O QUE APRENDI NO FACEBOOK, QUE
ABANDONEI.

Outdoor na sede do Facebook, Menlo Park, California. Foto de novembro de 2016. JOSH EDELSON AFP
Os descomedidos são minoria nas
redes sociais, apesar do barulho. A grande maioria é de mergulhadores em busca
da verdade e da felicidade.
Alguém
me disse que às vezes, na vida, é necessário perder uma coisa para apreciá-la.
Foi o que aconteceu com a minha experiência no Facebook, que decidi
interromper, porque, contradizendo o que havia proposto aos meus muitos amigos,
que fosse um espaço de reflexão e discussão sobre o que vivemos, com total
respeito às diferenças que sempre nos enriquecem, alguns, em vez de contribuir
para o diálogo, declararam guerra com descomedimentos e insultos. Não percebi
quão fortes podem ser os laços de amizade que se criam na rede, à distância,
até anunciar que estava saindo. De repente, fui inundado por um rio de
declarações positivas sobre o que, segundo eles, eu lhes havia proporcionado.
Mensagens que pareciam de pessoas que eu conheci e amei sempre e que me
repetiam como um mantra: “Juan, não vá embora”.
Essas mensagens me confirmam que os descomedidos são minoria nas redes sociais,
apesar do barulho que fazem. A grande maioria é de mergulhadores em busca da
verdade e da felicidade. Do encontro amistoso, dos pequenos detalhes de beleza
que alegram e enriquecem a vida. Minha colega do EL PAÍS, Flávia Marreiro
resumiu assim minha saída do Facebook: “Sim, uma pena. Perde delicadeza e amor
aos detalhes que me davam um beliscão para acordar muitas vezes”. E outra
colega do jornal, María Martin, me pede para ao menos continuar enviando-lhe
fotos das minhas orquídeas por WhatsApp.
Não poderei responder a todas as mensagens de
solidariedade, mas como a grande maioria é de meus leitores no jornal, isso me
permitiu oferecer-lhes essa reflexão com um grande abraço para todos e cada um.
Quero, no entanto, destacar a mensagem de um dos jornalistas que mais admiro e
respeito neste país, Ricardo Kotscho, que nunca encontrei, mas sei que é um
desses colegas que não se vendem ou se deixam comprar. Ele me escreve resumindo
o que neste momento me preocupa: “Pedir reflexão e debate, em lugar de ofensas
e agressões, é o sonho de todos nós que vivemos de escrever. Mas isto está cada
vez mais difícil. Vou continuar lendo teus artigos que tão bem retratam o
Brasil. Não vá embora. Fique com meu abraço”. As palavras de Kotscho me
lembraram o que outro grande mestre do jornalismo brasileiro, Clóvis Rossi, me
escreveu quando me deram o Prêmio Comunique-se de correspondente
estrangeiro. Ele me disse com humor que o prêmio era injusto porque não sou um
jornalista estrangeiro, mas “mais brasileiro do que ninguém”. Esses abraços de
colegas que admiro e amo e que considero como mestres do nosso difícil ofício
de contar às pessoas o que o poder se esforça para esconder, compensam quando
me escrevem para que eu vá “para a minha Espanha de merda porque não entendo o
Brasil”.
Não sei se entendo isso como gostaria, pois
de vir para cá, há 20 anos, sociólogos espanhóis e italianos me diziam que o
Brasil é um laboratório de coexistência entre as diferenças que deveria ser
mais bem estudado. Talvez a intolerância que a luta política semeou tenha
ofuscado essa realidade. Se eu talvez não conheça todas as riquezas que este
país encerra, sei que eu o amo. Gal Fernandes, que também não conheço, me diz
que guardou meu artigo “ Tudo é enorme no Brasil, menos o biquíni” porque
“adorou”. Gostaria de terminar esta coluna com as últimas linhas daquela peça
que ofereço a todos os meus amigos do Facebook, que continuarei a seguir,
embora sem participar: “Pequeno, no Brasil, eu só encontrei os biquínis e a
falta de generosidade dos poucos que acumulam a maior parte da riqueza do país.
O Brasil, com todas as suas corrupções e contradições, é essa enormidade que se
deixa amar e que acabou me conquistando”.
Juan Arias
29.01.2018
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/29/opinion/1517257427_634034.html
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