terça-feira, 5 de maio de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (I)




REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (I)

Iniciamos 2015 como se tivéssemos acordado de ressaca. Tudo transcorre como se após os eflúvios inebriantes da festa que participamos ao longo da primeira década do século XXI, acordássemos e nos déssemos conta de que estava tudo errado. Pior, despertamos com a sensação de que fomos enganados. Nos demos conta de que estamos num beco sem saída. Estamos imersos numa crise que arrasta nossos “sonhos”, nossas possibilidades de continuar participando de uma sociedade de plena produção e de pleno consumo.
Este sentimento não é de todo desprovido de certo senso de realidade. As reações não tardam a se manifestar em todas as direções, sejam nas redes sociais, sejam nas ruas. Uma miríade de reivindicações se apresenta, as mais variadas: pedido de impeachment da presidenta reeleita, a volta dos militares, o fim da corrupção, a reforma tributária, a reforma política, entre outras questões. Algumas das pautas se justificam, outras apenas desvelam o grau de autoritarismo e de despropósito (reações, ideologias e, paixões) eternamente presentes no tecido social brasileiro. Talvez estejamos mais uma vez diante de uma oportunidade de refletirmos profunda e calmamente: o que é o Brasil?
Quem somos nós os brasileiros? Quais são realmente os nossos problemas? Quais são nossas virtudes? De que forma diferenciamos interesses públicos e privados? E, talvez o mais importante: Qual nossa capacidade de pensarmos profundamente nossas contradições? 
Com o intuito de contribuir com o avanço de razão civilizatória brasileira e, no contraponto a “razão tupiniquim”, que insiste em se manifestar rasteiramente diante dos fatos e acontecimentos em que estamos inseridos é preciso reconhecer o peso de nossa herança colonizadora. O filósofo e Jurista Francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) já havia nos advertido sobre a profundidade e os custos das heranças que subjazem a constituição dos povos em sua magistral obra: “A Democracia na América”: O referido pensador literalmente afirma: “Os povos sempre se ressentem de sua origem. As circunstâncias que acompanharam seu nascimento e serviram para seu desenvolvimento influem sobre todo o resto de sua carreira.” 

Revistemos sucintamente nossa história. Constatamos que herdamos de nossos colonizadores uma cultura de ciclos econômicos e políticos. O primeiro ciclo imposto à estas terras foram as capitânias hereditárias. Declarado seus limites operacionais, foram substituídas pelo centralismo do “Governo Geral”. Com a vinda da família imperial portuguesa em 1808 para o Brasil, fugindo da expansão militar promovida por Napoleão na Europa, o Brasil foi elevado a condição de sede do império português. Em 1822 o Brasil imperial torna-se independente de Portugal. Em 1889, destituído o Império nos constituímos pela ação dos militares como República. Em 1930 decreta-se o fim da República Velha e implantação do Estado Novo. Em 1955 nos deparemos com o Estado desenvolvimentista de JK, que em 1964 é substituído pelo Regime Militar até 1984, quando o movimento das diretas já reposiciona os civis no comando do Estado brasileiro. No plano econômico, as terras colonizadas iniciam sua trajetória com a exploração do “Pau-brasil”, passando pela cana-de-açúcar, pelo comércio de escravos, pela mineração, pelo plantio do café e, atualmente nos apresentamos como exportadores de commodities.

Somos um país que se move por ciclos políticos e econômicos. Ao lançarmos um olhar mais minucioso à lógica dos ciclos constatamos que no auge dos mesmos os discursos se apresentam otimistas e, na derrocada dos mesmos reações e autoritarismos de toda espécie se apresentam. Temos dificuldades, nos falta memória, bom senso, senão boa vontade para procurarmos aprender com os equívocos políticos e econômicos no decurso do ocaso que se avizinha. Mais do que isto, talvez não se quer reconhecer que no bojo destes ciclos, grupos se beneficiam política e economicamente dos negócios públicos, reagindo veementemente diante da perda de capacidade de financiamento dos gastos públicos e privados por parte do Estado. É recorrente nestes momentos a culpabilização do Estado, dos governantes de plantão. Reafirme-se que golpes no Brasil se sucederam sob a égide deste caráter cíclico de nossas estruturas políticas e econômicas e, também neste momento ouvem-se os ecos do golpismo, do militarismo e, outras manifestações deste gênero, reveladoras do grau de autoritarismo vigente nos seios de discursos que se anunciam democráticos, ou defensores da democracia.

O momento é crítico. Precisamos repensar profundamente nossa democracia representativa. Reformar e reafirmar nossas instituições. Reforma política. Reforma tributária. Rever os fundamentos do modelo econômico em curso. São algumas das urgentes demandas que se apresentam à sociedade brasileira como um todo. Talvez se possa adiantar, que o maior risco que corremos reside na dificuldade de estabelecermos entre os diversos grupos sociais, consensos políticos que nos permitam enfrentar as cíclicas inconsistências que historicamente nos assolam. Enfim, de reconhecer que é preciso aprender com os acertos e com os erros afirmando uma razão institucional civilizatória consistente. Desconsiderar esta tarefa civilizatória significa permanecer presa a herança cíclica e pueril na qual nos encontramos inseridos impedindo de construir ao nosso modo uma proposta civilizatória consistente.


Sandro Luiz Bazzanella

Professor de Filosofia e Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Lider do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq.

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