BRESSER:
A DESCONSTRUÇÃO DO BRASIL ESTÁ EM MARCHA
"A história das nações é uma história de construção política, mas
hoje minha sensação dolorosa é a de que estamos desconstruindo o Brasil",
diz o economista Luiz Carlos Bresser Pereira, que tem sido um dos principais
críticos do golpe de 2016; "A ortodoxia liberal, agora no poder, só viu
dois problemas: a inflação (já vencida) e a crise fiscal (que a recessão
agravara). Enfrentados eles, novamente a 'confiança' e os investimentos
voltariam. Previsivelmente, a crise econômica aprofundou-se, já que as oportunidades
de investimento deterioraram-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo
perdia apoio político. A desconstrução do Brasil está em marcha"
247 – Em artigo publicado nesta terça-feira, o economista Luiz Carlos
Bresser Pereira, uma das principais vozes contra o golpe parlamentar de 2016,
descreve como o Brasil decidiu se autodestruir, ao colocar Michel Temer na
presidência da República.
"Seguiu-se o impeachment. A
ortodoxia liberal, agora no poder, só viu dois problemas: a inflação (já
vencida) e a crise fiscal (que a recessão agravara). Enfrentados eles,
novamente a "confiança" e os investimentos voltariam", diz ele.
"Continuou assim a manter os juros
altíssimos e a cortar os investimentos públicos. Previsivelmente, a crise
econômica aprofundou-se, já que as oportunidades de investimento
deterioraram-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio
político. A desconstrução do Brasil está em marcha."
Confira abaixo seu artigo:
A desconstrução do Brasil
Luiz Carlos Bresser
Pereira
A história das nações é uma história de
construção política, mas hoje minha sensação dolorosa é a de que estamos
desconstruindo o Brasil.
Desde 1980 a economia brasileira cresce
pouco mais de 1% ao ano, per capita; nos dois últimos anos essa renda caiu
cerca de 8,4%; o desemprego alcança índices inimagináveis; os resultados
decepcionantes do PIB trimestral e da indústria sugerem que a recessão se
estenderá por mais um ano.
O baixo crescimento está associado ao
regime econômico liberal-conservador instaurado pelas "reformas":
abertura comercial e financeira de 1990-92, as desnacionalizações e
privatizações de 1995 e o "tripé macroeconômico" de 1999.
Nesse quadro, o crescimento teria que
ser necessariamente baixo, porque duas das pernas do tripé impedem o investimento
e o crescimento: juros altos ("meta de inflação") e câmbio apreciado
no longo prazo ("câmbio flutuante").
E teria que ser entremeado de crises
financeiras (1998, 2002, 2015), porque a moeda nacional apreciada e os
correspondentes deficit em conta-corrente são desejados pela ortodoxia liberal,
que os identifica com "poupança externa", a qual aumentaria os
investimentos.
Na verdade, os deficit desejados
apreciam o câmbio, aumentam o consumo e a dívida privada e levam o país à crise
financeira.
Em 2003 Lula chegou ao poder. Em seus
oito anos de governo manteve o regime liberal-conservador intacto; os rentistas
continuando a capturar 6% do PIB graças a uma taxa de juros altíssima.
Lula apenas usou o excedente produzido
pelo boom de commodities para aumentar o salário mínimo e as transferências aos
pobres. Dessa maneira, rentistas e financistas, que já eram os grandes
beneficiados do sistema, continuaram a sê-lo, mas agora a eles se juntavam os
pobres.
E a classe média tradicional? Foi
esquecida, tanto no período conservador (1990-2002) quanto no
social-democrático (2003-2014). Frustrada e indignada com a corrupção
generalizada, em 2013 a classe média fletiu para a direita liberal.
Antes disto, em 2011, Dilma Rousseff
tentara mudar esse regime ao baixar a taxa de juros, mas o câmbio estava
enormemente apreciado, e as empresas industriais, sem lucro, não investiram.
Não podiam investir. Como a baixa dos
juros não foi acompanhada de ajuste fiscal, a inflação aumentou, a crítica
generalizou-se, e o governo bateu em retirada.
Em 2013, já sem apoio na sociedade,
decidiu adotar injustificável desoneração de impostos, que destruiu o
equilíbrio fiscal que prevalecia desde 1999.
Reeleita, a presidente viu-se diante de
crise financeira -a principal causa da recessão. Não uma crise de balanço de
pagamentos, nem uma crise bancária, mas uma crise financeira das empresas,
quebradas pelos juros altos e o câmbio apreciado.
Para enfrentá-la, acreditou na tese
ortodoxa de que a falta de investimentos era problema de "confiança"
e nomeou um ministro liberal, que, em plena recessão, realizou um ajuste
fiscal. As empresas continuaram sem poder investir, a crise agravou-se.
Seguiu-se o impeachment. A ortodoxia
liberal, agora no poder, só viu dois problemas: a inflação (já vencida) e a
crise fiscal (que a recessão agravara). Enfrentados eles, novamente a
"confiança" e os investimentos voltariam.
Continuou assim a manter os juros
altíssimos e a cortar os investimentos públicos. Previsivelmente, a crise
econômica aprofundou-se, já que as oportunidades de investimento
deterioraram-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio
político. A desconstrução do Brasil está em marcha.
Entrevista com Bresser
Entrevista com Bresser

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