terça-feira, 23 de junho de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMERIOS DIAS DE 2015 (VII) “Do quando a política passa a ser concebida como gestão”


REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMERIOS DIAS DE 2015 (VII) “Do quando a política passa a ser concebida como gestão”

A palavra economia tem sua origem, ou deriva (etimologia) do grego antigo oikonomia. Oikos = casa, Nomia = leis, regras, normas. Assim, a Oikonomia dizia respeito ao conjunto de relações que se estabeleciam no âmbito da casa, entre senhores e escravos, entre conjugues, entre pais e filhos, em vista das relações de produção, de manutenção e sobrevivência da vida. 
A oikonomia ocupava o espaço das sombras. Sua finalidade era a manutenção da vida biológica dos integrantes da casa. Porém, para os gregos antigos, a vida qualificada, aquela que valia a pena viver era a vida pública, onde se estabelecia o encontro, o confronto e a disputa política com o outro cidadão com vista as condições do bem viver. O que definia a condição de cidadão era seu compromisso político com sua cidade-comunidade, pois entendiam os gregos que somente no exercício da vida pública é que a vida poderia ser qualificada, honrada e, alcançar a imortalidade (feitos públicos que seriam lembrados pelas futuras gerações). Ou seja, no mundo grego antigo, origem de nossa civilização a política tinha a primazia sobre a economia.
A modernidade, conceito que demarca os últimos séculos que nos trouxeram até os dias hoje, opera uma inversão ontológica, trazendo do espaço das sombras para o espaço público a oikonomia.  Na Modernidade a “economia”, que não se restringe mais ao conjunto de relações e atividades de manutenção da vida no espaço privado da casa, assume o conjunto de relações comerciais, entre indivíduos, povos e países. A economia passa a se ocupar com os hábitos, com os costumes, com a cultura dos indivíduos e das sociedades. Apreende e determina o tempo vivido em suas várias dimensões de produção, de consumo, de lazer, de manutenção da vida em sua dimensão biológica.  Um novo campo de conhecimento, investigação, interpretação e análise em relação ao conjunto dos fenômenos acima descritos se estabelecem na modernidade, intitulado: economia política.  O esforço humano (trabalho) de despender energia vital em torno da produção de bens duráveis e não duráveis se tornou o fim último da existência humana.  Os indivíduos são aquilo que fazem. O trabalho justifica a existência.  Na modernidade “sou aquilo que faço”, o meu trabalho.  Neste contexto civilizatório, a primazia é do trabalho, da produção, da economia, a política estará a submetida as decisões da ordem da economia.
Em sociedades densamente povoadas e, sob os pressupostos da economia em que estamos vivendo, a função do Estado se justifica como “razão jurídica, administrativa e política”, sobre o território com seus recursos naturais, sobre a população na condição de recurso humano, como força trabalho e de consumo, sobre os indivíduos à serem normalizados, disciplinados, orientados e, controlados em seus hábitos e comportamentos. Associe-se a esta condição a intensidade dos avanços científicos e tecnológicos nas mais diversas áreas das atividades humanas ao longo do século XX e, neste inicio de século XXI e, nos depararemos com a hegemonia da economia financeira global.  A economia financeira global se caracteriza por transitar instantaneamente e virtualmente por todos os centros produtivos e consumidores do planeta diuturnamente. Também se caracteriza por aumentar seus créditos dispensando em certa medida o trabalho humano, na medida em que o crédito se remunera com mais crédito.  Esta lógica da economia de crédito que remunera crédito, opera por uma lógica paradoxal descentralizada, espraiando-se em aplicações financeiras em bolsas de valores, em mercados de capitais, em ações de empresas, de fundos de previdência, entre outras tantas formas de auto-reprodução.  Por outro lado, concentram-se os créditos em “nuvens de créditos”, em quantias exorbitantes de créditos, que podem potencializar a economia de povos e países, assim como sua retirada leva simplesmente e instantaneamente a falência  povos e países.
No contexto da economia financeira global, que opera sobre a oferta de crédito em tempo real/virtual, os Estados nações foram transformados em agências garantidoras dos contratos de crédito. Ressalte-se que a economia financeirizada é temperamental. A qualquer movimento social contestatório, a qualquer instabilidade política, ou mesmo desconfiança de não cumprimento dos contratos de remuneração, retira-se procurando mercados seguros para seus investimentos (auto-reprodução). Isto significa que a política está reduzida a condição de gestora de contratos da economia financeirizada. Mas, para evitarmos o vício judaico-cristão de identificar o “mal”, o inimigo externo a ser combatido é preciso ter presente que a economia financeirizada é nosso modo de ser individual. Em escala microcósmica, no plano individual de nossas vidas operamos a partir da lógica do crédito. Trabalhos em busca de crédito (fé) no presente e, no futuro. Hipotecamos nossas vidas para garantir créditos que nos permitam justificar a existência pelo grau de participação da produção e do consumo que circunscreve as sociedades em que vivemos. A economia se tornou um fim em si mesmo. Tornou-se um imperativo categórico sobre os indivíduos determinando a condição da administrabilidade do tempo, das relações em vista do acesso ao crédito.
Assim, a política que em sua condição ontológica se definia pela ação comum entre os homens em vista do bem comum, foi se reduzindo a gestão econômica da vida privada dos indivíduos e dos povos. O que se espera de nossos governantes é que sejam bons gestores dos contratos com a economia financeirizada, garantindo remuneração do crédito, que transmitam em suas intenções e ações “segurança” ao mercado financeiro global e, por extensão incidindo sobre a previsibilidade do acesso ao crédito por parte dos indivíduos que compõe o seu tecido social.  Sob tais pressupostos, talvez se possa afirmar que aquilo que nomeamos como crise economia do Estado brasileiro, expresso no ajuste fiscal em curso, nada mais seria que expressão de desconfiança do mercado financeiro global e dos “cidadãos brasileiros” em relação às condições e, garantias de remuneração do crédito por um lado, bem como a segurança de acesso ao crédito por outro. Desconfia-se da gestão do governo. Ou seja, na medida em que o governo de plantão recuperar a confiança dos investidores na remuneração do crédito, por extensão, a desconfiança, as críticas e, o pessimismo dos cidadãos em relação aos seus governantes se dissipará.
Talvez isto explique em partes o esvaziamento dos partidos, políticos, a desconsideração por parte da sociedade brasileira da importância da representatividade política, manifesto no crescente descompasso entre as iniciativas e ações do legislativo em relação as demandas da sociedade brasileira, e por outro lado, pela a excessiva valorização do Poder executivo e do Poder Judiciário em nossas sociedade movidas a crédito. Condição sintomática, na medida em que estes dois poderes se caracterizam um pela execução de ações e demandas societárias em curso e, outro pela representação da ideia de justiça e, instância última de garantias legais da sociedade individualizada participe da crença nas estruturas do “Estado Democrático de Direito”.

Prof. Sandro Luiz Bazzanella

Nenhum comentário:

Postar um comentário