Um pouco de Darwin e Lévi-Strauss: O pensamento evolucionista, que marcou
o início da Antropologia Acadêmica e a Crítica de Claude Lévi-Strauss
Veremos aqui,
inicialmente, algumas das principais diretrizes do pensamento evolucionista,
que marcou o início da Antropologia como disciplina acadêmica.
Antes
de qualquer coisa, necessária se faz uma breve explanação acerca da Teoria de
Charles Darwin, a chamada teoria "evolucionista" (que trazia, em sua
Obra Prima -"A Origem das Espécies", o seu fundamento básico, a
seleção natural).
A
partir de estudos, inicialmente realizados nas Ilhas Galápagos e,
posteriormente, já em sua casa, analisando tentilhões (pássaros da mesma raça,
que viveram na mesma época, mas com algumas características diversas),
resumidamente, sustentava-se a ideia de que todos os seres descendem de um
mesmo ser (organismo unicelular) e lentamente ocorre uma transmutação, em uma
modificação contínua e necessária (luta por sobrevivência), onde aqueles que
estão mais bem adaptados/aptos sobrevivem. Portanto, Darwin não propõe algo
como uma evolução de um ser inferior para um superior (evolução em
"escada") e, sim, uma continuidade que parte do mesmo tronco
(antepassado; ascendente...) e gera várias outras ramificações
("arbusto").
Não
há que se falar em uma "forma de vida" melhor ou pior do que a outra;
o que estaria caracterizado seria, no máximo, um aperfeiçoamento, com o fito de
manter a própria existência, de acordo com as influências do meio ambiente
específico, em que este determinado ser vive.
Enfim,
tomando-se isto em linha de conta, fica claro que o pensamento evolucionista -
social (aquele vinculado a uma ideia de progresso, fruto de interpretações
etnocêntricas), difere-se largamente da teoria "evolucionista"
(biológica) de Darwin (descendência com modificação, adaptabilidade necessária
ao "habitat", conforme visto em S. J. Gould; Darwin E Os Grandes
Enigmas da Vida).
Isto
posto, prossigamos então.
No
período em que a Antropologia assumia o seu lugar no âmbito acadêmico, a
corrente evolucionista (progresso) tinha suas próprias diretrizes. Tais
diretrizes seriam, principalmente, influência dos textos de H. Spencer, tais
como, "Social Statics", no qual popularizou o termo "evolução,
e"Progress: It’s Law and Cause", que serviu como instrumento para
divulgação da escala da evolução"una", do mais simples para o mais
complexo, seja um ser, seja um grupo ou, até mesmo, a sociedade.
Em
consonância com essa tese basilar, um dos pressupostos tradicionais do
pensamento evolucionista da época era que o desenvolvimento da humanidade, nos
diferentes lugares do planeta, em grupos diferentes, teria acontecido ou
aconteceria naturalmente, de uma maneira pré-determinada, com estágios
obrigatórios (fases evolutivas), quase que concomitantemente, para aqueles que
se encontravam no mesmo patamar da evolução (traduzido como monogenismo). Nesse
sentido, Morgan:
"
Como a humanidade foi uma só na origem, sua trajetória tem sido uma, seguindo
por canais diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e muito
semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade que se encontram no mesmo
status de desenvolvimento. "Evolucionismo Cultural; p. 46.
No
mesmo diapasão estava o entendimento de Tylor:
"
[...] tanto possível quanto desejável eliminar considerações de variedades
hereditárias, ou raças humanas, e tratar a humanidade como homogênea em
natureza, embora situada em diferentes graus de civilização ". Evolucionismo
Cultural; p.14.
Em
que pese à tentativa de uniformização da evolução humana, bem assim dos
humanos, na prática a situação era outra. As tribos, grupos ou civilização
diferentes eram tratadas, ainda, como inferiores em grau evolutivo, ou seja,
selvagens.
Explicita-se,
também, que, como o" outro "era visto como um espécime vivo de
um" momento "evolutivo já ultrapassado, isto é, o passado acessível,
como objeto de estudo, assim como demonstra este excerto:
"
[...] o selvagem é um documento humano, um registro dos esforços do homem para
se elevar acima do nível da besta. ". Evolucionismo Cultural; p.14.
E
como documento de uma etapa histórica do homem, antes inacessível, deveria ser
estudado através do método comparativo, solução para preencher as" lacunas
do longo período primitivo de evolução cultural humana ", aproximando,
deste modo, as civilizações" selvagens "contemporâneas das etapas
primitivas da civilização mais evoluída e complexa.
Por
derradeiro, é prudente indicar outro preceito imprescindível ao evolucionismo,
a ideia de" sobrevivências ", que seriam, nada mais, nada menos do
que processos, costumes, opiniões, crenças, etc., existentes em uma sociedade,
que foram mantidos, perdurando pela prática reiterada destes, em estágios
diferentes dos quais obtiveram sua origem.
"
[...] seriam como que relíquias de crenças e costumes dos selvagens que
sobreviveram como fósseis entre povos de cultura mais elevada. ".
Evolucionismo Cultural; p.16.
Consubstanciando-se
no texto anteriormente aludido, podemos citar com exemplos de"
sobrevivências "as" crendices populares ", as superstições, as
simpatias. Esses dispositivos" (sobrevivência ") serviriam como
vestígios e/ou registros de etapas anteriores da evolução humana, por meio dos
quais poderia ser estruturada uma reconstituição de eventos pretéritos, não só
de civilizações que serviriam de paradigmas de seus estágios evolutivos
anteriores, mas, também, de sua particular e específica sociedade.
Mais
uma argumentação carregada da forte visão do evolucionismo cultural,
tipicamente inerente das instituições envolvidas nesse contexto, quais sejam, o
Estado, a sociedade ocidental e, por que não, esta Antropologia Acadêmica em
seus primórdios.
Neste
ponto, nada mais providencial que verificarmos, ainda que em síntese, algumas
das ideias esclarecedoras de Strauss. No artigo" Raça e história ",
escrito em 1952, para UNESCO, C. Lévi- Strauss afirma que" todo progresso cultural é função de uma coligação entre as culturas ". Veremos a
seguir, portanto, a noção de progresso utilizada pelo autor, bem como sua
crítica às teorias evolucionistas e às ideias que se apoiam na existência de
uma história estacionária.
Em
consonância com o artigo em tela, depreende-se que Claude Lévi-Strauss, quando
se referia a uma coligação, e que dele deriva todo progresso cultural, visava
defender que o progresso, as inovações tecnológicas, processos, costumes, o
aperfeiçoamento, a criação e o desenvolvimento cultural, somente se davam
através de um contato estabelecido entre povos, tribos, sociedades e
civilizações contemporâneas, realizados por intermédio de guerras, observação,
escambo, comércio...
Em
decorrência destes fatos citados acima, ocorria e ocorre uma espécie de
intercâmbio cultural, uma contribuição (na esfera cultural, em geral, ou estritamente
em um dos campos da vida social, quais sejam, religião, profissional, bélico,
produtivo amplo), tendo, preferencialmente, como requisito precípuo, a
diversidade. Esta relação" em comum "seria inconsciente ou
consciente, voluntariamente ou involuntariamente. Vale dizer, ainda, presente
nas sociedades que se valem do contato (não vivem sozinhas, se avizinham, se
comunicam) se é que é possível viver só (" o homem é um animal político
"), sem sequer qualquer tipo de relação, mesmo que com tribos semelhantes
(ou grupos, numa escala menor), ainda que para guerrear.
Deste
modo, a princípio, estariam se beneficiando (condicionalmente) as partes
envolvidas nesse sinalagma. Esse mutualismo daria forma ao progresso, em
um" aperfeiçoamento "(v. G., um determinado método que facilite, de
alguma maneira, o cultivo de alimentos) de origem externa, agregado (integrado)
à sociedade ora receptiva.
Ocorre
que, para tentarmos esgotar o estudo da visão de progresso de Strauss, trazemos
à baila, conjuntamente, P. Clastres que, em uma análise simplificada, poderia
interpretar, provavelmente, que a possibilidade supra (chamada de progresso; a
incorporação do estilo de vida de" outros ") poderia desaguar, em uma
situação extrema, em algo parecido com sua definição de etnocídio, conquanto
tais contatos e a integração de comportamentos, também ocorrem por imposição de
outra sociedade (relação de dominante e dominado).
Já
em uma breve analogia com os compêndios de C. Geertz, poderíamos dizer,
seguramente, que a recusa por esta relação de contribuição seria salutar,
partindo-se da ideia de manutenção e defesa da própria cultura.
Quanto
às teorias evolucionistas, Strauss defende que existem diversas culturas
humanas, sendo que estas se desenvolveram em épocas diferentes, espaços
diversos (territórios), sob a influência do lugar em que nasceram e viveram,
também com distinções consideráveis, fatores que explicariam a diversidade, em
contraposição à hierarquização de fases evolutivas e, por conseguinte, de
raças, arguição equivocada (qualificadas como teorias racistas), relativa à
aptidões inatas, intrínsecas e extrínsecas de cada" raça ". Seu
entendimento estaria arraigado na proposta de que todos os povos descendem de
um mesmo tronco, assim como Darwin, e se desenvolveriam em ramos diferentes
Essa
diversidade (que segundo ele, é apenas aparente) seria um fenômeno comum na
sociedade, no entanto é tida, desde os primeiros tempos, com espanto, assombro,
sendo explicada, confortavelmente (e irresponsavelmente) pelo discurso de
dominação etnocêntrico.
Para
C. Lévi-Strauss, ocorreria uma progressão social por saltos, em que, em
determinados períodos, aconteceria um maior nível de progresso, em outros
períodos, esse nível seria menor. De qualquer maneira tal progressão não se
desdobraria, necessariamente, para frente, ou seja, algo como, para darmos um
passo para frente, às vezes temos que dar dois para trás (ou até para o lado,
de acordo com sua analogia em face do jogo de xadrez).
"Estes
saltos não consistem em ir sempre mais longe à mesma direção; são acompanhados
por mudanças de orientação".
Daí
a sua crítica, também, as ideias de uma história estacionária (a história de
uma civilização estagnada, de certa forma" parada no tempo ") versus
cumulativa (somas de conhecimento, habilidades, métodos aperfeiçoados que se
adicionam e formam uma combinação favorável acumulada).
Essa
avaliação/comparação entre sociedades seria mais uma perspectiva etnocêntrica
do" outro ", em que, as sociedades que se desenvolvem de modo similar
ao nosso, que nos inspiraria sentido, seriam dotadas de cumulatividade, em
contrapartida, as que não se assemelhassem ao nosso desenvolvimento, sobretudo
por essas mudanças não fazerem sentido sob o nosso prisma (seriam totalidades
autônomas, sociedades em si mesmas) teriam histórias estacionárias.
Sobre
isso, o autor em comento aduz, detalhadamente, que cada sociedade é dotada de
uma originalidade acerca de seu desenvolvimento e a construção de sua, todos os
homens possuem valores, linguagem, técnicas, etc., todavia, essas destoam umas
das outras, na medida em que a" dosagem " não é, nem poderia ser
exatamente a mesma, justamente por todos os fatores supramencionados.
Conclui-se, por isso, que não há sociedade com história estacionária, inerte,
todas as culturas são dotadas de uma história cumulativa, ora, essa apenas
segue em marchas inconstantes e incongruentes, para todos, em seu próprio
ritmo.
Ronaldo
França Viana
Bacharel em Direito -
Universidade Nove de Julho - UNINOVE Graduando em Ciências Sociais -
Sociologia; Antropologia e Ciência Política - Universidade Federal de São Paulo
- UNIFESP Advogado especialista em Direito Constitucional; Direito Processual
Penal e Direito Penal
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