Zygmunt Bauman: É Possível que já estejamos em Plena Revolução
O sociólogo
polônes Zygmunt Bauman, em entrevista à MGMagazine traduzida
para o português e publicada pelo site Fronteiras
do Pensamento, fala, aos 89 anos, sobre o mundo atual e como entende os efeitos
da modernidade sobre as pessoas. “As consequências são a austeridade, o aumento
do desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e mental de muitos jovens
que entram agora no mercado de trabalho e sentem que não são bem-vindos, que
não podem adicionar nada ao bem-estar da sociedade, porque são uma carga”, diz.
MGMagazine:
O senhor imaginou que poderia se tornar uma estrela midiática em nível global?
Zygmunt Bauman: Certamente não. Mas não sou uma
estrela. Quando eu morrer, o que provavelmente acontecerá logo, com certeza
morrerei como uma pessoa insatisfeita, que não alcançou seu objetivo.
MGMagazine: Por
quê?
Zygmunt Bauman: Porque tratei de transmitir
certas ideias durante toda a minha vida, que tem sido muito longa. E quando
olho pra trás, existe toda uma montanha cinza de esperanças e expectativas que
morreram ao nascer ou faleceram muito jovens. Não tenho nada para me gabar.
Tento juntar palavras para dizer às pessoas quais são os problemas, de onde
eles vêm, onde se escondem, como encontrar ajuda para resolvê-los se for
possível. Mas são palavras. E não nego que são poderosas, porque a nossa
realidade, o que nós pensamos que é o mundo, esta sala, nossa vida, nossas
lembranças, são palavras. Mas, apesar de ter vivido tantos anos, não consegui
resolver o problema de transformar as palavras em carne. Hoje, existe uma
enorme quantidade de pessoas que querem a transformação, que têm ideias de como
tornar o mundo melhor não somente para eles, mas também para os outros, mais
hospitaleiro. Mas na sociedade contemporânea, na qual somos mais livres do que
nunca, ao mesmo tempo somos também mais impotentes do que em qualquer outro
momento da história. Todos sentimos a desagradável experiência de ser incapazes
de mudar qualquer coisa. Somos um conjunto de indivíduos com boas intenções,
mas entre as intenções e os projetos e a realidade tem muita distância. Todos
sofremos agora mais do que em qualquer outro momento pela falta total de
agentes, de instituições coletivas capazes de atuar efetivamente.
MGMagazine: O
que mudou?
Zygmunt Bauman: Quando eu era jovem, todos os
meus contemporâneos, de esquerda, direita ou centro, coincidiam em um ponto: se
chegamos ao governo ou fazemos uma revolução, sabemos o que fazer e como fazer
através do poder do Estado. Agora, ninguém acredita que o governo pode fazer
algo. Os governos são vistos como instituições que nunca cumprem suas
promessas. É um grave problema. Porque significa que, embora saibamos como
criar uma sociedade mais humana – e no momento abandonamos a esperança de poder
projetá-la–, a grande pergunta, para a qual não tenho resposta, é quem vai
transformá-la em realidade.
MGMagazine: Viver em um mundo
líquido, o que isso significa exatamente?
Zygmunt Bauman: Modernidade significa
modernização obsessiva, viciante, compulsiva. Modernização significa não
aceitar as coisas como elas são, e sim transformá-las em algo que consideramos
que é melhor. Modernizamos tudo. Você pega as suas regulações, seus objetos, e
trata de modernizá-los. Não duram muito tempo. Isso é o mundo líquido. Nada tem
uma forma definida que dure muito tempo. Deve-se dizer que fundir o que é
sólido, transformá-lo em líquido e moldá-lo de novo era uma preocupação da
modernidade desde o princípio, mas o objetivo era outro. Arbitrariamente, mas
acredito que de forma útil, situo o início da modernidade no ano de 1.775 no
terremoto de Lisboa, seguido de um incêndio que destruiu o que restava e em
seguida um tsunami que levou consigo tudo para o mar.
MGMagazine: Por
que nesse terremoto?
Zygmunt Bauman: Foi uma catástrofe, não só
material, mas também intelectual. As pessoas pensavam, até então, que Deus
tinha criado tudo, que tinha criado a natureza e disposto leis. Mas, de
repente, veem que a natureza é cega, indiferente, hostil com os humanos. Não se
pode confiar nela. O mundo tem que estar sob direção humana. Substituir o que
existe pelo que se pode projetar. Assim, Rousseau, Voltaire ou Holbach viram
que o antigo regime não funcionava e decidiram que tinham de fundi-lo e
refazê-lo de novo no molde da racionalidade. A diferença em relação ao mundo de
hoje é que não o faziam porque não gostavam do que era sólido, e sim, pelo
contrário, porque acreditavam que o regime que existia não era suficientemente sólido.
Queriam construir algo resistente para sempre que substituísse o oxidado. Era a
época da modernidade sólida. A época das grandes fábricas empregando milhares
de trabalhadores em enormes edifícios de tijolos, fortalezas que iam durar
tanto quanto as catedrais góticas. No entanto, a história decidiu um caminho
muito diferente.
MGMagazine: Tornou-se
líquida?
Zygmunt Bauman: Sim. Hoje a maior preocupação da nossa vida social e individual é como prevenir que as coisas sejam fixas, que sejam tão sólidas que não possam mudar o futuro. Não acreditamos que existam soluções definitivas, e não é só isso: não gostamos delas. Por exemplo: a crise que muitos homens têm ao fazer 40 anos. Ficam paralisados pelo medo de que as coisas já não sejam como antes. E o que mais lhes dá medo é ter uma identidade aferrada a eles. Uma imagem que não se pode tirar. Estamos acostumados com um tempo veloz, certos de que as coisas não vão durar muito, de que vão aparecer novas oportunidades que vão desvalorizar as existentes. E isso acontece em todos os aspectos da vida. Há duas semanas, as pessoas faziam filas durante a noite pelo iPhone 5 e agora mesmo estão fazendo pelo 6. Posso garantir que em dois anos aparecerá o 7 e milhões de iPhones 6 serão jogados no lixo. E isso dos objetos materiais funciona da mesma forma com as relações pessoais e com a própria relação que temos conosco mesmos, como nos avaliamos, que imagem temos de nossa pessoa, que ambição permitimos que nos guie. Tudo muda de um momento a outro, somos conscientes de que somos transformáveis e, portanto, temos medo de fixar qualquer coisa para sempre. Provavelmente, seu governo, como o do Reino Unido, convoca seus cidadãos a serem flexíveis.
MGMagazine: Sim,
convoca.
Zygmunt Bauman: O que significa ser flexível?
Significa que você não está comprometido com nada para sempre, mas sim pronto
para mudar a sintonia, a mente, em qualquer momento no qual seja requisitado.
Isso cria uma situação líquida. Como um líquido em um copo, no qual o mais leve
empurrão muda a forma da água. E isso está em todos os lugares.
MGMagazine: Quais o senhor
acredita que são os efeitos desta nova situação nas pessoas?
Zygmunt Bauman: Há alguns anos, os jovens iam
trabalhar para a Ford ou a Fiat como aprendizes e podiam acabar ficando ali
pelos próximos 40 anos se não se embebedavam ou morriam antes. Hoje, os jovens
que não perderam a ambição depois de ter amargas experiências de trabalho
sonham em ir ao Vale do Silício. É a meca das ambições de todo homem jovem, a
ponta da lança da inovação, do progresso. Você sabe qual é a média de um
trabalhador de uma empresa do Vale do Silício? Oito meses. O sociólogo Richard
Sennet calculou, há uns anos, que o trabalhador médio mudaria de empresa onze
vezes durante a sua vida. Hoje, essa quantidade é inclusive maior. As gerações
que emergem das universidades em grandes quantidades estão ainda buscando
emprego. E se encontram, não tem nada a ver com suas habilidades e
expectativas. Estão empregados em trabalhos precários, temporários, sem
segurança, sem carreira. Então, a principal maneira pela qual nos conectamos
com o mundo, que é a nossa profissão, nosso trabalho, é fluida, líquida.
Estamos conectados apenas pela água. E não se pode estar conectado por isso,
ocorrem inundações, fugas…
MGMagazine: Por isso você diz que
passamos do proletariado ao precariado?
Zygmunt Bauman: Há não muito tempo o precariado
era a condição de vagabundos, sem-teto, mendigos. Agora, marca a natureza da
vida de pessoas que há 50 anos estavam bem instaladas. Pessoas de classe média.
Com exceção do 1% que está acima de tudo, ninguém pode se sentir seguro hoje.
Todos podem perder as conquistas alcançadas durante sua vida sem aviso prévio.
Não faz tantos anos, seis, o crédito e os bancos entraram em colapso e as
pessoas começaram a ser despejadas de suas casas e seus trabalhos. Antes disso,
os otimistas falavam de orgia de consumo, as pessoas pensavam que podiam gastar
dinheiro que não tinham porque as coisas seriam cada vez melhores, assim como
seus rendimentos, mas tudo isso desabou. As consequências são hoje os cortes, a
austeridade, o alto nível de desemprego e, sobretudo, a devastação emocional e
mental de muitos jovens que entram agora no mercado de trabalho e sentem que
não são bem-vindos, que não podem acrescentar nada ao bem-estar da sociedade,
que são um peso.
MGMagazine: Aumenta o que o
senhor chama de vidas desperdiçadas.
Zygmunt Bauman: Cada vez há mais. Mas é que,
além disso, as pessoas que têm emprego experimentam a forte sensação de que
existem altas possibilidades de que também virem resíduos. E, mesmo conhecendo
a ameaça, são incapazes de preveni-la. É uma combinação de ignorância e
impotência. Não sabem o que vai acontecer, mas nem mesmo sabendo seriam capazes
de preveni-lo. Ser o resto, um resíduo, é uma condição ainda de uma minoria. No
entanto, impacta não somente os empobrecidos, mas também setores cada vez
maiores das classes médias, que são a base de nossas sociedades democráticas
modernas. Estão atribuladas.
Revista Conti Outra
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