segunda-feira, 30 de março de 2015

Um pouco de Darwin e Lévi-Strauss: O pensamento evolucionista, que marcou o início da Antropologia Acadêmica e a Crítica de Claude Lévi-Strauss


Um pouco de Darwin e Lévi-Strauss: O pensamento evolucionista, que marcou o início da Antropologia Acadêmica e a Crítica de Claude Lévi-Strauss

Veremos aqui, inicialmente, algumas das principais diretrizes do pensamento evolucionista, que marcou o início da Antropologia como disciplina acadêmica.
Antes de qualquer coisa, necessária se faz uma breve explanação acerca da Teoria de Charles Darwin, a chamada teoria "evolucionista" (que trazia, em sua Obra Prima -"A Origem das Espécies", o seu fundamento básico, a seleção natural).
A partir de estudos, inicialmente realizados nas Ilhas Galápagos e, posteriormente, já em sua casa, analisando tentilhões (pássaros da mesma raça, que viveram na mesma época, mas com algumas características diversas), resumidamente, sustentava-se a ideia de que todos os seres descendem de um mesmo ser (organismo unicelular) e lentamente ocorre uma transmutação, em uma modificação contínua e necessária (luta por sobrevivência), onde aqueles que estão mais bem adaptados/aptos sobrevivem. Portanto, Darwin não propõe algo como uma evolução de um ser inferior para um superior (evolução em "escada") e, sim, uma continuidade que parte do mesmo tronco (antepassado; ascendente...) e gera várias outras ramificações ("arbusto").
Não há que se falar em uma "forma de vida" melhor ou pior do que a outra; o que estaria caracterizado seria, no máximo, um aperfeiçoamento, com o fito de manter a própria existência, de acordo com as influências do meio ambiente específico, em que este determinado ser vive.
Enfim, tomando-se isto em linha de conta, fica claro que o pensamento evolucionista - social (aquele vinculado a uma ideia de progresso, fruto de interpretações etnocêntricas), difere-se largamente da teoria "evolucionista" (biológica) de Darwin (descendência com modificação, adaptabilidade necessária ao "habitat", conforme visto em S. J. Gould; Darwin E Os Grandes Enigmas da Vida).
Isto posto, prossigamos então.
No período em que a Antropologia assumia o seu lugar no âmbito acadêmico, a corrente evolucionista (progresso) tinha suas próprias diretrizes. Tais diretrizes seriam, principalmente, influência dos textos de H. Spencer, tais como, "Social Statics", no qual popularizou o termo "evolução, e"Progress: It’s Law and Cause", que serviu como instrumento para divulgação da escala da evolução"una", do mais simples para o mais complexo, seja um ser, seja um grupo ou, até mesmo, a sociedade.
Em consonância com essa tese basilar, um dos pressupostos tradicionais do pensamento evolucionista da época era que o desenvolvimento da humanidade, nos diferentes lugares do planeta, em grupos diferentes, teria acontecido ou aconteceria naturalmente, de uma maneira pré-determinada, com estágios obrigatórios (fases evolutivas), quase que concomitantemente, para aqueles que se encontravam no mesmo patamar da evolução (traduzido como monogenismo). Nesse sentido, Morgan:
" Como a humanidade foi uma só na origem, sua trajetória tem sido uma, seguindo por canais diferentes, mas uniformes, em todos os continentes, e muito semelhantes em todas as tribos e nações da humanidade que se encontram no mesmo status de desenvolvimento. "Evolucionismo Cultural; p. 46.
No mesmo diapasão estava o entendimento de Tylor:
" [...] tanto possível quanto desejável eliminar considerações de variedades hereditárias, ou raças humanas, e tratar a humanidade como homogênea em natureza, embora situada em diferentes graus de civilização ". Evolucionismo Cultural; p.14.
Em que pese à tentativa de uniformização da evolução humana, bem assim dos humanos, na prática a situação era outra. As tribos, grupos ou civilização diferentes eram tratadas, ainda, como inferiores em grau evolutivo, ou seja, selvagens.
Explicita-se, também, que, como o" outro "era visto como um espécime vivo de um" momento "evolutivo já ultrapassado, isto é, o passado acessível, como objeto de estudo, assim como demonstra este excerto:
" [...] o selvagem é um documento humano, um registro dos esforços do homem para se elevar acima do nível da besta. ". Evolucionismo Cultural; p.14.
E como documento de uma etapa histórica do homem, antes inacessível, deveria ser estudado através do método comparativo, solução para preencher as" lacunas do longo período primitivo de evolução cultural humana ", aproximando, deste modo, as civilizações" selvagens "contemporâneas das etapas primitivas da civilização mais evoluída e complexa.
Por derradeiro, é prudente indicar outro preceito imprescindível ao evolucionismo, a ideia de" sobrevivências ", que seriam, nada mais, nada menos do que processos, costumes, opiniões, crenças, etc., existentes em uma sociedade, que foram mantidos, perdurando pela prática reiterada destes, em estágios diferentes dos quais obtiveram sua origem.
" [...] seriam como que relíquias de crenças e costumes dos selvagens que sobreviveram como fósseis entre povos de cultura mais elevada. ". Evolucionismo Cultural; p.16.
Consubstanciando-se no texto anteriormente aludido, podemos citar com exemplos de" sobrevivências "as" crendices populares ", as superstições, as simpatias. Esses dispositivos" (sobrevivência ") serviriam como vestígios e/ou registros de etapas anteriores da evolução humana, por meio dos quais poderia ser estruturada uma reconstituição de eventos pretéritos, não só de civilizações que serviriam de paradigmas de seus estágios evolutivos anteriores, mas, também, de sua particular e específica sociedade.
Mais uma argumentação carregada da forte visão do evolucionismo cultural, tipicamente inerente das instituições envolvidas nesse contexto, quais sejam, o Estado, a sociedade ocidental e, por que não, esta Antropologia Acadêmica em seus primórdios.
Neste ponto, nada mais providencial que verificarmos, ainda que em síntese, algumas das ideias esclarecedoras de Strauss. No artigo" Raça e história ", escrito em 1952, para UNESCO, C. Lévi- Strauss afirma que" todo progresso cultural é função de uma coligação entre as culturas ". Veremos a seguir, portanto, a noção de progresso utilizada pelo autor, bem como sua crítica às teorias evolucionistas e às ideias que se apoiam na existência de uma história estacionária.
Em consonância com o artigo em tela, depreende-se que Claude Lévi-Strauss, quando se referia a uma coligação, e que dele deriva todo progresso cultural, visava defender que o progresso, as inovações tecnológicas, processos, costumes, o aperfeiçoamento, a criação e o desenvolvimento cultural, somente se davam através de um contato estabelecido entre povos, tribos, sociedades e civilizações contemporâneas, realizados por intermédio de guerras, observação, escambo, comércio...
Em decorrência destes fatos citados acima, ocorria e ocorre uma espécie de intercâmbio cultural, uma contribuição (na esfera cultural, em geral, ou estritamente em um dos campos da vida social, quais sejam, religião, profissional, bélico, produtivo amplo), tendo, preferencialmente, como requisito precípuo, a diversidade. Esta relação" em comum "seria inconsciente ou consciente, voluntariamente ou involuntariamente. Vale dizer, ainda, presente nas sociedades que se valem do contato (não vivem sozinhas, se avizinham, se comunicam) se é que é possível viver só (" o homem é um animal político "), sem sequer qualquer tipo de relação, mesmo que com tribos semelhantes (ou grupos, numa escala menor), ainda que para guerrear.
Deste modo, a princípio, estariam se beneficiando (condicionalmente) as partes envolvidas nesse sinalagma. Esse mutualismo daria forma ao progresso, em um" aperfeiçoamento "(v. G., um determinado método que facilite, de alguma maneira, o cultivo de alimentos) de origem externa, agregado (integrado) à sociedade ora receptiva.
Ocorre que, para tentarmos esgotar o estudo da visão de progresso de Strauss, trazemos à baila, conjuntamente, P. Clastres que, em uma análise simplificada, poderia interpretar, provavelmente, que a possibilidade supra (chamada de progresso; a incorporação do estilo de vida de" outros ") poderia desaguar, em uma situação extrema, em algo parecido com sua definição de etnocídio, conquanto tais contatos e a integração de comportamentos, também ocorrem por imposição de outra sociedade (relação de dominante e dominado).
Já em uma breve analogia com os compêndios de C. Geertz, poderíamos dizer, seguramente, que a recusa por esta relação de contribuição seria salutar, partindo-se da ideia de manutenção e defesa da própria cultura.
Quanto às teorias evolucionistas, Strauss defende que existem diversas culturas humanas, sendo que estas se desenvolveram em épocas diferentes, espaços diversos (territórios), sob a influência do lugar em que nasceram e viveram, também com distinções consideráveis, fatores que explicariam a diversidade, em contraposição à hierarquização de fases evolutivas e, por conseguinte, de raças, arguição equivocada (qualificadas como teorias racistas), relativa à aptidões inatas, intrínsecas e extrínsecas de cada" raça ". Seu entendimento estaria arraigado na proposta de que todos os povos descendem de um mesmo tronco, assim como Darwin, e se desenvolveriam em ramos diferentes
Essa diversidade (que segundo ele, é apenas aparente) seria um fenômeno comum na sociedade, no entanto é tida, desde os primeiros tempos, com espanto, assombro, sendo explicada, confortavelmente (e irresponsavelmente) pelo discurso de dominação etnocêntrico.
Para C. Lévi-Strauss, ocorreria uma progressão social por saltos, em que, em determinados períodos, aconteceria um maior nível de progresso, em outros períodos, esse nível seria menor. De qualquer maneira tal progressão não se desdobraria, necessariamente, para frente, ou seja, algo como, para darmos um passo para frente, às vezes temos que dar dois para trás (ou até para o lado, de acordo com sua analogia em face do jogo de xadrez).
"Estes saltos não consistem em ir sempre mais longe à mesma direção; são acompanhados por mudanças de orientação".
Daí a sua crítica, também, as ideias de uma história estacionária (a história de uma civilização estagnada, de certa forma" parada no tempo ") versus cumulativa (somas de conhecimento, habilidades, métodos aperfeiçoados que se adicionam e formam uma combinação favorável acumulada).
Essa avaliação/comparação entre sociedades seria mais uma perspectiva etnocêntrica do" outro ", em que, as sociedades que se desenvolvem de modo similar ao nosso, que nos inspiraria sentido, seriam dotadas de cumulatividade, em contrapartida, as que não se assemelhassem ao nosso desenvolvimento, sobretudo por essas mudanças não fazerem sentido sob o nosso prisma (seriam totalidades autônomas, sociedades em si mesmas) teriam histórias estacionárias.
Sobre isso, o autor em comento aduz, detalhadamente, que cada sociedade é dotada de uma originalidade acerca de seu desenvolvimento e a construção de sua, todos os homens possuem valores, linguagem, técnicas, etc., todavia, essas destoam umas das outras, na medida em que a" dosagem " não é, nem poderia ser exatamente a mesma, justamente por todos os fatores supramencionados. Conclui-se, por isso, que não há sociedade com história estacionária, inerte, todas as culturas são dotadas de uma história cumulativa, ora, essa apenas segue em marchas inconstantes e incongruentes, para todos, em seu próprio ritmo.

Ronaldo França Viana
Bacharel em Direito - Universidade Nove de Julho - UNINOVE Graduando em Ciências Sociais - Sociologia; Antropologia e Ciência Política - Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP Advogado especialista em Direito Constitucional; Direito Processual Penal e Direito Penal

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