QUANTO CUSTA AO BRASIL A
TENTATIVA DE SALVAR MICHEL TEMER
A poucas horas de enfrentar a sessão na
Câmara dos Deputados que pode definir o futuro do seu governo, o presidente
Michel Temer tem usado sem cerimônia a máquina federal para conquistar votos de
deputados
A
poucas horas de enfrentar a sessão na Câmara dos Deputados que pode definir o
futuro do seu governo, marcada para esta quarta-feira (2), o presidente Michel
Temer tem usado sem cerimônia a máquina federal para conquistar votos de
deputados.
Sua “campanha”
inclui a promessa de bilhões de reais para emendas parlamentares e projetos em
municípios e Estados, criação de cargos comissionados e atendimento de demandas
específicas de bancadas.
As medidas
contrastam com o discurso de “sacrifício” que Temer evocou ao assumir o governo
em 2016. Para se salvar de uma eventual admissão pela Câmara da denúncia
criminal por suspeita de corrupção, o presidente pode gastar mais de R$ 17
bilhões apenas em emendas parlamentares e verbas destinadas para governos e
prefeituras.
Ao ceder em
projetos dispendiosos de deputados e criar mais cargos, Temer parece também
estar jogando uma pá de cal na política de ajuste fiscal prometida no início do
governo.
Emendas
Entre as
medidas para convencer os deputados a ficarem ao lado do governo, a mais
explícita tem sido o direcionamento de verbas para emendas – recursos pedidos
pelos deputados que normalmente são gastos em suas bases eleitorais.
Entre o início
de junho e o final de julho, período em que o escândalo da JBS veio à tona, o
governo destinou R$ 4,1 bilhões para esse fim. No acumulado do ano até maio –
antes do caso JBS –, o governo havia empenhado apenas 102,5 milhões de reais.
Pelas regras,
parlamentares governistas ou da oposição são contemplados com a mesma cota, só
que o governo é que estabelece o ritmo da distribuição.
De acordo com a
ONG Contas Abertas, parlamentares que declaram abertamente apoio ao governo
Temer receberam em média a promessa de R$ 1 milhão a mais do que os deputados
que vão votar pela aprovação da denúncia.
A estratégia
das emendas foi usada pela antecessora de Temer, Dilma Rousseff. Nas semanas
anteriores à votação de seu impeachment pela Câmara, a presidente anunciou a
distribuição de R$ 3,2 bilhões.
No caso de
Temer, o laboratório para a tática foi a votação da denúncia pela CCJ (Comissão
de Constituição e Justiça) da Câmara, que fez a análise preliminar da denúncia
na primeira quinzena de julho.
Trinta e seis
dos quarenta deputados que votaram a favor do presidente foram contemplados com
R$ 134 milhões, segundo a Contas Abertas. O campeão foi justamente o deputado
Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), que apresentou o novo relatório favorável ao
presidente. No total, ele deve receber R$ 5,1 milhões.
Deputados da
oposição vêm criticando a distribuição de recursos. Segundo Chico Alencar
(PSOL-RJ), a destinação de tantas verbas para emendas “caracterizam evidente
compra de votos, com consequências de obstrução à Justiça”.
Mais verbas e cargos
A distribuição
de recursos não passa só pelo Legislativo. Após atravessar 2016 falando duro
com Estados da federação que estão atolados em dívidas, o governo parece ter
mudado de ideia após o escândalo da JBS.
No dia 12 de
julho, o Planalto anunciou a liberação de R$ 11,7 bilhões para apoiar o
financiamento de obras e concessões de infraestrutura em estados e municípios.
No dia seguinte, foi a vez de o Ministério da Saúde anunciar um investimento de
R$ 1,7 bilhão para a rede de atenção básica no país, incluindo a compra de
ambulâncias para 1787 municípios. As duas medidas foram anunciadas horas antes
da votação da denúncia pela CCJ.
Além de
direcionar recursos, o governo também abandonou sua propagandeada política
inicial de reduzir o número de cargos comissionados. Segundo a Contas Abertas,
entre maio e junho, o governo criou mais de 500 funções do tipo na
administração federal, elevando o total para 20.321.
A liberação das
verbas e criação de cargos também ocorre em um momento em que o governo prevê
um rombo de R$ 139 bilhões nas contas públicas.
Segundo o
Ministério do Planejamento, tanto o envio de recursos para estados e municípios
é um “procedimento absolutamente normal”. Já o empenho das emendas, segundo a
pasta, é “um procedimento obrigatório previsto na Constituição e na legislação
orçamentária”.
Ajuste fiscal em risco
A União tem a
receber cerca R$ 300 bilhões em dívidas. Para tentar convencer os devedores –
empresas e pessoas físicas – a quitarem os débitos, o Planalto pretende passar
um projeto de lei para criar mais um programa de refinanciamento, ou Refis.
Na versão
originalmente promovida pelo Planalto, o Refis de 2017 pretendia arrecadar pelo
menos R$ 13,3 bilhões ainda neste ano. Só que, precisando de apoio, o governo
pouco fez para impedir em 17 de julho a aprovação por uma comissão mista de um
novo relatório que prevê descontos no Refis que podem chegar a 99%.
A iniciativa
partiu de um deputado do próprio partido do presidente: Newton Cardoso
(PMDB-MG). O texto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara. Caso a
medida passe, nem R$ 500 milhões devem chegar aos cofres do governo.
Nesta
segunda-feira (31), o jornal “Folha de S.Paulo” informou que os ministérios da
Fazenda e do Planejamento já cogitam ter que rever a meta fiscal e aumentar a
previsão de déficit em 2017. Não se sabe se Temer pretende usar o veto para
confrontar os deputados, que têm em suas mãos o futuro da Presidência.
Pelo menos 76
deles parecem diretamente interessados na aprovação de um Refis mais generoso.
Empresas ligadas a eles devem R$ 217,8 milhões, segundo o jornal “O Estado de
S.Paulo”.
Outros 29
deputados têm R$ 18,9 milhões de débitos inscritos em seus próprios CPFs. Até
mesmo o relator Cardoso é um devedor. Empresas ligadas a ele devem R$ 51
milhões.
Reivindicações das bancadas
Sentindo o
enfraquecimento do governo, bancadas da Câmara têm pressionado o Planalto para
que suas demandas sejam atendidas. Em julho, a bancada ruralista conseguiu do
governo a sanção da “medida provisória da grilagem” – como foi chamada por
ambientalistas –, que prevê a legalização em massa de terras públicas
invadidas. Dias depois, o presidente aprovou um parecer da AGU (Advocacia-Geral
da União) que prevê que um entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre
a criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol passe a valer para todas as
demarcações.
Pelo
entendimento do STF, só são terras indígenas as ocupadas por índios na data da
promulgação da Constituição de 1988. A decisão do STF não tinha efeito
vinculante, mas a bancada convenceu o presidente do contrário. O Ministério
Público Federal classificou a medida como um retrocesso para a causa indígena
no Brasil.
O deputado
Nilson Leitão (PSDB-MT), coordenador da Frente Parlamentar Mista da
Agricultura, já disse que vai votar a favor do presidente. “É inegável que com
Temer muitas pautas históricas defendidas pela bancada foram atendidas”, disse
Leitão ao “Estado de S.Paulo”.
Já a Frente
Parlamentar Evangélica conseguiu do governo em junho que o Ministério da
Educação ordenasse o recolhimento de 93 mil exemplares de um livro de contos. A
temática de incesto de um dos contos – que narrava a história de um rei que
deseja se casar com uma de suas filhas – revoltou os evangélicos que compõem a
Comissão de Educação da Câmara.
A
resposta do ministério mostrou que o governo vem cedendo para o grupo. Segundo
um levantamento de “O Estado de S.Paulo”, 80% dos 213 parlamentares que não
divulgaram até agora como vão votar na sessão que vai analisar a denúncia
contra Temer fazem parte de uma das bancadas “BBB” (boi, bala e bíblia).
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