INTERNET: O ÓDIO QUE SUSPENDE
A ÉTICA. ZYGMUNT BAUMAN
Os sujeitos solitários diante de um celular, da tela de um tablete ou de
um computador portátil, que têm apenas outras pessoas "virais" para
se defrontar, parecem colocar para dormir a razão e a moral, deixando sem
rédeas as emoções que normalmente são controladas.
Os
problemas gerados pela atual "crise migratória", exacerbados pelo
pânico sobre as migrações, pertencem à categoria das questões mais complexas e
controversas: neles, de fato, o imperativo categórico e moral se choca com o
medo do "grande desconhecido", personalizado pelas massas de
estrangeiros que encontramos às nossas portas.
O
medo impulsivo estimulado pela visão de pessoas "alheias" que trariam
consigo perigos inescrutáveis entra em competição com o impulso moral causado
pela visão da miséria humana. Quase em nenhum outro caso poderia ser maior o
desafio à tentativa moral de persuadir a vontade a seguir o seu imperativo; e
raramente poderia ser mais dilacerante a tarefa da vontade que procura fechar
os ouvidos a esse imperativo moral.
Todos
nós poderíamos ser alistados em um momento ou outro, ou simultaneamente, nos
diversos papéis desse combate: "campo de batalha",
"soldado" ou "canhão". E alguns de nós poderiam, por isso,
ser tentados pela "grande simplificação" oferecida pela web.
Lá,
nesse refúgio, somos salvos da inevitabilidade de nos confrontarmos com o
adversário cara a cara. Poderíamos nos deparar com a armadilha da mentira
conflitual e que ataca o respeito de si com o simples expediente de fechar os
olhos diante da presença do adversário, chegando até a fechar os ouvidos aos
seus argumentos.
Esses
dois aspectos são facilmente visíveis online, enquanto não o são em nada no
mundo real. Previsivelmente, é o que constataram alguns pesquisadores em muitos
usuários de internet, tendo-os estudado para explicar quais são as funções da
rede na defesa de si mesmo em relação a ver e a ouvir o que acontece no campo
de batalha.
Na
"zona de segurança" delimitada por essa escolha, são admitidas apenas
pessoas que pensam da mesma forma, enquanto aqueles do campo adversário são
impedidas de entrar. Basta pouco, em termos de decisão e de coerência, para
apertar a tecla "delete" do computador e eliminar a controvérsia e os
seus protagonistas da memória digital.
A
partir do momento em que pôr em discussão qualquer coisa envolve o risco de
sermos desmentidos e, portanto, consideramos mais conveniente evitar o debate,
eis que a eliminação da necessidade de discutir a importância e a gravidade dos
imperativos morais se apresenta como um alívio: "Tornar-se moralmente cego
e surdo agora é o suficiente, obrigado...".
Com essa moralidade tornada cega e surda, não devemos nos
admirar que "milhões de norte-americanos – como foi demonstrado em um
recente estudo publicado pela National Academy of Science – acreditam que as suas posições são
fundamentalmente filantrópicas, enquanto os outros são o mal a ser
combatido".
Donald Trump, de longe o mais popular entre os candidatos
republicanos para a presidência dos Estados Unidos e
que já tem uma longa e crescente história de ódio racial e religioso, graças à
típica invectiva "nós contra eles" e à recusa de se dissociar dos
discursos repletos de ódio de alguns dos seus partidários, foi identificado
como "o candidato perfeito para a nossa época viral" por Emma Roller,
colunista do New York Times (29-12-2015).
Por que isso? Como descobriu um psicólogo da Universidade do Havaí,
os momentos virais mais recorrentes são aqueles que "vêm diretamente do
inconsciente" – enquanto "o ódio, o medo do outro, a raiva" vêm
diretamente do fundo pulsional.
Os
sujeitos solitários diante de um celular, da tela de um tablete ou de um
computador portátil, que têm apenas outras pessoas "virais" para se
defrontar, parecem colocar para dormir a razão e a moral, deixando sem rédeas
as emoções que normalmente são controladas.
Obviamente,
a internet não é a causa do crescente número de internautas moralmente cegos e
surdos; mas ela facilita e alimenta de maneira notável esse crescimento.
A
primeira reação diante do outro, por isso, tende a ser de vigilância e de
suspeita, um momento de ansiedade indefinida, um impulso a buscar uma tábua de
salvação, que é causa de mais nervosismo, justamente por ser indefinida. E,
durante esse processo, o respeito pelos imperativos morais é suspenso.
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