1/4/1964: ERA
UMA VEZ UMA DEMOCRACIA
O Brasil vinha construindo uma democracia, pela primeira vez na
sua história. Haviam-se dado quatro eleições gerais, quatro presidentes tinham
sido eleitos pelo voto direto do povo. Três vezes tinha triunfado a esquerda –
Dutra, Getulio, JK – uma vez a direita – Jânio Quadros –, cuja renúncia
reconduziu a esquerda à presidência, com João Goulart.
A
direita estava articulando um golpe desde o final dos anos 1940. De retorno da
guerra na Itália, quando estabeleceram contatos estreitos com a oficialidade
dos EUA, Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco fundaram a Escola
Superior de Guerra, que passou a colocar em prática a doutrina de segurança
nacional, ideologinorteamericana durante todo a guerra fria.
Tratava-se
de concentrar a luta contra a "subversão comunista", para
desqualificar a todos os avanços democráticos e sociais, reduzindo-os a efeitos
da influência de potências estrangeiras – URSS, China, Cuba –, tentando se
apropriar do poder no Brasil. Atuaram ao longo dos governos de Getulio e de JK,
depois de Jango, para preparar o clima de desestabilização favorável ao golpe
militar. Contaram com a mídia, com a Igreja Católica, com as entidades
empresariais e com o apoio aberto do governo norte-americano.
Seus
temas centrais eram, além da subversão, a corrupção dos políticos e a
estagnação econômica, pela excessiva intervenção do Estado. Conseguiram criar
um clima favorável ao golpe, paradoxalmente com a pregação da salvação da
democracia, que estaria em perigo por planos internos e externos de subversão.
Ganharam a grande maioria da alta oficialidade das FFAA, a amplos setores das
classes médias e do grande empresariado, e impuseram a ditadura mais cruel que
o país conheceu, supostamente para salvar a democracia.
Pela
primeira vez foi destruída a nascente democracia, de apenas 19 anos, mas que
trazia para o país grandes avanços sociais, ampliação dos processos de sindicalização,
incluída a sindicalização rural, fortalecimento dos movimentos populares,
construção de ideologias nacionais e populares, desenvolvimento de uma política
externa independente, fortalecimento do Estado brasileiro e das empresas
públicas – entre elas, particularmente da Petrobras.
O Brasil
vivia o maior auge cultural da sua história, com o cine novo, a bossa nova, o
novo teatro, as artes plásticas, a literatura, estreitamente associado à
expansão da democracia no país.
Como
todo golpe contra a democracia, rapidamente o regime militar mostrou sua face
repressiva em relação a tudo o que representasse alguma expressão democrática
na sociedade brasileira – Parlamento, Judiciário, universidades e escolas em
geral, sindicatos, movimentos culturais, associações populares, personalidades
políticas e do mundo cultural. Com o golpe se destruía a democracia e tudo o
que estava associado a ela – direitos sociais e políticos, organizações
populares, soberania popular e inserção soberana do Brasil no mundo.
O Brasil
pagou um preço muito alto por aquela ruptura da democracia. O país se tornou o
mais desigual do continente mais desigual do mundo. Os direitos das pessoas
foram pisoteados. Instalou-se uma mídia estreitamente associada à ditadura
militar. Deteriorou-se o poder aquisitivo dos salários, com a politica de
arrocho salarial e a intervenção em todos os sindicatos, degradaram-se os
serviços públicos de educação e de saúde.
Como
confirmação da afirmação de Dilma Rousseff de que a democracia é o lado correto
da história, o golpe e a ditadura que nasceu dela representou o lado errado, do
qual retomamos com grande esforço a recuperação do fim de 21 anos de luta de
resistência. Da mesma forma que recentemente, a aliança do grande empresariado,
da mídia conservadora, de políticos dispostos a defender seus próprios
interesses, se rompia o caminho democrático em nome de falsos objetivos. A
defesa da democracia desembocou na mais feroz ditadura, a luta contra a
corrupção fomentou a corrupção protegida pela ditadura e pela censura, a luta
contra a subversão revelou-se ser um pretexto para terminar com a democracia.
A
história não se repete da mesma forma, contanto que saibamos refletir sobre ela
e tirar experiências para o presente e o futuro. O novo golpe teve formas diferentes,
mas no essencial é um golpe anti-popular, anti-democrático e anti-nacional,
contra os movimentos sociais e contra o povo brasileiro. Que saibamos agora
tirar as lições do golpe e também das formas de resistência e de reconstrução
democrática, para poder derrotar uma vez mais o golpe e a ditadura no Brasil.
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