REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMERIOS DIAS DE 2015 (VII) “Do quando a política passa a ser concebida como gestão”
A palavra economia tem sua origem, ou deriva
(etimologia) do grego antigo oikonomia. Oikos = casa, Nomia = leis, regras, normas.
Assim, a Oikonomia dizia respeito ao
conjunto de relações que se estabeleciam no âmbito da casa, entre senhores e
escravos, entre conjugues, entre pais e filhos, em vista das relações de
produção, de manutenção e sobrevivência da vida.
A oikonomia
ocupava o espaço das sombras. Sua finalidade era a manutenção da vida
biológica dos integrantes da casa. Porém, para os gregos antigos, a vida
qualificada, aquela que valia a pena viver era a vida pública, onde se
estabelecia o encontro, o confronto e a disputa política com o outro cidadão com
vista as condições do bem viver. O que definia a condição de cidadão era seu
compromisso político com sua cidade-comunidade, pois entendiam os gregos que
somente no exercício da vida pública é que a vida poderia ser qualificada,
honrada e, alcançar a imortalidade (feitos públicos que seriam lembrados pelas
futuras gerações). Ou seja, no mundo grego antigo, origem de nossa civilização
a política tinha a primazia sobre a economia.
A modernidade, conceito que demarca os
últimos séculos que nos trouxeram até os dias hoje, opera uma inversão
ontológica, trazendo do espaço das sombras para o espaço público a oikonomia. Na Modernidade a “economia”, que não se
restringe mais ao conjunto de relações e atividades de manutenção da vida no
espaço privado da casa, assume o conjunto de relações comerciais, entre
indivíduos, povos e países. A economia passa a se ocupar com os hábitos, com os
costumes, com a cultura dos indivíduos e das sociedades. Apreende e determina o
tempo vivido em suas várias dimensões de produção, de consumo, de lazer, de
manutenção da vida em sua dimensão biológica.
Um novo campo de conhecimento, investigação, interpretação e análise em
relação ao conjunto dos fenômenos acima descritos se estabelecem na
modernidade, intitulado: economia política. O esforço humano (trabalho) de despender
energia vital em torno da produção de bens duráveis e não duráveis se tornou o
fim último da existência humana. Os
indivíduos são aquilo que fazem. O trabalho justifica a existência. Na modernidade “sou aquilo que faço”, o meu
trabalho. Neste contexto civilizatório, a
primazia é do trabalho, da produção, da economia, a política estará a submetida
as decisões da ordem da economia.
Em sociedades densamente povoadas e, sob os
pressupostos da economia em que estamos vivendo, a função do Estado se
justifica como “razão jurídica, administrativa e política”, sobre o território com
seus recursos naturais, sobre a população na condição de recurso humano, como
força trabalho e de consumo, sobre os indivíduos à serem normalizados,
disciplinados, orientados e, controlados em seus hábitos e comportamentos.
Associe-se a esta condição a intensidade dos avanços científicos e tecnológicos
nas mais diversas áreas das atividades humanas ao longo do século XX e, neste
inicio de século XXI e, nos depararemos com a hegemonia da economia financeira
global. A economia financeira global se
caracteriza por transitar instantaneamente e virtualmente por todos os centros
produtivos e consumidores do planeta diuturnamente. Também se caracteriza por
aumentar seus créditos dispensando em certa medida o trabalho humano, na medida
em que o crédito se remunera com mais crédito. Esta lógica da economia de crédito que
remunera crédito, opera por uma lógica paradoxal descentralizada, espraiando-se
em aplicações financeiras em bolsas de valores, em mercados de capitais, em
ações de empresas, de fundos de previdência, entre outras tantas formas de
auto-reprodução. Por outro lado,
concentram-se os créditos em “nuvens de créditos”, em quantias exorbitantes de
créditos, que podem potencializar a economia de povos e países, assim como sua
retirada leva simplesmente e instantaneamente a falência povos e países.
No contexto da economia financeira global,
que opera sobre a oferta de crédito em tempo real/virtual, os Estados nações
foram transformados em agências garantidoras dos contratos de crédito.
Ressalte-se que a economia financeirizada é temperamental. A qualquer movimento
social contestatório, a qualquer instabilidade política, ou mesmo desconfiança
de não cumprimento dos contratos de remuneração, retira-se procurando mercados
seguros para seus investimentos (auto-reprodução). Isto significa que a
política está reduzida a condição de gestora de contratos da economia
financeirizada. Mas, para evitarmos o vício judaico-cristão de identificar o
“mal”, o inimigo externo a ser combatido é preciso ter presente que a economia
financeirizada é nosso modo de ser individual. Em escala microcósmica, no plano
individual de nossas vidas operamos a partir da lógica do crédito. Trabalhos em
busca de crédito (fé) no presente e, no futuro. Hipotecamos nossas vidas para
garantir créditos que nos permitam justificar a existência pelo grau de
participação da produção e do consumo que circunscreve as sociedades em que
vivemos. A economia se tornou um fim em si mesmo. Tornou-se um imperativo
categórico sobre os indivíduos determinando a condição da administrabilidade do
tempo, das relações em vista do acesso ao crédito.
Assim, a política que em sua condição
ontológica se definia pela ação comum entre os homens em vista do bem comum,
foi se reduzindo a gestão econômica da vida privada dos indivíduos e dos povos.
O que se espera de nossos governantes é que sejam bons gestores dos contratos
com a economia financeirizada, garantindo remuneração do crédito, que
transmitam em suas intenções e ações “segurança” ao mercado financeiro global
e, por extensão incidindo sobre a previsibilidade do acesso ao crédito por
parte dos indivíduos que compõe o seu tecido social. Sob tais pressupostos, talvez se possa
afirmar que aquilo que nomeamos como crise economia do Estado brasileiro,
expresso no ajuste fiscal em curso, nada mais seria que expressão de
desconfiança do mercado financeiro global e dos “cidadãos brasileiros” em
relação às condições e, garantias de remuneração do crédito por um lado, bem
como a segurança de acesso ao crédito por outro. Desconfia-se da gestão do
governo. Ou seja, na medida em que o governo de plantão recuperar a confiança
dos investidores na remuneração do crédito, por extensão, a desconfiança, as
críticas e, o pessimismo dos cidadãos em relação aos seus governantes se
dissipará.
Talvez isto explique em partes o esvaziamento
dos partidos, políticos, a desconsideração por parte da sociedade brasileira da
importância da representatividade política, manifesto no crescente descompasso
entre as iniciativas e ações do legislativo em relação as demandas da sociedade
brasileira, e por outro lado, pela a excessiva valorização do Poder executivo e
do Poder Judiciário em nossas sociedade movidas a crédito. Condição
sintomática, na medida em que estes dois poderes se caracterizam um pela
execução de ações e demandas societárias em curso e, outro pela representação
da ideia de justiça e, instância última de garantias legais da sociedade
individualizada participe da crença nas estruturas do “Estado Democrático de
Direito”.
Prof. Sandro Luiz
Bazzanella
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