REFLEXÕES SOBRE OS
100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (VI)
Estratégias do governo Lula, ou do
fato de que nem tudo se explica pela “crise” política e econômica.
O
desafio que se enfrenta ao procurar compreender o tempo presente em curso é
comparável a sempiterna tarefa de Sísifo, condenado pelos deuses do Olimpo a
rolar uma pedra até o cimo de um monte. Alcançado sofrivelmente o objetivo, a
pedra lhe escapa das mãos retornando encosta abaixo ao seu leito de origem,
exigindo-lhe o reinício da tarefa.
Ou seja, por maiores que sejam nossos
esforços analíticos, variáveis interpretativas nos escapam, ou assumem outros
contornos argumentativos dependendo do ângulo analítico adotado. Mas, apesar
dos riscos, das limitações e, fragilidades impostas pelo fato de que estamos imersos
nos acontecimentos, importa procurar apreender e colocar em debate aspectos do
espírito do tempo em acontecimento em seus nuances políticos, sociais e
econômicos nos quais nos encontramos inseridos.
Alertamos uma vez mais, que a atividade do espírito (pensamento) que se
coloca em jogo nestas linhas está desprovida de qualquer pretensão de defesa
ideológica de personalidade política, ou de partido, interessando-nos única e
exclusivamente compartilhar hipóteses motivadoras de investigações e análises
do curso civilizatório recente da sociedade brasileira.
Talvez,
seja possível insistir no argumento que a partir de 1994 FHC insere o Brasil na
dinâmica da economia financeira global. Tal inserção se deu por meio da
instauração de uma racionalidade político-econômica, pedagogicamente denominado:
“Plano Real”. Tal racionalidade se
desdobrou na concepção de um Estado eficiente e eficaz no cumprimento de
contratos com o capital financeiro especulativo global. Investidores globais passaram a olhar o
Brasil como mercado atraente para seus vultuosos recursos financeiros em função
da generosa oferta de juros que remuneraria o capital aqui investido.
Outrossim, em função dos ajustes das instituições políticas e financeiras
brasileiras, que passam a repassar confiança internacional pela estabilidade e
constância de suas decisões posicionamentos, afastando instabilidades sociais e
políticas, calotes de dívidas e descumprimento de contratos.
Nos
dois mandatos do governo Lula e, no primeiro mandato de da presidente Dilma está
lógica governamental herdada de FHC (salvaguardadas diferenças significativas)
teve paradoxalmente continuidade, na medida em que ao remunerar e cumprir
contratos com o capital financeiro global, opta-se também pela distribuição de
renda à parcelas significativas da população brasileira, através de programas
sociais, conforme explicitado em artigos anteriores desta série. Mas, aqui desejamos colocar em cena outras
hipóteses e argumentos, que talvez nos auxiliem a compreender facetas do
governo de Lula e de Dilma, sobretudo em seu primeiro mandato.
É
preciso ter presente que apesar de suas limitações societárias, o Brasil é um
país de extensão continental, repleto de riquezas naturais, de extensões de
solo propícios para a agricultura e, atividades afins e, com uma população que
ultrapassa duzentos milhões de habitantes, conforme as últimas informações do
IBGE. Estas condições se apresentam como
vantagens relativamente competitivas, mas não suficientemente efetivas, quando
se analisa os jogos de poder e, de influência no cenário político e econômico
internacional. Ou seja, a globalização
que se intensificou a partir da década de 70 do século XX, redefiniu a divisão
internacional do trabalho e da produção entre regiões, povos e países. Estas
readequações da economia política internacional implicaram na redefinição
geo-política e estratégica dos interesses econômicos, militares e políticos
internacionais. Nesta direção, o Brasil
que até fins dos anos 80 e meados dos anos 90 era classificado como país
subdesenvolvido, passa a ser classificado como país emergente. Na condição de
país emergente na divisão internacional da produção e do consumo, continuamos a
ser majoritariamente exportadores de commodities
de produtos agrícolas e minérios, bem como consumidores de produtos de alta
tecnologia e, por extensão de significativo valor agregado.
Sob
tais pressupostos é possível trabalhar com a hipótese de que o governo Lula,
cujas percepções e concepções políticas advém de certa concepção socialista,
matizada pelo movimento sindical metalúrgico paulista dos anos 70 e 80 do
século XX e, que se tornou majoritário na condução dos rumos do Partido dos
Trabalhadores, a partir de fins dos anos 90, tenha aceitado (não sem
relutâncias partidárias internas e de movimentos sociais), como movimento
tático estratégico de poder levar adiante o paradoxo: cumprir contratos com
investidores nacionais e internacionais operadores da economia especulativa
financeira global por um lado e, por outro distribuir renda mínima para setores
historicamente alijados de participação mínima no tecido social brasileiro.
Assim,
a aceitação deste paradoxo se deu com vistas às oportunidades que se abririam
ao Brasil ao assumir certo protagonismo no cenário internacional ao conduzir
aproximações com países da América Central, da América do Sul, a África,
Oriente Médio e, Ásia em torno de interesses econômicos estratégicos no plano
internacional como forma de assegurar certas prerrogativas econômicas internas,
diminuindo o grau de vulnerabilidade e dependência das economias emergentes em
relação as economias centrais, no caso específico da economia brasileira. A iniciativa visava a constituição
de uma rede de parcerias que contrabalançassem as relações comerciais e, de
poder econômico e financeiro com os países centrais, tornando as economias de
tais países menos vulneráveis aos imperativos econômicos globais, dirigidos a
partir de seu epicentro norte americano e europeu. Instâncias como o G20 e, os Brics (Brasil,
Rússia, China, Índia e África do Sul), se circunscrevem no bojo de tais
iniciativas.
Talvez
isto explique sob certa medida a extensão assumida pelo Estado brasileiro, que
a partir de características e heranças históricas da sociedade brasileira, se
vê compelido a fortalecer o significativo mercado de consumo interno, por um
lado incentivando, por meio da redução de impostos certos setores da economia,
bem como financiando outros. Noutra direção, mas convergente com a
primeira, desenvolvendo políticas
públicas e programas de governo de financiamento de inclusão social, de
parcelas da população brasileira alijadas da possibilidade de acesso ao
consumo. Neste ponto, a equação enfrentada por Lula, talvez possa assim ser
apresentada. Fortalecer o mercado interno, o que por extensão conferiria maior
dinamicidade aos setores produtivos internos de baixa competitividade externa
e, ao mesmo tempo articular uma rede de pesos e contrapesos por meio de
parcerias com economias emergentes e, de
baixa rentabilidade e solvência, como forma de enfrentar os limites impostos à
soberania dos estados, transformados em agências garantidoras de contratos do
capital financeiro global. Tem-se a
impressão de que com o governo Dilma esta estratégia de articulação
internacional tenha perdido força e
consistência, também e, sobretudo, em função da instabilidade política e
econômica vivenciada na cena nacional nos últimos anos e meses.
Professor Sandro Luiz Bazzanella
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