terça-feira, 16 de junho de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (VI) Estratégias do governo Lula, ou do fato de que nem tudo se explica pela “crise” política e econômica.


REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (VI)
Estratégias do governo Lula, ou do fato de que nem tudo se explica pela “crise” política e econômica.

O desafio que se enfrenta ao procurar compreender o tempo presente em curso é comparável a sempiterna tarefa de Sísifo, condenado pelos deuses do Olimpo a rolar uma pedra até o cimo de um monte. Alcançado sofrivelmente o objetivo, a pedra lhe escapa das mãos retornando encosta abaixo ao seu leito de origem, exigindo-lhe o reinício da tarefa.
Ou seja, por maiores que sejam nossos esforços analíticos, variáveis interpretativas nos escapam, ou assumem outros contornos argumentativos dependendo do ângulo analítico adotado. Mas, apesar dos riscos, das limitações e, fragilidades impostas pelo fato de que estamos imersos nos acontecimentos, importa procurar apreender e colocar em debate aspectos do espírito do tempo em acontecimento em seus nuances políticos, sociais e econômicos nos quais nos encontramos inseridos.  Alertamos uma vez mais, que a atividade do espírito (pensamento) que se coloca em jogo nestas linhas está desprovida de qualquer pretensão de defesa ideológica de personalidade política, ou de partido, interessando-nos única e exclusivamente compartilhar hipóteses motivadoras de investigações e análises do curso civilizatório recente da sociedade brasileira.

Talvez, seja possível insistir no argumento que a partir de 1994 FHC insere o Brasil na dinâmica da economia financeira global. Tal inserção se deu por meio da instauração de uma racionalidade político-econômica, pedagogicamente denominado: “Plano Real”.  Tal racionalidade se desdobrou na concepção de um Estado eficiente e eficaz no cumprimento de contratos com o capital financeiro especulativo global.  Investidores globais passaram a olhar o Brasil como mercado atraente para seus vultuosos recursos financeiros em função da generosa oferta de juros que remuneraria o capital aqui investido. Outrossim, em função dos ajustes das instituições políticas e financeiras brasileiras, que passam a repassar confiança internacional pela estabilidade e constância de suas decisões posicionamentos, afastando instabilidades sociais e políticas, calotes de dívidas e descumprimento de contratos.

Nos dois mandatos do governo Lula e, no primeiro mandato de da presidente Dilma está lógica governamental herdada de FHC (salvaguardadas diferenças significativas) teve paradoxalmente continuidade, na medida em que ao remunerar e cumprir contratos com o capital financeiro global, opta-se também pela distribuição de renda à parcelas significativas da população brasileira, através de programas sociais, conforme explicitado em artigos anteriores desta série.  Mas, aqui desejamos colocar em cena outras hipóteses e argumentos, que talvez nos auxiliem a compreender facetas do governo de Lula e de Dilma, sobretudo em seu primeiro mandato. 

É preciso ter presente que apesar de suas limitações societárias, o Brasil é um país de extensão continental, repleto de riquezas naturais, de extensões de solo propícios para a agricultura e, atividades afins e, com uma população que ultrapassa duzentos milhões de habitantes, conforme as últimas informações do IBGE.  Estas condições se apresentam como vantagens relativamente competitivas, mas não suficientemente efetivas, quando se analisa os jogos de poder e, de influência no cenário político e econômico internacional.  Ou seja, a globalização que se intensificou a partir da década de 70 do século XX, redefiniu a divisão internacional do trabalho e da produção entre regiões, povos e países. Estas readequações da economia política internacional implicaram na redefinição geo-política e estratégica dos interesses econômicos, militares e políticos internacionais.  Nesta direção, o Brasil que até fins dos anos 80 e meados dos anos 90 era classificado como país subdesenvolvido, passa a ser classificado como país emergente. Na condição de país emergente na divisão internacional da produção e do consumo, continuamos a ser majoritariamente exportadores de commodities de produtos agrícolas e minérios, bem como consumidores de produtos de alta tecnologia e, por extensão de significativo valor agregado.

Sob tais pressupostos é possível trabalhar com a hipótese de que o governo Lula, cujas percepções e concepções políticas advém de certa concepção socialista, matizada pelo movimento sindical metalúrgico paulista dos anos 70 e 80 do século XX e, que se tornou majoritário na condução dos rumos do Partido dos Trabalhadores, a partir de fins dos anos 90, tenha aceitado (não sem relutâncias partidárias internas e de movimentos sociais), como movimento tático estratégico de poder levar adiante o paradoxo: cumprir contratos com investidores nacionais e internacionais operadores da economia especulativa financeira global por um lado e, por outro distribuir renda mínima para setores historicamente alijados de participação mínima no tecido social brasileiro.

Assim, a aceitação deste paradoxo se deu com vistas às oportunidades que se abririam ao Brasil ao assumir certo protagonismo no cenário internacional ao conduzir aproximações com países da América Central, da América do Sul, a África, Oriente Médio e, Ásia em torno de interesses econômicos estratégicos no plano internacional como forma de assegurar certas prerrogativas econômicas internas, diminuindo o grau de vulnerabilidade e dependência das economias emergentes em relação as economias centrais, no caso específico da economia  brasileira. A iniciativa visava a constituição de uma rede de parcerias que contrabalançassem as relações comerciais e, de poder econômico e financeiro com os países centrais, tornando as economias de tais países menos vulneráveis aos imperativos econômicos globais, dirigidos a partir de seu epicentro norte americano e europeu.  Instâncias como o G20 e, os Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul), se circunscrevem no bojo de tais iniciativas.

Talvez isto explique sob certa medida a extensão assumida pelo Estado brasileiro, que a partir de características e heranças históricas da sociedade brasileira, se vê compelido a fortalecer o significativo mercado de consumo interno, por um lado incentivando, por meio da redução de impostos certos setores da economia, bem como financiando outros. Noutra direção, mas convergente com a primeira,  desenvolvendo políticas públicas e programas de governo de financiamento de inclusão social, de parcelas da população brasileira alijadas da possibilidade de acesso ao consumo. Neste ponto, a equação enfrentada por Lula, talvez possa assim ser apresentada. Fortalecer o mercado interno, o que por extensão conferiria maior dinamicidade aos setores produtivos internos de baixa competitividade externa e, ao mesmo tempo articular uma rede de pesos e contrapesos por meio de parcerias com economias  emergentes e, de baixa rentabilidade e solvência, como forma de enfrentar os limites impostos à soberania dos estados, transformados em agências garantidoras de contratos do capital financeiro global.  Tem-se a impressão de que com o governo Dilma esta estratégia de articulação internacional tenha  perdido força e consistência, também e, sobretudo, em função da instabilidade política e econômica vivenciada na cena nacional nos últimos anos e meses.

Professor Sandro Luiz Bazzanella

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