Reforma da Previdência
esconde concessões ao setor privado
Em debate realizado em Brasília, especialistas criticam as mudanças
propostas pelo governo de Michel Temer
De Brasília
O
déficit da Previdência de 2016 apresentado pelo governo nesta quinta-feira 27,
de 149,7 bilhões de reais, esconde, entre as causas apresentadas, as políticas
macroeconômicas que repercutem diretamente nos resultados do setor. Esta é a
opinião da economista Denise Gentil, professora da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ).
Gentil defende que a reforma proposta pelo governo de
Michel Temer atribui o resultado
fiscal do setor de fora para dentro, ou seja, ele não é auferido por seus
parâmetros internos, mas pela política macroeconômica que provoca uma depressão
na economia do País.
“Não
estamos com um déficit por causa dos gastos da Previdência mas pelos excessos
de concessões feitas a um sistema financeiro”, afirmou. Seu argumento é de que
o governo retira recursos da Seguridade Social para financiar outras
despesas.
“As
desonerações excessivas sem contrapartida das empresas, o aumento da DRU
[Desvinculação de Receitas da União] que retira recursos principalmente da
Seguridade Social, a não cobrança da dívida ativa, são só alguns dos motivos
que levam à fuga de recursos que deveriam ser usados para custear os pagamentos
das aposentadorias. Agora, o trabalhador que vai ter que pagar a conta”,
completou.
A professora participou do
seminário “Em defesa do direito à aposentadoria para todos”, realizado pela
Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal
(Fenae) e pela Associação Nacional dos Participantes de Fundo de Pensão
(Anapar), em Brasília, nesta sexta-feira 27. Centrais sindicais e outras
entidades representativas também acompanham o evento. A cobertura é de Carta
Capital.
Denise
integrou a primeira mesa de discussão. Em sua exposição, ela mostrou que dos
271 bilhões de reais concedidos em desonerações em 2016, 54% foram retirados da
Previdência.
A
professora sustentou que a reforma proposta em um cenário de ajuste fiscal não
vai ter efeito imediato, ou seja, não será capaz de ajudar a resolver a crise
que o País enfrenta. A professora alertou ainda para a possibilidade de
esvaziamento da própria previdência, uma vez que os contribuintes, ao não
vislumbrarem que poderão receber o benefício, irão desistir de contribuir ao
longo do tempo.
“Essa reforma vai dinamitar de vez o regime
geral porque as pessoas vão se
sentir desestimuladas. E quem vai ganhar com isso são os bancos, que irão
vender mais fundos de previdência privada e outros produtos financeiros”, disse
Gentil
Ela
defendeu também a tese de que a reforma tem como objetivo oculto a privatização
do setor, assim como aconteceu com a Saúde. “Você acaba com o sistema e obriga
as pessoas a procuraram serviços privados”, disse. De acordo com ela, no ano
passado, os bancos tiveram um aumento, de janeiro a outubro, de cerca de 21% na
compra de fundos de previdência privada.
Em uma exposição didática,
Gentil esmiuçou os principais pontos da reforma que passa a exigir a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e
mulheres. O tempo de contribuição mínima será de 25 anos e quem se aposentar
com esse período, receberá cerca de 79% do valor do seu salário. Para receber o
valor integral, o tempo de contribuição passa para 49 anos.
“Os engravatados da
Esplanada não conhecem a realidade do trabalhador neste País. O tempo
estipulado é fora da realidade”, afirmou.
A proposta de emenda à
Constituição foi enviada pelo governo ao Congresso no fim do ano passado e já
foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Agora, a Casa
instalará uma comissão especial para discutir a proposta. A previsão do governo
é de que a reforma seja aprovada até março.
O
jornalista Luís Nassif, também integrante do seminário, também afirmou que as
estratégias adotadas na história recente do País levaram a uma deterioração das
despesas públicas, o que levou aos ajustes fiscais.
“Até para o FMI começa a
ficar claro que não se constrói um país sem distribuição de renda. É simples.
Tem que ter o empresário que produz e o trabalhador que compra”, afirmou.
Para Nassif, a política do
ajuste fiscal já foi revista por economistas estrangeiros que verificaram que a
estratégia não dará resultados. “Tem uma mudança em todo esse pensamento que
vai tornar anacrônico esse neoliberalismo que está sendo implementado aqui”,
afirmou.
O jornalista disse ainda
que a chamada “ponte para o futuro”, usado como slogan do governo Temer,
significa apenas a chance de o governo aproveitar o curto prazo e o momento
posterior a uma catarse social, após o impeachment da ex-presidente Dilma
Rousseff, para promover políticas que irão impor todo tipo de reforma que
interessa ao mercado financeiro em curto prazo.
Nassif
também comentou que o fenômeno das redes sociais e a segmentação dos movimentos
sociais acabaram por desorganizar o sistema de informação, que acaba por levar
a fenômenos como a chamada pós-verdade, em que fatos são descontextualizados ou
até mesmo criados para se atingir determinado objetivo. “A informação
disciplinada é a base da democracia”, disse.
O
jornalista criticou ainda a forma como o presidente Michel Temer está implementando
as suas reformas, sem discussão com a sociedade. Para ele, as medidas adotadas
pelo governo Temer estão tendo um efeito ainda não mensurado corretamente que é
o de voltar a unir espectros de esquerda em torno do combate às medidas
apresentadas, como a reforma da previdência e trabalhista.

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