A HISTÓRIA MARCARÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO COMO QUEM TROUXE O
TERROR INSTITUCIONAL
Publicado no Justificando.
POR ROBERTO TARDELLI
Tempos de horrores e de
morte do estado Democrático de Direito. Tempos sombrios, eu era criança quando
surgiu o AI-5 e já era um promotor de justiça quando ele se foi, sem deixar –
imaginávamos – saudades.
Deixou saudades e deixou
marcas. Uma delas é o pacote anticorrupção do Ministério Público Federal, que,
dentre outras vergonhas contemporâneas, cria a Comissão para recebimento de
denúncias de corrupção, uma espécie de Gestapo, para acossar em nome da
moralidade.
Está inaugurada a República dos Delatores – ou então a República
dos Reportantes – e
estão mais do que lançadas as bases para o país mais perigoso do mundo para se
viver. Está feito o serviço sujo a que nem os militares se sujeitaram.
Brasil, o País do Medo. O
País da Comissão que vai desmoralizar, constranger, achacar, pressionar,
anular, humilhar, expor os inconvenientes. No mais sombrio período stalinista,
havia essas comissões no Partido Comunista, que se espalharam pelos países do
leste europeu. Era a submissão ou a exclusão, as opções que essas comissões
davam.
A Ditadura chegou nos
braços do Ministério Público. Chegou nas mãos de quem tem o compromisso
constitucionalmente posto de lutar pela democracia. Veio nas mãos do Ministério
Público, que fique claro isso, que fique claro que as pessoas que saíram
ingenuamente às ruas pedindo adesão a um abaixo-assinado que não compreendiam
foram enganadas, foram traídas.
Elas queriam apenas que
alguém combatesse a corrupção que nos inferniza – ou que nos foi posto goela
abaixo que nos inferniza mais que o fosso da desigualdade econômica – e
obtiveram uma tirania, uma ditadura em que não mais existe um ditador, personalista
e egocêntrico, mas incontáveis pequenos tiranos, egóicos e narcísicos, que vão
destilar arbítrio por onde passarem.
Não serão todos os
promotores nem todos os procuradores, apenas os mais proeminentes, apenas o que
se acham cheios de brilho, apenas os que vão comandar os destinos do Ministério
Público, explicita ou nas sombras da floresta obscura do Poder.
Os que não suportarem
serão perseguidos; antes, serão desmoralizados. Depois, perseguidos, serão
punidos; a ira santa irá queimá-los nos corredores. A fúria purificadora dos
samurais irá estimular a deduragem, o denuncismo, irá estimular que se poderá
ganhar uma grana a mais, que para ganhar uma grana a mais, bastará denunciar,
bastará denunciar como se estivesse em uma pescaria, uma hora o peixe da
recompensa pelo dedurismo vai chegar e o carro será trocado. É uma canalhice
jurídica sem tamanho.
O dedo-duro recebe nome de ficção científica: reportante. Vale
repetir, esse será o mau caráter do Séc. XXI, protegido por lei, o primeiro
canalha a ser protegido por lei, o reportante,
o canalha intocável, intangível, superior aos que não foram canalhas. A
canalhice será virtuosa, se for em nome do Bem; se os canalhas se proliferarem,
todos reportarão todos e quem quiser um esparadrapo em um posto de saúde haverá
de suplicar de joelhos por isso.
Digo aliviado: não mais
pertenço aos quadros da Instituição que traiu o país, o povo, a democracia, que
conspirou contra a democracia, que trouxe o terror de estado, o medo
institucional, que transformou esse país em um lugar em que canalhas serão
celebrados como heróis.
Os indesejáveis e os inconvenientes vão
sentir a perseguição
Não haverá privacidade,
intimidade a ser respeitada, eis que o interesse público será superior a tudo
isso e o telefone será a corda que envolverá o pescoço e a tecnologia,
maravilhosa para libertar, será usada para oprimir. O Grande Irmão está na
aristocracia do serviço público.
O amigo, a amiga está se divertindo com a delação premiada, que
todos os dias anima o Jornal Nacional e alimenta a VEJA? Pois bem, a maioria de
vocês nem faz idéia do que seja, nunca viu essa banda tocar, mas gosta e se
deleita vendo gente ser presa, político
é tudo ladrão.
O que você não sabe é que
a delação é um acordo, um negócio, que pode ser extremamente lucrativo se for
feito com uma dose mínima de pragmatismo bilateral.
Esse acordo, my
friends, é feito sem que se conheçam as tratativas, muito embora
versem sobre dinheiro público, ninguém, salvo os diretamente envolvidos, sabem
o que rola nas conversas, o que é prometido, o que é incluído e o que é
tirado. A prisão é um horror e a delação é a chave da cadeia. Não há
nenhum registro de como se operam essas delações, essas conversas. O nome disso
é Justiça Negocial, isso, a Justiça vira uma mercadoria a ser transacionada,
vendida, trocada, vira um carrinho usado, posto num feirão de domingo.
O Ministério Público é o dono do armazém, onde se barganham
informações, penas, em outro nome legal prá coisa, plea bargain, que
nos habituamos a ver nos filmes americanos e que se tornou a pior experiência
jurisdicional do mundo ocidental. Por quê? Porque nossos Bravos Rapazes
Americanos são líderes em prisões e nem por isso diminuiu-se a criminalidade
por lá.
Parece um pesadelo. Não é.
Aos amigos e amigas, digo honestamente que a democracia sofreu o mais duro
golpe dos últimos trinta anos, ou mais até. Democracia que amanhecerá bem
menor, amanhecerá quase morta, olhando pra gente, com o olho que sobrou,
pedindo socorro. Socorro.
O estado, desgraçadamente,
é muito grave.

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