O QUE HÁ DE CIÊNCIA NA CIÊNCIA POLÍTICA
Embora todos
falem sobre política todos os dias, alguns fazem disso uma profissão e uma área
de estudo. Qual a diferença entre eles e a maioria de nós
Todos fazem e quase
todos falam sobre política todos os dias, mas um grupo específico de
profissionais se dedica ao assunto na qualidade de cientistas. Além da paixão
pelo tema, eles também obedecem a critérios técnicos para analisar fenômenos
que a maioria de nós comenta sem apego a métodos reconhecidos pela academia.
Como os cientistas
políticos exercem influência sobre muitos leitores e telespectadores que tentam
entender o cenário atual por meio da imprensa - incluindo os textos do Nexo - nós perguntamos a dois especialistas no assunto como eles veem
a própria atividade no quadro atual.
- Jairo Nicolau, doutor em ciência política
pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e
professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
- Wagner Pralon Mancuso, doutor em ciência
política e professor da USP (Universidade de São Paulo)
Qual
a diferença entre um cientista político e um comentarista bem informado, ou
mesmo em relação a intelectuais de outras áreas, como a filosofia, a economia e
a antropologia, que também pensam política?
JAIRO NICOLAU A ciência política é uma
disciplina que se define pelo tema, mais do que por um método. Por isso,
provavelmente, ela é a mais pluralista, entre as disciplinas de ciências
sociais.
A política é mesmo um
território de pesquisa de colegas de áreas próximas como sociologia, economia,
filosofia, psicologia e história. E, a rigor, não diria que existe nenhum tema
da política que seja território da ciência política. O que a ciência política
tem de melhor é um acúmulo de pesquisas, e teorias que são permanentemente testadas.
A imprensa acredita que
a opinião de cientistas políticos tem uma aura de “cientificidade”, o que, na
maioria dos casos, não tem procedência. Se um jornalista me pergunta, por
exemplo, qual é o efeito do apoio do [vereador Andrea] Matarazzo à campanha da
[candidata à prefeita de São Paulo] Marta [Suplicy] e eu respondo, é que tem
algo errado. A resposta é quase sempre uma mera opinião. Mas os jornalistas
acham que vinda de um cientista político a opinião parece ser mais científica.
O ideal é que os cientistas políticos fossem convidados a falar de temas que
eles pesquisam e têm dados. Mas não acontece sempre.
WAGNER PRALON MANCUSO A ciência política tem
várias subáreas, tais como teoria política, política brasileira, política
comparada, políticas públicas, relações internacionais etc. O cientista
político usualmente é especialista em alguma dessas subáreas, tendo dedicado
anos de estudo a ela (iniciação científica, mestrado, doutorado,
pós-doutorado). Então, uma característica esperada do bom cientista político é
conhecer sua área a fundo.
Cada subárea da ciência
política tem suas teorias e seus métodos e técnicas de investigação, que o
cientista político deve conhecer e dominar. Daí viria outra característica
esperada do bom cientista político: capacidade de estudar seu objeto de forma
rigorosa, com base em teorias sólidas e abordagens empíricas bem desenhadas.
A produção da ciência
política é apresentada em anais de encontros, em livros e em revistas, tanto
nacionais quanto internacionais. Os melhores encontros, livros e revistas
possuem um processo seletivo rigoroso, feito por pares, geralmente de forma
anônima. O bom cientista político apresenta os resultados de suas pesquisas em
encontros, livros e revistas de qualidade. Espera-se que isso assegure, em
alguma medida, o alto nível dos trabalhos publicados. Portanto, uma terceira
característica esperada do bom cientista político é a capacidade de produzir
conhecimento que seja publicável em espaços respeitáveis, mediante concordância
dos pares, após avaliação rigorosa.
Em síntese, pode-se
dizer que o bom cientista político tem grande familiaridade com seu objeto de
pesquisa, investiga esse objeto de forma teoricamente informada e
metodologicamente rigorosa, e publica os resultados de sua investigação em
lugares sérios, mediante análise prévia dos pares. Isso garantiria a qualidade
dos aportes que faz aos debates sobre questões políticas.
A
palavra ‘ciência’ sugere relações de causa e efeito dentro de algum padrão de
previsibilidade. Existe isso na política brasileira?
JAIRO NICOLAU A ideia do que é
científico na disciplina divide tanto os cientistas políticos como as suas
preferências políticas. Quer ver um departamento de ciência política em
polvorosa? Proponha uma discussão sobre as disciplinas de metodologia!
Acredito que a boa
ciência política deve se inspirar nos procedimentos de outras disciplinas
empíricas: coleta criteriosa de dados, uso de estatística e de métodos
comparativos, disponibilidade de dados para reprodução e detalhada discussão
conceitual.
A ciência política
acumulou um bom conhecimento sobre o comportamento dos eleitores e o
funcionamento das instituições brasileiras. À maneira de outras
disciplinas de humanas, avançamos na construção de tipologias e na inferência
descritiva. Sou muito cético acerca da capacidade de identificarmos mecanismos
causais nos fenômenos políticos. Em situações especiais, é possível, mas a ciência
política não é uma disciplina que tenha se caracterizado por este fim.
Como de resto, nenhuma disciplina de ciências sociais.
WAGNER PRALON MANCUSO Certamente. Para dar um
exemplo, a ciência política prevê que as instituições - ou seja, as regras do
jogo - conformam o comportamento dos agentes políticos. Qualquer estudioso da
política brasileira sabe dizer como nosso sistema eleitoral afeta o
comportamento dos candidatos; ou como nosso federalismo afeta a relação entre
presidente, governadores e prefeitos; ou como o tipo de política pública em
debate afeta o jogo dos grupos de interesse em torno dela; ou como as regras de
financiamento eleitoral afetam o comportamento de doadores e recebedores; ou
como o desenho das instituições de participação social afeta os inputs que a
sociedade pode oferecer aos governantes etc.
Como
um cientista político lida com suas próprias preferências políticas quando faz
análises e estudos?
JAIRO NICOLAU Cientistas políticos
como qualquer outros cidadãos têm suas preferências políticas e elas sempre os
afetam. Desde a seleção dos temas a serem estudados até o que será feito com o
resultado das pesquisas. Não há como deixar de ser influenciado por nossas
preferências. Mas hoje a disciplina tem um arsenal de procedimentos para
validar uma pesquisa como ‘bem feita’. Não vou convencer um parecerista de uma
revista importante que meu artigo vale a pena ser publicado por conta da minha
preferência política. Tenho que mostrar que contribuo de alguma maneira para o
entendimento de um fenômeno. É fácil dar opinião no jornal, mas fazer pesquisa
é muito difícil.
WAGNER PRALON MANCUSO Neste caso, acho que a
grande lição vem de Max Weber. Weber escreveu sobre a ciência como vocação.
Segundo ele, para o cientista vocacionado, o momento da ‘paixão’ é o momento da
escolha do objeto de pesquisa, do problema a ser investigado.
Definido isso, a análise
realizada em seguida deve sempre ser rigorosa e objetiva, em busca da ‘verdade
efetiva da coisa’, para usarmos a expressão de [Nicolau] Maquiavel. Mas é claro
que o cientista político não é apenas uma fábrica de ‘papers’. Ele também é um
cidadão, um eleitor. Como cidadão e eleitor, pode e deve expressar seus pontos
de vista e suas preferências nas redes sociais, em entrevistas, em artigos opinativos
publicados na mídia, em debates públicos, etc. Às vezes essas manifestações não
têm o mesmo rigor de um trabalho publicado no Scielo [plataforma que
disponibiliza trabalhos acadêmicos]. Mas espera-se que a tarimba adquirida ao
longo de anos e anos de estudo ajude o cientista político a exprimir suas
posições, pelo menos, de forma embasada e coerente.
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