PREVIDÊNCIA
O MITO DA CAPITALIZAÇÃO
VIRTUOSA
Breves notas em torno de algo que os economistas
conservadores não compreendem: o envelhecimento da população é positivo… Não se
trata de combatê-lo, mas de equacionar a distribuição em favor dos idosos
1) Primeira observação: a população
envelhecer é algo, obviamente, positivo, por isso, diferente dos economistas
convencionais, nos referimos, logo no subtítulo, ao envelhecimento da população
como um desafio e não um problema. Um desafio desejável.
2) Os indivíduos,
após a aposentadoria, têm duas formas de obter o seu sustento:
a) A
primeira forma seria o indivíduo, durante a vida laboral, armazenar grãos,
carne, água, remédios e afins no porão de casa para consumi-los na velhice.
b) A
segunda, se daria via transferência intergeracional: o idoso recebe a
transferência de bens e serviços produzidos pelos trabalhadores ativos.
3)
Obviamente, a primeira forma de sobrevivência na velhice não parece muito
viável; portanto, a segunda opção prevalece. Há, seja qual for o regime
previdenciário, uma transferência dos bens e serviços produzidos pelos
trabalhadores para os idosos que não podem mais trabalhar.
4)
Assumida que a segunda forma é a única viável, a transferência entre gerações
pode se dar de várias formas:
a) os
indivíduos podem adquirir direitos monetários durante a vida a partir de
aplicações financeiras, sejam elas administradas pelo Estado ou pelo setor
privado. O indivíduo também pode acumular imóveis e coisas do tipo, mas a
lógica continua a mesma. Este modelo é, basicamente, o regime de capitalização,
que pode ser público ou privado. Com os direitos monetários acumulados durante
a vida, na velhice, o indivíduo será capaz de adquirir os bens e serviços
produzidos pelos trabalhadores na ativa. Ou seja, desculpem a obviedade, mas
mesmo em um regime de capitalização a transferência intergeracional é a regra.
b) A
segunda forma é via transferência estatal. O Estado paga os benefícios
previdenciários para os idosos e, com esses benefícios, os idosos adquirem os
bens e serviços necessários para a sua subsistência. Tais pagamentos são
realizados da mesma forma que todos os outros gastos da economia: com a criação
de dinheiro novo. As contribuições sociais, apesar da abstração contábil e
legal, não financiam os gastos com previdência ou seguridade social, servindo
apenas para reduzir a renda disponível dos trabalhadores ativos (e dos inativos
que, porventura, paguem contribuição). Ou seja, tributos (dentre outras
funções) são uma forma de controlar o nível de renda privada da economia — e,
no caso de uma boa política fiscal, servem para adequar a renda do setor
privado à capacidade produtiva da economia, de forma a garantir o pleno emprego
com estabilidade de preços. Este é o atual regime de repartição que funciona no
Brasil.
5) Mesmo
em um modelo de capitalização puro e com a total eliminação do regime de
repartição, continuará havendo, necessariamente, a transferência, ou melhor, a
repartição dos bens e serviços produzidos pelos trabalhadores ativos para os
idosos.
6) Visto
que a transferência intergeracional está presente em todo e qualquer modelo
previdenciário, o verdadeiro debate sobre o desafio que é o envelhecimento da
população gira em torno de um núcleo fundamental: no futuro, como teremos menos
gente para trabalhar e mais gente para repartir a riqueza produzida pelo
trabalho, teremos que construir uma economia mais eficiente, ou seja, produzir
cada vez mais bens e serviços com cada vez menos trabalhadores. Portanto, a
palavra chave no debate sobre previdência é: sofisticação produtiva.
7)
Esquematicamente, as formas de lidar com os desafios distributivos gerados pelo
envelhecimento da população são:
a)
aumentando a produtividade da economia, o que equivale à busca por uma economia
mais sofisticada.
b) buscando
o máximo de emprego possível, para que não seja desperdiçado o potencial
produtivo da força de trabalho disponível.
c)
reduzindo a transferência de renda intergeracional para os idosos, ou seja,
buscando o empobrecimento relativo dos aposentados.
8) Do ponto
acima, fica claro que há diferentes possibilidades de ajustes. A introdução do
regime de capitalização é uma tentativa de resolver o desafio colocado via
empobrecimento relativo da população idosa no futuro. Sendo assim, quem defende
o regime de capitalização como uma solução para o desafio imposto, parte da
premissa que com a introdução de um modelo do tipo os idosos do futuro, em
média, serão mais pobres. Trata-se, portanto, de uma “não-solução”. Reformas no
regime de repartição também podem afetar o ponto “c” ao recalcular regras de
cálculo para o recebimento do benefício. Alterações em regras de idade para
aposentadoria também buscam aumentar a população economicamente ativa, efeito
que é similar, por exemplo, à busca pelo pleno emprego ou por uma maior
inserção da mulher no mercado de trabalho.
9) Também
há todo um debate macroeconômico que envolve a opção por um ou outro regime.
Trata-se de um tema muito longo para tratarmos aqui, mas, basicamente, quem
defende o regime de repartição costuma partir do princípio da demanda efetiva,
onde os investimentos determinam a renda da economia, sendo a poupança mera
função desta última. Já os defensores mais sofisticados do regime de
capitalização defendem a hipótese de que a poupança determina o nível de investimento,
sendo o sistema de capitalização um forte indutor da taxa de poupança (este
raciocínio guarda relações com a hipótese da neutralidade da moeda). Em outro
texto, desenvolveremos este debate.
10)
Conclusão: o envelhecimento da população é um desafio que envolve a busca por
uma economia mais sofisticada e isso independe de regime previdenciário
adotado, já que em todo e qualquer modelo a transferência de renda
intergeracional está dada. Sendo assim, é nonsense a
proposição de algum modelo de previdência que vise combater o envelhecimento da
população ou a transferência/repartição intergeracional (a não ser que o
economista proponha que os idosos armazenem enlatados e outros mantimentos em
um freezer ou no porão de casa). Por fim, a escolha de um ou outro regime
envolve um amplo debate macroeconômico que está para muito além do debate
demográfico vulgar que está colocado.
*Hoje, no
Brasil, apesar da suposta preocupação generalizada com a questão demográfica,
mais de 25% da força de trabalho está subutilizada.
**A
previdência social, além de ser uma forma de redistribuição de riqueza entre
gerações, no modelo de repartição, é, também, um mecanismo de redistribuição de
renda entre ricos e pobres via gasto estatal (claro, isso pode se dar de forma
mais ou menos progressiva: ao passo que o pagamento de altas aposentadorias é
algo altamente regressivo, o gasto com aposentadoria rural é bastante
progressivo).
Publicado 02/04/2019 às 17:37 -
Atualizado 02/04/2019 às 17:50
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