Tupiniquim,
1983, p.10)
Permitam-me
uma observação à temática desta mesa intitulada: “Crise econômica ou crise política”?
Não se trata nem de uma, nem de outra isoladamente, mas sim de uma crise da
“Economia Política ao modo Tupiniquim de ser”. Intitulo desta forma a análise
que segue em referência a obra do filósofo e escritor nascido em Blumenau em
1944, Roberto Gomes: “Crítica da Razão Tupiniquim”, publicada em 1977. Nesta
obra o referido autor procura demonstrar os limites da capacidade, senão de
nossa vontade de compreendermos profunda e adequadamente nossa condição de
brasileiros. Vale a pena ser lida e refletida.
Somos
o país da piada pronta, das interpretações políticas, econômicas, sociais,
culturais, futebolísticas rasteiras e apressadas, em alguns casos, preconceituosa e, até mesmo messiânica. De
modo geral, salvaguardando os indivíduos e cidadãos que zelam pela
clarividência conceitual, pela compreensão adequada das coisas, interpretam-se
conceitos e situações de forma unilateral e maniqueísta. Tudo se passa como se
o mundo fosse movido por duas forças antagônicas, a eterna luta entre o bem e o
mal. Assim, confundimos liberalismo
político e liberalismo econômico, ou reduzimos estes dois conceitos: o primeiro
em relação a ideia de liberdade individual frente ao Estado. O segundo com a
liberdade de mercado diante da intervenção do Estado. Quanto ao socialismo o
concebemos, ora como revolução que pretende inverter a relação capital e
trabalho constituindo as bases para um “outro mundo possível”, ora como
excessivo zelo em relação ao social em detrimento do individual. Ou ainda, como
intervenção planificadora da Razão de Estado que tudo vigia e controla. E
pasmem nossas concepções políticas de esquerda, de direita e até de centro
assentam-se sobre estes arremedos conceituais. Desconsideramos que o Estado de
bem-estar social, ou melhor, o Estado gerencial no qual estamos inseridos é o
resultado da síntese entre Liberalismo político/econômico e socialismo, entre
liberdade e segurança, gestado a partir de fins do século XIX e primeiras
décadas do século XX, a partir dos paradoxos liberais e socialistas cuja cepa
comum é a modernidade econômica e política.
O
Estado gerencial em curso, também conhecido como “Estado democrático de
direito” se caracteriza por uma dupla tarefa: a) Por um lado garantir a liberdade
de mercado, de iniciativa, de empreendedorismo no plano da economia; b) Por
outro garantir a segurança dos indivíduos e, da população, assegurando-lhes os
direitos civis, políticos, individuais, de minorias, ambientais e, os que ainda
virão. A eficiência e eficácia do Estado
Gerencial no cumprimento destas tarefas, o torna confiável à economia
financeira, na medida em que mantém estabilizado o tecido social, cumprindo contratos de remuneração do capital
financeiro. Liberdade e segurança de produção à economia financeira e,
segurança de consumo aos indivíduos e populações.
Mas,
o que aconteceu com nosso Estado Gerencial Tupiniquim? O que deu errado? Quem é
o Culpado? Quem nos salvará do desastre econômico eminente? Entre os anos 2000 a 2008, a dinâmica
econômica mundial estava aquecida. Havia liquidez e, por extensão demanda
mundiais por comoditties agrícolas e
minerais. Nossas exportações bateram recordes mês a mês, ano a ano. A partir de superávit primário alcançado com
as exportações, o governo brasileiro constitui significativas reservas
cambiais. Neste período de “vacas gordas”, como crianças que adentram numa loja
de doces e chocolates, os brasileiros estavam inebriados com seu crescente acesso
ao consumo, com as facilidades de crédito para financiamento da casa própria,
de carro novo, eletrodomésticos, viagens, entre outras facilidades.
Sob
tais condições economicamente favoráveis governo e sociedade brasileira
decidiram dar por superadas nossas históricas deficiências estruturais. Não havia
espaço para a crítica ao modelo de expansão de crédito artificial promovido
pelo governo através do aumento do passivo da dívida pública estatal via
financiamento do consumo interno. Não havia espaço político e social para o
debate e encaminhamento das reformas estruturais necessárias a eficiência
gerencial do Estado brasileiro, entre elas: Reforma Tributária, Reforma
Previdenciária, Reforma Política; Pacto Federativo; Reforma Educacional. Entre
todas as reformas urgentes é preciso situar a necessidade sempre presente de
uma profunda “Reforma Educacional”, condizente com o desafio de superação do
analfabetismo funcional generalizado que atravessa a sociedade brasileira; como
forma de superação da baixa capacidade de produtiva do trabalhador brasileiro; de
sua exígua capacidade criativa e empreendedora; de seus limites de compreensão
das diferenças entre público e privado. Não investimos em ciência e tecnologia
como condição sine qua non para abandono
de nossa condição de consumidores de tecnologia externa; não investimos em
infraestrutura, em logística para nos tornarmos mais ágeis e competitivos no
mercado internacional. Não fortalecemos a indústria nacional frente a
competitividade global.
Desde
a crise financeira de 2008, o cenário econômico mundial possui menos liquidez.
Estamos sentido esta condição em nosso dia-a-dia: aumento das taxas de juros;
restrição de acesso ao crédito; aumento dos combustíveis; aumento das taxas dos
serviços públicos; aumento do desemprego; aumento de impostos; redução da
demanda de consumo em diverso segmentos econômicos como decorrência do aumento
da inflação. Demos nomes aos bois: o responsável pela crise econômica em que
estamos inseridos é o governo pelas opções econômicas paliativas, epidérmicas
que fez ao longo deste período. Neste momento o Estado brasileiro está
endividado, sem dinheiro para financiar o mercado interno e o pior, quando
tivemos a oportunidade não fizemos o dever de casa. Deixamos passar uma oportunidade histórica
para fortalecer nossa economia política. O cenário da economia política que se
apresenta talvez exija uma década de esforços. Parece que os brasileiros foram
amaldiçoados pelo mito de Sísifo. Passamos décadas empenhados em rolar a pedra
morro acima, para no instante seguinte vê-la rolar penhasco abaixo
comprometendo gerações em novos esforços rumo ao topo da montanha.
Mas,
não esqueçamos a advertência do filósofo prussiano Emmanuel Kant (1724 a 1804),
que nos advertia para a condição da menoridade. Ser menor é mais fácil. Se algo
der errado atribuí-se exclusivamente a responsabilidade a outrem, àqueles que
tomaram as decisões. Assim, tomando por empréstimo a frase do poeta e dramaturgo Willian
Shakespeare (1564-1616): “em mares calmos todos navegam bem, o
difícil é navegar em mares turbulentos”. Acrescente-se a análise da economia a
condição da política. Ao longo dos anos de farto crédito e abundante consumo
assistimos a diluição das ideologias partidárias. Tudo ficou muito parecido.
Todos os gatos se tornaram pardos. Os partidos abriram mão de sua criatividade
e criticidade política e econômica em relação a projetos de desenvolvimento de
nossa economia política. Nosso
presidencialismo de coalização centrifugou a oposição. O fisiologismo político
partidário foi elevado a décima potência. O discurso oficial difundiu a ideia
de que apresentar-se como oposição ao governo era apresentar-se como oposição à
sociedade brasileira. A oposição entrincheirou-se, disputando de forma
autofágica a candidatura majoritária para a próxima eleição em que prometia ser
mais eficiente no financiamento do mercado interno do que o governo de plantão.
Niilismo e oposição se tornaram sinônimos.
Acordamos
do sono da razão (Goya) e, adentramos no pesadelo de nossa economia política. Deparamos-nos
com um Congresso fisiológico, ávido por barganhar cargos com o executivo em ministérios, em estatais, em secretarias
nacionais as mais diversas para acomodar seus cabos eleitorais e afiliados.
Estamos nos deparando com a corrupção institucionalizada ao longo de décadas
das empresas estatais que são utilizadas como fontes de recursos para
composição e caixa 2 utilizado no financiamento de campanhas eleitorais e, até
enriquecimento de indivíduos e, de grupos que operam esquemas de corrupção.
Estamos diante de um congresso nacional que representa a si próprio, aos seus
interesses particulares em detrimento dos interesses e urgências estratégicas
da sociedade brasileira. Estamos diante de um poder executivo enfraquecido
desprovido de legitimidade para dialogar com a sociedade brasileira em torno de
um consenso nacional frente à crise da economia-política, refém das relações do
clientelismo e do fisiologismo de partidos e do congresso nacional. Neste cenário de crise política não nos
esqueçamos do poder judiciário, considerado por Montesquieu
(1689-1755) como a extensão operacional do Estado na manutenção da ordem e, que assume neste contexto a condição de
poder de estado, ora legislando, ora impondo ao executivo limites à ação e, no
bojo desta condição exigindo aumentos salariais abusivos, senão imorais em
relação ao conjunto da sociedade brasileira e suas dificuldades financeiras.
O
que fazer diante a crise de nossa economia política? Parte da sociedade brasileira
apresenta-se revoltada diante da tardia percepção dos equívocos governamentais na
condução da economia-política e, que incidem sobre a precarização de sua
qualidade de vida. Tenha-se presente que o que caracteriza a revolta é a ira,
ou até mesmo a explosão da irracionalidade que se apresenta em discursos e
ofensas pessoais as lideranças políticas. Juntamente com a revolta
manifestam-se também nestes momentos discursos reacionários que pedem a volta
dos militares, discursos messiânicos que anseiam por um salvador da pátria,
entre outras variáveis. Simplesmente
ignora-se o fato de que o Estado não é um ente artificial transcendente, mas o
lócus por excelência de disputas de grupos, de interesses e contradições e, que
em fundo último o que deve prevalecer é sua capacidade política, administrativa
e jurídica de preservar os interesses públicos e sociais. Enfim, tudo se passa como se algo ao longo
deste ciclo da economia política, em seus momentos estertores tivéssemos sido
enganados, ou de que fossemos incapazes, ludibriados em nossa capacidade
compreensiva em relação ao que de fato estava ocorrendo.
Talvez
mais esta crise da economia política brasileira, entre outras, possa ser um convite
para reconhecermos as inconsistências políticas, econômicas e institucionais em
que se circunscreve a sociedade brasileira e, parte significativa de suas
lideranças políticas a partir do plano local ao nacional em seu caráter
recorrentemente cíclico. Ou seja, temos dificuldades de constituir processos de
desenvolvimento que perdurem períodos para além de duas ou três décadas. O
ciclo desta economia política em crise na atualidade teve seu início por volta
dos anos 80 do século XX com a redemocratização do país e, encontra-se neste
momento agonizando em seus últimos suspiros.
Necessitamos
superar a visão patrimonialista, paternalista e centralizada do Estado como o
protagonista do desenvolvimento social, político, econômico da sociedade
brasileira. Precisamos ter mais apreço pelos estudos, pela leitura de bons
livros, de bons jornais como um dos únicos caminhos para avançar na compreensão
dos esforços implicados na constituição de uma economia política sustentável,
expressão da racionalidade política, jurídica e administrativa de um povo que
se pretende civilizado. Ainda nesta direção, precisamos superar as heranças,
hábitos e costumes arraigados em nossa conformação societária, que ao longo dos
tempos se mostram prejudiciais à constituição de uma proposta civilizatória
consistente, entre elas: “o jeitinho brasileiro”. Sociedades que pretendem se afirmar
civilizatoriamente e, de forma consistente não podem tolerar a convivência com o
jeitinho, com arranjos, com negociatas, em qualquer esfera, seja das relações
pessoais, às relações institucionais e políticas. Ao longo de nossa história o jeitinho
brasileiro tem-se mostrado desajeitado, feio, ridículo e pueril.
Precisamos
superar a máxima futebolística: “em time que está ganhando não se mexe”.
Equívoco de preguiçoso. É preciso
compreender por que um time está ganhando, quais seus méritos e, quais suas
fragilidades, bem como compreender e antecipar os esforços dos concorrentes
para superá-lo. Constituir uma economia política consistente, que supere nosso
caráter cíclico requer vontade, determinação e muito empenho de indivíduos e de
coletividades. Precisamos superar a máxima: “é preciso levar vantagem em tudo”. A radicalização da famosa lei de Gerson nos
leva a corrupção, aos acordos, ao desrespeito com a dimensão pública
constitutiva da vida de um povo, de uma nação.
E
concluo parafraseando novamente Roberto Gomes: “Já fomos o país do futebol,
continuamos como país do carnaval, da praia, do cafezinho, do papo
descontraído, do funcionário público, do herói sem nenhum caráter, do chope
gelado, do jogo do bicho, da loteria esportiva”, dos ciclos econômicos e
políticos e, sobretudo da dificuldade de compreender a nós próprios e as
exigências civilizatórias, sem as quais permaneceremos deitados eternamente em
berço esplêndido mentindo à nós mesmos, cultivando nossa mediocridade e o gosto
pelo grotesco.
Prof. Sandro Luiz
Bazzanella
Professor de
Filosofia da Universidade do Contestado
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