Arquitetura hostil: as cidades contra
seres humanos
Em Londres, espetos antimendigos, bancos contra
skatistas e namorados expõem horror de certos urbanistas e autoridades a
interações pessoais
Ele é chamado de banco Camden, por causa do distrito
londrino que primeiro encomendou esses assentos esculpidos em concreto cinza,
que podem ser encontrados nas ruas da capital britânica. A superfície inclinada
dos bancos, resistente a pixações, foi desenhada para afastar tanto os
moradores de rua quanto os skatistas.
Ainda que menos óbvios
do que os espetos “antimendigo” de aço inoxidável que apareceram há pouco, do
lado de fora de um prédio de apartamentos de Londres, esses bancos fazem parte
de uma fornada recente de arquitetura urbana planejada para influenciar o
comportamento público e conhecida como “arquitetura hostil”.
Os skatistas tentam
subverter os bancos fazendo aquilo que sabem melhor. “Hoje estamos mostrando
que você ainda pode andar de skate aqui”, disse Dylan Leadley-Watkins, freando
depois de se lançar com seu skate por sobre um dos bancos no Covent Garden. “O
que quer que as autoridades façam para tentar destruir o espaço público, elas
não podem se livrar das pessoas que frequentam a área sem ter que gastar
dinheiro e fazer algo de que elas gostem.”
As ações dos skatistas e
daqueles que se indignaram com os espetos – removidos depois que uma petição online conseguiu 100 mil assinaturas e o prefeito de Londres, Boris
Johnson, aderiu às críticas – chegam num momento em que muitos argumentam que as cidades
estão se tornando ainda menos acolhedoras para certos grupos.
Além dos dispositivos
antiskate, os parapeitos das janelas ao nível do chão têm sido “enfeitados” com
pontas ou espetos para impedir que as pessoas se sentem; assentos inclinados
nos pontos de ônibus desencorajam a permanência e os bancos são divididos com
apoio para os braços para evitar que as pessoas se deitem neles.
Acrescentem-se a essa
lista as áreas com pavimentação irregular, desconfortável, as câmeras de
circuito fechado com auto-falantes e os intimidantes sonoros
“antiadolescentes”, como o uso de música clássica nas estações e os chamados dispositivos mosquito, que emitem sons
irritantes de alta frequência que só os adolescentes escutam.
“Uma grande parte da
arquitetura hostil é adicionada posteriormente ao ambiente da rua, mas é
evidente que “quem nós queremos neste espaço, e quem nós não queremos” é uma
questão consideradas desde cedo, no estágio do design”, diz o fotógrafo Marc Vallée, que tem documentado a
arquitetura antiskate.
Outros enfatizam o valor
do design de ambiente na prevenção do comportamento criminoso, insistindo que o
tempo das soluções brutas como os espetos de aço já passou. “Os espetos são
parte de uma estética da fortaleza, já ultrapassada e nada bem-vinda nas
comunidades para as quais o design urbano precisa ser inclusivo”, diz
Lorraine Gamman, professora de design na Central St Martins (Faculdade de Artes
e Design) e diretora do centro de pesquisas Design Contra o Crime, da mesma instituição.
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| Novos bancos em frente às Cortes Reais de Justiça na região central de Londres. Foto: Linda Nylind |
“Se quisermos usar o
design para reduzir comportamentos antissociais, a democracia deve ser visível
no design para a prevenção do crime que incorporamos às nossas ruas”, diz ela.
“Não tenho problemas com o banco Camden – cuja estética outros têm criticado –
mas em muitos lugares, os bancos, banheiros e lixeiras parecem ter sido
removidos para reduzir crimes presumíveis, às custas da maioria das pessoas,
que costuma respeitar das leis”.
Inovações atualmente em
desenvolvimento na Central St Martins incluem “arte para caixa eletrônico” –
marcadores de piso que visam aumentar a privacidade e a segurança dos usuários
de caixas eletrônicos.
Outros criaram projetos
relacionados com o graffiti (“Graffiti Dialogues”), ganchos antifurto
para pendurar bolsas e mochilas nos bares e cafés e o suporte Camden para bicicletas, que facilita a vida do ciclista por manter a
bicicleta na posição vertical e prender as duas rodas e o quadro ao suporte.
A indignação contra os
tipos mais grosseiros de arquitetura hostil está crescendo. Há semanas,
ativistas derramaram concreto sobre os espetos instalados na frente de uma
unidade da rede de supermercados Tesco na região central de Londres. A empresa
disse que pretendia prevenir comportamentos antissociais e não afastar
moradores de rua, mas concordou, dias depois, em
retirar os espetos.
O historiador da
arquitetura Iain Borden disse que o surgimento da arquitetura hostil tem suas
raízes no design urbano e na gestão do espaço público dos anos 1990. Esse
aparecimento, afirmou ele, “sugere que somos cidadãos da república apenas na
medida em que estamos trabalhando ou consumindo mecadorias diretamente”.
“Por isso é aceitável,
por exemplo, ficar sentado, desde que você esteja num café ou num lugar
previamente determinado onde podem acontecer certas atividades tranquilas, mas
não ações como realizar performances musicais, protestar ou andar de skate. É o
que alguns chamam de ‘shoppinização’ do espaço público: tudo fica parecendo um
shopping”.
Rowland Atkinson,
co-diretor do Centro para a Pesquisa
Urbana da Universidade de York, sugere que os espetos e a arquitetura
relacionada são parte de um padrão mais abrangente de hostilidade e
desinteresse em relação à diferença social e à pobreza produzida nas cidades.
“Sendo um pouco cínico mas também realista, é um tipo de ataque aos
pobres, uma forma de tentar deslocar sua angústia”, diz ele. “São vários
processos que se somam, incluindo os processos econômicos que tornam as pessoas
vulneráveis em primeiro lugar, como o imposto por quarto extra e os limiares do
bem-estar, mas o próximo passo parece ser afirmar que ‘não vamos permitir que
você se acomode nem mesmo do modo mais desesperado’.”





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