Para além do crescimento econômico…
Entre
2010 e 2014, nenhum país latino-americano foi socialmente eficiente em
transformar complexidade econômica em desenvolvimento humano. O resultado mais
preocupante é que o Brasil conquistou a 23° posição, atrás de países como Cuba,
Chile, Bolívia, Venezuela e Paraguai
A
crise que afeta a economia brasileira desde meados de 2014 impõe urgente
reflexão sobre os caminhos para o desenvolvimento do país. A história recente
mostra que o ápice da melhora dos indicadores econômicos em 2010, com taxa de
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 7,5% e taxa de desemprego em
7,4%, não foi suficiente para sustentar uma conjuntura favorável para a
continuidade da expansão econômica do Brasil. Os indicadores macroeconômicos do
último ano, como o crescimento pífio de 0,7% do PIB e a estrondosa taxa de
desemprego de 13,1% em 2017, demonstram que não existem evidências sólidas de
aquecimento da economia, que as medidas ortodoxas não têm gerado resultado
positivo o que faz com que, necessariamente, este tema deva estar no centro do
debate político durante a eleição presidencial de 2018.
Embora
o Governo Federal e o Congresso Nacional demonstrem preocupação com a melhora
dos indicadores macroeconômicos, as medidas adotadas podem gerar retrocesso na
área social e para o processo de inovação do Brasil. O receituário ortodoxo,
cuja eficácia é duvidosa, estimula aplicação de tetos e cortes orçamentários
bilionários, que no Brasil estão previstos para os próximos 20 anos, e a
privatização de áreas estratégicas para o país. Este tipo de política leva à
bancarrota importantes conquistas sociais, direitos trabalhistas, acesso ao
microcrédito, educação, saneamento básico, moradia e ciência e tecnologia.
De
que forma um modelo que retira do Estado o papel de indutor do desenvolvimento
da nação alcançará melhores indicadores sociais? O modelo proposto tem
penalizado trabalhadores urbanos, mas principalmente, trabalhadores rurais,
milhões de desempregados ou aqueles que retornaram para a informalidade, assim
como a mão de obra jovem, em especial, os pobres e negros das favelas ou das
cidades interioranas. Há de se mencionar ainda a perda do poder de compra
daqueles que recebem baixos salários, os aposentados e as famílias que dependem
de algum auxílio social, pois são os primeiros atingidos quando a crise se
instala. O resultado deste cenário tem sido o aumento da violência, que migrou
dos grandes centros urbanos para, também, contaminar as pequenas e médias
cidades, instalando uma crescente sensação de insegurança social, econômica e política.
Deste
engodo econômico com medidas simplórias e dúbias em resposta às profundas
questões da sociedade, nasce a necessidade de discutir abertamente uma
estratégia que priorize, de uma vez por todas, a verdadeira inclusão social,
tendo como base a diversificação dos setores econômicos, de forma que a
indústria brasileira retome sua participação relativa no crescimento do país.
Embora
o agribusiness no
Brasil seja importante para a economia, sabe-se que o modelo agrário-exportador
possui limitações [1], sendo suscetível a crises e a volatilidade internacional
dos preços das commodities, à incerteza em relação às safras
e a promoção de postos de trabalho que exigem pouca escolaridade, o que conduz
para a baixa remuneração [2]. De forma alguma se pretende menosprezar o setor
agrícola brasileiro, cuja importância está assentada na história do país. O que
se coloca em discussão é a possibilidade de diversificação da matriz produtiva
e um esforço na direção de aumento de valor agregado nos itens da pauta de exportação,
na mão contrária de recentes decisões macroeconômicas que têm penalizado o
desenvolvimento industrial e a inovação tecnológica.
Uma
agenda governamental que priorize a diversificação produtiva terá como
resultado o aumento da complexidade econômica do Brasil. Isto resulta na
elevação da participação relativa de setores tecnologicamente intensivos e na
criação de novos setores como [3], por exemplo, na área de biotecnologia,
criando um impacto positivo para o crescimento do PIB e, mais importante, no
desenvolvimento social brasileiro.
Este
fenômeno promissor pode ser esperado porque, por um lado, os novos
investimentos geram novos negócios, com a criação de produtos inovadores, com
maior valor agregado e competitividade internacional. Por outro lado, a nova
conjuntura a partir desta matriz diversificada, requer trabalhadores
tecnicamente qualificados e profissionais com alto conhecimento em processos
tecnológicos. Para acompanhar o processo, a classe trabalhadora precisa de
acesso à educação de qualidade, o que se reverte em salários mais elevados.
Além disso, a reformulação da estrutura produtiva requer ainda o
desenvolvimento de centros médios urbanos, com melhores condições de saneamento
básico, infraestrutura para a mobilidade urbana e para o escoamento da
produção, acesso da população aos centros hospitalares, equipamentos médicos
tecnológicos e centros educacionais de qualidade [4].
Estudos
internacionais têm apontado que em diversas sociedades a complexidade da
economia possui maior impacto no desenvolvimento humano do que o crescimento do
PIB [4]. Outros estudos demonstram que os países asiáticos como, por exemplo a
Coréia do Sul, Japão e Singapura, embora não tenham vivenciado taxas de
crescimento chinesas, conseguiram transformar sua matriz em centros produtivos
de tecnologia com competitividade internacional, absorvendo o conhecimento de
empresas estrangeiras e combinando o conhecimento adquirido com as atividades
produtivas das empresas nacionais. Junto com a reestruturação econômica e produtiva
destes países asiáticos, houve a transformação social que melhorou o capital
humano, a renda e a qualidade de vida dos cidadãos.
Quando
se compara empiricamente a América Latina com países asiáticos, entre 2010 e
2014, verifica-se que nenhum país latino-americano foi socialmente eficiente em
transformar complexidade econômica em desenvolvimento humano [5]. O resultado
mais preocupante é que, dentre 26 países analisados, o Brasil conquistou a 23°
posição, atrás de outros países latino americanos como Cuba, Chile, Bolívia,
Venezuela e Paraguai. Este resultado se explica devido ao fato de o Brasil,
apesar de possuir condições para diversificar a matriz produtiva e transformar
a sociedade, não tem utilizado seus recursos de forma eficiente.
Indubitavelmente,
a transformação produtiva e a criação de novos setores requerem tempo,
disponibilidade de conhecimento e vontade política. No caso do Brasil, para que
setores altamente tecnológicos sejam criados, como para a produção de máquinas
e equipamentos hospitalares, vários anos de pesquisa e investimentos públicos e
privados são necessários. A partir desta constatação, é possível identificar a
necessidade de algumas ações. Primeiramente, há concordância de que a educação
tem papel central para o desenvolvimento do país e para a diversificação
produtiva. Entretanto, é importante destacar que a universidade pública, em
conjunto com as políticas de inserção das minorias sociais no ensino superior,
é um dos principais mecanismos para o alcance da elevação da complexidade
econômica e estabelecimento de um modelo inclusivo. Em segundo lugar, não
haverá transformação sem investimento adequado em centros de pesquisa, ciência
e inovação, o que não condiz com a atual estratégia do Governo Federal em
diminuir o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e
Comunicações (MCTIC). Neste ponto, é preciso compreender a importância de
desenvolver capital humano nas universidades brasileiras e promover parcerias
com centros internacionais de pesquisa. Por meio deste tipo de parceria, será
possível importar conhecimento tecnológico para o país. A terceira ação decorre
da necessidade de, no curto e médio prazo, aproveitar o conhecimento e o know-how disponível
no Brasil como, por exemplo, por meio de políticas que promovam a inovação
tecnológica na agricultura, gerando condições adequadas para a criação de novos
produtos com maior valor agregado e setores ligados à Biotecnologia.
Percebe-se
que a ideia de promoção de complexidade econômica é essencial para o
direcionamento de diversas políticas públicas em diferentes áreas. Contudo,
ainda é tímido este tipo de discussão entre os pré-candidatos à Presidência da
República em 2018. É preciso debater e declarar nos Planos de Governo a
estratégia de desenvolvimento, explicitando a utilização dos instrumentos
macroeconômicos para a consecução de políticas que diversifiquem a estrutura
produtiva, tornando a indústria brasileira mais competitiva e que priorize a
participação daqueles que historicamente permaneceram à margem da sociedade.
Os
holofotes durante debates políticos no Brasil têm sido colocados em temas sobre
corrupção, diminuição da participação do Estado na economia, retomada do
crescimento do PIB e continuidade das políticas sociais estabelecidas nas
últimas décadas. Neste sentido, é preciso esclarecer que não há retomada do
crescimento sem a presença do Estado coordenando os diversos setores da
economia. Por outro lado, as importantes políticas sociais, que podem ter
continuidade nos próximos governos, não são suficientes para o alcance do
patamar de país desenvolvido. Em outros termos, a forma do atual debate
político no Brasil é necessária, mas não suficiente para superar problemas
historicamente enraizados na sociedade brasileira.
O
povo brasileiro clama por mudanças profundas na área econômica, política e
social. Entretanto, não pode se deixar enganar por planos de governo
momentâneos que não resolvem o cerne do problema. É a estrutura produtiva que
precisa ser sofisticada, em conjunto com o desenvolvimento de uma estratégia
socialmente inclusiva, de maneira a estabelecer novas e promissoras diretrizes
para o futuro da nação.
Diogo Ferraz, é Economista, pesquisador
visitante na Universität Hohenheim (Alemanha) e doutorando em Engenharia de
Produção na Universidade de São Paulo (EESC/USP).
Daisy Aparecida do Nascimento Rebelatto, é Engenheira
Civil, Doutora em Engenharia Mecânica e Professora Associada do Departamento de
Engenharia de Produção da Universidade de São Paulo (EESC/USP).]
Referências:
[1]
Prebisch, R. (1949). The Economic Development of Latin
America and Its Principal Problems. United Nations.
[2]
Gala, P. (2017). Complexidade Econômica:
Uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações. Rio
de Janeiro: Contraponto.
[3]
Hausmann, R.; et al. (2014). The atlas of economic complexity:
Mapping paths to prosperity: Mit Press.
[4]
Hartmann, D. (2014). Economic complexity and human
development: how economic diversification and social networks
affect human agency and welfare (Vol. 110): Routledge.
[5]
Ferraz, D.; et al. (2018) Economic Complexity and Human Development: DEA
performance measurement in Asia and Latin America. Gest. Prod., São Carlos,
Ahead of Print, http://dx.doi.org/10.1590/0104-530X3925-18
por Diogo Ferraz e Daisy
Aparecida do Nascimento Rebelatto
Maio 17, 2018
Fonte: https://diplomatique.org.br/para-alem-do-crescimento-economico/
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