Contra a Crise a Partilha
A Opinião é do Sociólogo polonês Zygmunt Bauman em artigo publicado no jornal Avvenire, 06-05-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
É
concebível um mundo gerido e organizado de outra forma em relação àquele em que
vivemos – um mundo de crescimento obstinado do individualismo, do consumismo,
do desperdício e da desigualdade social?
Esse é o problema que Jeremy Rifkin aborda sem meios termos na sua obra mais recente, de título provocativo: The Zero Marginal Cost Society [A sociedade de custo marginal zero], com o subtítulo The Internet of Things, The Collaborative Commons, and the Eclipse of Capitalism [A internet das coisas, os bens colaborativos e o eclipse do capitalismo].
Rifkin defende que uma alternativa aos modelos capitalistas
de mercado, amplamente considerado uma das características sempiternas da
natureza humana, não só é concebível, mas já nasceu e está ganhando espaço,
chegando provavelmente a se tornar dominante não dentro de alguns séculos, mas
sim de poucas décadas.
Os
"bens comuns colaborativos", insiste Rifkin, não são uma utopia, mas sim uma realidade ao
dobrar a esquina; uma realidade que está distante do atual não o espaço de uma
revolução, de uma guerra mundial ou de outra catástrofe, mas apenas o lapso de
tempo que está se reduzindo visivelmente, necessário para que amadureçam formas
de partilha e modos de comunicação que já estão implantados, germinam e
florescem, fornecem energia e resolvem problemas logísticos.
Assim
que tiverem chegado à plena maturidade, os bens comuns colaborativos
"quebrarão o monopólio das gigantescas empresas de integração vertical,
que operam nos mercados capitalistas, tornando possível a produção paritária em
redes continentais e globais de expansão horizontal de custo marginal próximo
de zero".
O
evento histórico de tal economia está chegando ao fim. Está por começar a era
da cooperação e da partilha. Rifkintem razão quando nos exorta a rasgar o véu tecido
pela sociedade consumista mercantil, descobrindo as reais alternativas cada vez
mais tangíveis: a possibilidade de uma sociedade baseada na colaboração em vez
da competição.
No
entanto, uma coisa é o lembrete – é justo resistir à tentação de ignorar ou
recusar os sinais promissores, que, no entanto, se assomam, de cenários sociais
(hoje, a maioria não pode começar senão a partir de uma pequena minoria, e
mesmo o carvalho mais frondoso tem origem em uma bolota) –, outra coisa é a
improvável sugestão de que a questão já esteja resolvida e que o resultado da
transformação em curso esteja preestabelecido... Tudo isso soa como uma nova
versão de "determinismo tecnológico".
Um
machado pode ser usado com a mesma facilidade para cortar madeira ou a cabeça
de alguém: e enquanto a tecnologia determina a série de opções em aberto para
os seres humanos, ela não determina quais dessas opções, no fim, será escolhida
e qual será descartada. O caminho do desenvolvimento tecnológico não é de mão
única. (…)
Igualmente
discutível é a decisão de atribuir à tecnologia da informação o status de
"infraestrutura" capaz de determinar o caráter de "bem comum
colaborativo" da sociedade futura. O acesso universal, fácil e cômodo aos
eventos de todo o mundo em tempo real, combinado com a possibilidade igualmente
aberta, fácil e sem perturbações de se expor a um público universal já foi
saudada por inúmeros observadores como um autêntico ponto de viragem na breve,
densa e tempestuosa história da democracia moderna.
Contrariamente às expectativas, praticamente generalizadas em nível mundial, de que a internet pode representar um grande passo à frente na história da democracia, envolvendo cada um de nós na construção do mundo que compartilhamos e substituindo a hereditária "pirâmide do poder" por uma política "lateral", acumulam-se provas de que a internet também pode servir para perpetuar e reforçar conflitos e antagonismos, impedindo, de fato, que uma eficaz negociação a mais vozes leve a um possível armistício e acordo, com integração e colaboração em benefício mútuo.
Paradoxalmente,
o perigo brota da inclinação de inúmeros internautas a fazer do mundo virtual
uma zona isenta de conflito, mas não negociando as questões conflitantes e
resolvendo-as com recíproca satisfação, mas removendo da própria esfera visual
e mental os conflitos que afligem o mundo não virtual...
Inúmeras
pesquisas têm demonstrado que os usuários assíduos da internet podem passar, e
de fato passam, grande parte (talvez a maior parte) do seu tempo, ou mesmo a
vida inteira, na rede, encontrando-se exclusivamente com pessoas que pensam
como eles.
A rede
cria uma versão refinada de "zona de acesso limitado": ao contrário
do seu equivalente no mundo não virtual, aqui não é cobrado dos ocupantes um
aluguel exorbitante, e não adiantam guardas armados nem sofisticados sistemas
de controle de circuito fechado; basta uma simples tecla "delete". (…)
O
inconveniente é que, em tal m ambiente virtual, tão artificial quanto
habilmente desinfectado, dificilmente se poderá desenvolver um sistema
imunológico contra as toxinas das controvérsias endêmica ao universo não
virtual.
Instituto Humanitas Unisinos
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531175-contra-a-crise-a-partilha-artigo-de-zygmunt-bauman
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/531175-contra-a-crise-a-partilha-artigo-de-zygmunt-bauman
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