DO "LIVRE" MERCADO ÀS GRANDES DITADURAS
Sai,
nos EUA, livro sobre Karl Polanyi – o pensador que mostrou como a desregulação
das economias levaria à desigualdade brutal e, por fim, ao fascismo
Que era
esplendorosa estaríamos supostamente vivendo, com a única superpotência
restante espalhando o capitalismo e a democracia liberal em todo o mundo. Em
vez disso, a democracia e o capitalismo parecem cada vez mais incompatíveis. O
capitalismo global escapou dos limites de uma economia mista pós-guerra, que
reconciliou o dinamismo com a segurança através da regulamentação do sistema
financeiro, do empoderamento do trabalho, do estado do bem-estar social e de
elementos de uma propriedade pública. A riqueza eliminou a cidadania,
produzindo maior concentração de renda e poder, bem como a perda de fé na
democracia. O resultado é uma economia de extrema desigualdade e instabilidade,
organizada não para muitos, mas para poucos.
Não
surpreendentemente, muitos reagiram. Para decepção daqueles que esperavam na
esquerda democrática disposição para limitar a ação dos mercados, a reação é
principalmente dos populistas de direita. E por “populista” entenda-se a
natureza dessa reação cuja retórica, princípios e práticas nacionalistas
tangenciam o neofascismo. Um aumento do fluxo de migrantes, outra
característica da globalização, agravou a raiva de pessoas atingidas pelas
crises econômicas que querem Fazer a América Grande
Novamente (assim como a França, a Noruega, a Hungria, a Finlândia …) .
Isso ocorre não apenas em países fracamente democráticos como a Polônia e a
Turquia, mas nas democracias estabelecidas — Grã-Bretanha, EUA, França, e mesmo
a Escandinávia social-democrata.
Já
vivemos esta situação antes. Durante o período entre as duas guerras mundiais,
os liberais do “livre” mercado que governam a Grã-Bretanha, a França e os EUA
tentaram restaurar o sistema do laissez-faire de
antes da Primeira Guerra Mundial. Ressuscitaram o padrão-ouro e
colocaram como prioridade não a recuparação econômica,mas o pagamento das
dívidas de guerra e reparações. Foi um tempo de “livre” comércio e especulação
desenfreada, sem controle sobre capital privado. O resultado foi uma década de
insegurança econômica que terminou em depressão, enfraquecimento da democracia
parlamentar ereação fascista. Até as eleições alemãs de julho de 1932, quando os nazistas se
tornaram o maior partido no Reichstag, a coalizão governamental
anterior a Hitler estava praticando a austeridade econômica recomendada pelos
credores da Alemanha.
O grande
profeta de como as forças do mercado levaram ao extremo de destruir a
democracia e uma economia em funcionamento não foi Karl Marx, mas Karl Polanyi.
Marx esperava que a crise do capitalismo acabasse numa rebelião global dos
trabalhadores que levaria até o comunismo. Polanyi, com quase um século mais de
história para avaliar, indicou que a maior probabilidade era o advento do
fascismo.
Como
Polanyi demonstrou em sua obra-prima, The Great Transformation (A
Grande Transformação – Editora Campus, Rio, 2ª ed, 2000), de 1944,
quando os mercados se tornam “desembarcados” de suas sociedades e criam
deslocamentos sociais severos, as pessoas acabam por se revoltar. Polanyi viu a
catástrofe da Primeira Guerra Mundial, o período entre as guerras, a Grande
Depressão, o fascismo e a Segunda Guerra Mundial, como a culminação lógica das
forças do mercado que esmagam a sociedade. Tratava-se, para ele do “esforço
utópico do liberalismo econômico para criar um sistema de mercado
autorregulado” — algo que começou na Inglaterra do século XIX. Esta foi uma
escolha deliberada, ele insistiu, e não a reversão a um estado
econômico natural. A sociedade de mercado, Polanyi demonstrou
insistentemente, só pode existir devido a uma ação deliberada do governo que
define direitos de propriedade, termos de trabalho, comércio e finanças.
“O laissez faire“, escreveu ele enfaticamente, “foi planejado”.
Polanyi
acreditava que a única via política capaz de moderar a influência destrutiva do
capital organizado e sua ideologia do ultra mercado era por meio de movimentos
trabalhistas altamente mobilizados, astutos e sofisticados. Ele concluiu isso
não a partir da teoria econômica marxista, mas de uma observação aguda da
experiência mais bem sucedida de um socialismo municipal na Europa
entreguerras: a “Viena Vermelha” (Red Viena), onde trabalhou como
jornalista econômico na década de 1920. Por um tempo no pós-Segunda Guerra
Mundial, todo o Ocidente teve uma forma igualitária de capitalismo construída
sobre a força do Estado democrático e sustentada por fortes movimentos
trabalhistas; mas, desde a era de Thatcher e Reagan, esse poder de contenção
foi esmagado, com resultados previsíveis.
Em A
Grande Transformação, Polanyi enfatizou que os imperativos essenciais do
liberalismo clássico do século XIX eram 1) o “livre” comércio, 2) a ideia de
que o trabalho devia “encontrar seu preço no mercado” e 3) a aplicação do
padrão-ouro. Os equivalentes de hoje são estranhamente semelhantes. Temos um
impulso cada vez mais intenso para o comércio desregulado, para destruir os
restos do capitalismo com algum nível de gestão e regulação; e o
desmantelamento do que resta das salvaguardas do mercado de trabalho para
aumentar os lucros das empresas multinacionais. No lugar do padrão-ouro, cuja
função do século XIX era a de forçar as nações a priorizar o “dinheiro seguro”
e os interesses dos detentores de títulos antes do verdadeiro bem-estar
econômico, temos políticas de “austeridade” aplicadas pela Comissão Europeia,
pelo Fundo Monetário Internacional e a chanceler alemã, Angela Merkel, com os
bancos centrais endurecendo o crédito aos primeiros sinais de inflação.
Esta trindade
obscena de políticas econômicas que Polanyi identificou não está
funcionando mais agora do que na década de 1920. São fracassos retumbantes , na
economia, na política social e na política. A análise histórica de Polanyi, em
ambos os escritos anteriores e em The Great Transformation, foi
confirmada três vezes, primeiro pelos eventos que culminaram na Segunda Guerra
Mundial, depois pela contenção temporária do laissez-faire com
a prosperidade democrática durante o boom do pós-guerra e agora novamente pela restauração
do liberalismo econômico primário e a reação neofascista a ele.
A biografia
intelectual escrita por Gareth Dale, Karl Polanyi: A Life on the Left [Karl Polanyi: Uma vida à Esquerda —
Columbia University Press, 2013], fez um fino trabalho de
mergulhar no homem, seu trabalho e a configuração política e intelectual em que
ele se desenvolveu. Esta não é a primeira biografia de Polanyi, mas é a mais
abrangente. Dale, cientista político que ensina na Brunel University em
Londres, também escreveu um livro anterior, Karl Polanyi: The Limits of the Market (2010),
sobre seu pensamento econômico.
Polanyi
nasceu em 1886 em Viena, em uma ilustre família judaica. Seu pai, Mihály
Pollacsek, emigrou da região dos Cárpatos do Império Habsburgo e formou-se
engenheiro na Suíça. Ele era empregado do vigoroso sistema ferroviário do
império. No final da década de 1880, Mihály mudou a família para Budapeste, de
acordo com o Arquivo Polanyi. Embora tenha mantido seu sobrenome, ele adaptou o
dos filhos para ao magiar (húngaro) Polanyi em
1904 — o mesmo ano em que Karl iniciou estudos na Universidade de Budapeste. A
mãe de Karl, Cecile, a filha bem educada de um rabino de Vilna (Lituânia), era
uma feminista pioneira. Ela fundou um colégio de mulheres em 1912, escreveu
para periódicos de língua alemã em Budapeste e Berlim e presidiu um dos salões
literários de Budapeste.
Em casa, o
alemão e o húngaro eram falados (juntamente com o francês “à mesa”); e o inglês
foi aprendido, conta Dale. As cinco crianças Polanyi também estudaram grego e
latim. No quarto de século antes da Primeira Guerra Mundial, Budapeste era um
oásis de tolerância liberal. Tal como em Viena, Berlim e Praga, uma grande
proporção da elite profissional e cultural era de judeus assimilados. Em meados
da década de 1890, Dale observa: “a fé judaica recebeu os mesmos privilégios
que as denominações cristãs, e os representantes judeus receberam assentos na
câmara alta do parlamento”.
Com base
em entrevistas, correspondências e textos publicados, Dale evoca a era
vividamente. O círculo de Polanyi em Budapeste, conhecido como A Grande Geração, incluiu
ativistas e teóricos sociais, como seu mentor, Oscar Jaszi; Karl Mannheim; o marxista Georg
Luckács; o irmão mais novo de Karl e seu sparring ideológico, o libertário Michael
Polanyi; os físicos Leo Szilard e Edward Teller; o matemático
John von Neumann; e os compositores Béla Bartok e Zoltan Kadály,
entre muitos outros. Foi nesta estufa que
Polanyi desenvolveu-se, frequentando o ginásio Minta, um dos melhores da cidade
e a seguir a Universidade de Budapeste. Ele foi expulso em 1907, depois de uma
confusão em que antissemitas interromperam uma palestra de um professor
esquerdista popular, Gyula Pikler. Terminou sua graduação em Direito em 1908 na
Universidade Provincial de Kolozsvár (hoje Cluj, na Romênia). Lá, foi um dos
fundadores do jornal de esquerda humanista Círculo Galilei e depois integrou o
conselho editorial do periódico.
Polanyi
tornou-se um dos principais membros do partido político de Jaszi, o Radical, e foi nomeado seu
secretário-geral em 1918. Ele foi atraído pelo socialismo cristão de Robert
Owen e Richard Tawney e e o socialismo comunitário de G.D.H
Cole. Ele contemplou uma fusão do marxismo e do cristianismo. Polanyi talvez
seja melhor classificado como um social-democrata de esquerda — um cético, ao longo
da vida, com a possibilidade de uma sociedade capitalista tolerar um sistema
econômico híbrido.
Quando a
Primeira Guerra Mundial eclodiu, Polanyi alistou-se como oficial de
cavalaria. Quando voltou para casa no final de 1917, sofrendo de desnutrição,
depressão e tifo, Budapeste estava num conflito caótico entre a esquerda e a
direita. Em 1918, o governo húngaro firmou uma paz separada com os Aliados,
rompendo com Viena e imaginando criar uma república liberal. Os acontecimentos
nas ruas ultrapassaram a disputa parlamentar e o líder comunista Béla Kun proclamou
o que acabou por ser uma República soviética húngara de curta duração.
Polanyi
partiu para Viena, tanto para recuperar a saúde como para sair da linha de
frente política. Lá, encontrou sua vocação como jornalista de economia de alto
nível e o amor de sua vida, llona Duczynska, uma polonesa radical de esquerda.
Sua filha, Kari, nascida em 1923, recorda, como um pré-adolescente, que fazia
um clipping recortando
artigos de jornais em três línguas diferentes para o seu pai. Com 94 anos, ela
continua a co-dirigir o Arquivo Polanyi em Montreal.
Polanyi
foi contratado em 1924 para escrever sobre política internacional naquele que
pode ser considerado o equivalente da Europa Central ao The Economist, o
semanário Österreichische
Volkswirt. Ele continuou sua busca por um socialismo viável,
envolvendo-se com outros intelectuais de esquerda e polemizando com a direita,
especialmente com os argumentos do teórico do livre mercado, Ludwig von
Mises. Nos debates, publicados em detalhes, Polanyi mostrava como uma economia
socialista poderia ser capaz de praticar preços eficientes. Mises insistia que
não era. Polanyi argumentava que uma forma descentralizada de socialismo
liderada pelos trabalhadores poderia praticar preços com uma boa precisão. Com
o tempo ele concluiu, diz Dale, que estes argumentos técnicos abstrusos haviam
sido um desperdício de seu tempo.[1]
Uma
resposta prática ao debate com Mises estava se desenrolando ao vivo na Viena
Vermelha. Trabalhadores mobilizados mantiveram um governo socialista municipal
no poder por quase 16 anos depois da I Guerra Mundial. O governo fornecia gás,
água e eletricidade, e construía casas e prédios para os trabalhadores,
financiando-se por impostos pagos pelos ricos — incluindo um imposto para os
funcionários públicos. Havia subsídios familiares para pais e seguro desemprego
municipal para os sindicatos. Nada disso prejudicou a eficiência da economia
privada na Áustria, que era ameaçada pelas políticas infelizes de “austeridade”
econômica criticadas por Polanyi. Depois de 1927, o desemprego aumentou
implacavelmente e os salários diminuíram, o que ajudou a levar ao poder em
1932-1933 um governo austrofascista.
Para
Polanyi, a Viena Vermelha foi tão importante por sua política quanto por sua
economia. A política perversa da Inglaterra de Dickens refletiu a fraqueza
política de sua classe trabalhadora, enquanto a Viena Vermelha era um emblema
da força de sua classe trabalhadora. “Enquanto [a reforma das leis sociais dos
ingleses] causou um verdadeiro desastre para as pessoas comuns”, escreveu ele,
“Viena alcançou um dos triunfos mais espetaculares da história ocidental”. Mas,
como Polanyi ponderou, uma ilha de socialismo municipal não poderia sobreviver
à maior turbulência do mercado e ao fascismo crescente.
Em 1933,
com os fascistas assumindo o governo, Polanyi deixou Viena e foi para Londres.
Lá, com a ajuda de Cole e Tawney, ele encontrou trabalho em um programa de
extensão patrocinado pela Universidade de Oxford, conhecido como Associação
Educacional dos Trabalhadores. Ele ensinou, entre outros temas, a história
industrial inglesa. Sua pesquisa original para essas palestras formou os
primeiros rascunhos de A
Grande Transformação.
Seu
mentor, Oscar Jaszi, também estava agora no exílio e ensinava em Oberlin. Para
complementar o seu reduzido pagamento como adjunto, Polanyi conseguiu se
contratado para conferências em faculdades nos Estados Unidos. Ele encontrou a
América de Roosevelt um contraponto esperançoso à
Europa. Depois que a guerra explodiu, uma dessas viagens de conferência evoluiu
para uma nomeação por três anos no Bennington College, onde completou seu
livro.
O timing para a
publicação de A Grande
Transformação foi auspicioso. O ano de 1944 testemunhou
o Acordo de Bretton Woods, o apelo de Roosevelt por uma Declaração de
Direitos Econômicos e o plano épico de Lord Beverage, Pleno Emprego numa Sociedade Livre.
O que estas iniciativas tinham em comum com o trabalho de Polanyi era a
convicção de que um mercado excessivamente livre nunca mais deveria levar à
miséria humana, que termina no fascismo.
No
entanto, o livro de Polanyi foi inicialmente recebido com um silêncio
retumbante. Isto, penso eu, foi o resultado de dois fatores.
Primeiro,
Polanyi não pertencia a nenhuma disciplina acadêmica e era essencialmente um
autodidata. Dale escreve que quando finalmente lhe foi oferecido um trabalho
como professor de História Econômica em Columbia, em 1947, “os sociólogos
viram-no como um economista, enquanto os economistas pensavam o contrário”. Os
meados do século XX, nos Estados Unidos, foram um período em que a economia
política, o arcabouço institucional, a história do pensamento econômico e a
história econômica entraram em um período de eclipse, em favor de uma visão
formalista. E o pensamento de Polanyi não era uma hipótese que poderia ser
testada.
Segundo e
mais importante, os adversários ideológicos de Polanyi gozavam de prestígio e
eram promovidos, enquanto ele contava apenas o poder de suas ideias. Mises,
como Polanyi, não tinha credenciais acadêmicas. Mas ele conduziu um influente
seminário privado a partir de seu cargo como secretário da Câmara de Comércio
da Áustria. O seminário desenvolveu a escola de economia ultraliberal
austríaca. O primeiro aluno de Mises foi Friedrich Hayek. Como teórico
do laissez-faire financiado
por empresários, Mises antecipou a Fundação Heritage em meio século.
Hayek
afirmou em The Road to
Serfdom [O
Caminho da Servidão, livro que lhe deu o Nobel de Economia em 1974]
que os esforços bem-intencionados do Estado para controlar os mercados
acabariam em despotismo. Mas não há nenhum caso de social-democracia que tenha
derivado em ditadura. A história deu razão a Polanyi, demonstrando que um
mercado livre sem regras é que leva a uma ruptura com a democracia. Hayek
acabou com uma cadeira na London School of Economics, que foi fundada
originalmente pelos socialistas fabianos; a “Escola austríaca” foi
reconhecida como uma escola de economia ultraliberal; e Hayek depois ganhou o
Prêmio Nobel de Economia. O
Caminho da Servidão, também publicado em 1944, foi um best-seller,
publicado em capítulos no Reader’s
Digest. A
Grande Transformaçãode Polanyi vendeu apenas 1.701 cópias em 1944 e
1945.
Quando A Grande Transformação apareceu
em 1944, a resenha no The
New York Times foi seca. O resenhista, John Chamberlain,
escreveu: “Este ensaio maravilhosamente escrito reavalia 150 anos de história e
apresenta um sutil apelo por um novo feudalismo, uma nova escravidão, um novo
status econômico que vai amarrar os homens aos seus lugares de residência e
seus empregos”. Não à toa, esta opinião soa como Hayek: o mesmo Chamberlain
acabara de escrever o prefácio efusivo para O Caminho da Servidão. É o que se poder
chamar de economia política de influência.
No
entanto, o livro de Polanyi recusou-se a desaparecer. Em 1982, seus conceitos
foram a peça central de um impactante artigo do estudioso de relações
internacionais John Gerard Ruggie, que denominou a ordem econômica do
pós-guerra de 1944 de “liberalismo incorporado”. O sistema de Bretton Woods,
escreveu Ruggie, reconciliou o estado com o mercado por “re-incorporar” o
liberalismo econômico na sociedade por meio de políticas democráticas”[2].
O sociólogo dinamarquês Gøsta Esping-Andersen, importante
historiador da social-democracia, usou o conceito polanyiano de ”
desmercantilização” em um livro importante, The Three Worlds of Welfare Capitalism [Os três mundos do
capitalismo do bem-estar social -1990], para descrever como os
social-democratas continham e complementavam o mercado.[3]
Outros
estudiosos que valorizaram as ideias de Polanyi foram os historiadores
políticos Ira Katznelson, Jacob Hacker e Richard Valelly,
o falecido sociólogo Daniel Bell, e os economistas Joseph Stiglitz, Dani
Rodrik e Herman Daly. Por outro lado há pensadores que parecem
essencialmente polanyianos em
sua preocupação com os mercados que invadem os reinos não mercadológicos,
como Michel Walzer, John Kenneth Galbraith, Albert Hirschman e
a premiada com o Prêmio Nobel Elionor Ostrom. Este é o preço que se paga
por ser, na auto-descrição de Hirschman, um intruso.
Exilado
três vezes — de Budapeste para Viena, de Viena para Londres, e mais tarde para
Nova York — Polanyi teve que se mudar mais uma vez quando as autoridades dos
EUA não concederam a sua mulher Ilona um visto, alegando que ela havia sido do
Partido Comunista na década de 1920. Eles mudaram-se para um subúrbio de
Toronto, de onde Polanyi foi para Columbia, até sua aposentadoria em meados da
década de 1950.
Embora
seus entusiastas tendam a se concentrar apenas em A Grande Transformação, o
livro de Dale é precioso para a avaliação sobre Polanyi depois de 1944. Ele
viveu por mais 20 anos, trabalhando no que era conhecido como sistemas econômicos primitivos,
o que lhe deu mais bases para demonstrar que o mercado livre não é uma condição
natural, e que os mercados de fato não têm que predominar sobre o resto da
sociedade. Ao contrário, muitas culturas ancestrais misturaram as formas de
intercâmbio de mercado com relação econômicas e comerciais não mercadológicas.
Ele estudou o tráfico de escravos do Daomé e a economia de Atenas na
Antiguidade, os quais “demonstraram que elementos de redistribuição, reciprocidade
e troca poderiam ser efetivamente fundidos em ‘um todo orgânico’ “. Dale
escreve: “Para Polanyi, a Atenas democrática foi na verdade uma precursora, na
Antiguidade, da Viena vermelha”. Atenas, é claro, estava longe de ser
socialista, mas naquela economia pré-capitalista estavam mescladas formas de
geração de renda mercadológicas e não mercadológicas.
Dale
também aborda os pontos de vista de Polanyi sobre a escalada da Guerra Fria e
sobre a economia mista do
pós-guerra, que muitos agora veem como uma era dourada. Os Trinta Gloriosos [assim
são conhecidos os 30 anos de forte crescimento na economia do pós-guerra, de
1946 a 1975] que combinavam o capitalismo igualitário e a democracia
restaurada, foram sentidos por Polanyi como uma afirmação. Mas ele, tendo
vivido duas guerras, a destruição da Viena socialista, a perda de familiares
durante o nazismo, quatro exílios e longas separações de Ilona, não foi tão
facilmente convencido. Enquanto admirava Roosevelt, ele considerava o governo
trabalhista britânico de 1945 como um exemplo acabado de estado de bem-estar
num sistema ainda capitalista.
Meio
século depois, essa preocupação mostrou-se acertada. Outros viram o sistema de
Bretton Woods como uma maneira elegante de reiniciar o comércio, criando
condições para cada nação-membro administrar suas economias de pleno emprego;
mas Polanyi considerou o sistema como uma extensão da influência do capital.
Isso também pode ter sido profético. Na década de 1980, o FMI e o Banco Mundial
foram transformados em defensores da austeridade, o oposto do que fora
planejado por seu arquiteto, John Maynard Keynes. Ele culpou, pela Guerra
Fria, principalmente a ação dos Aliados. Louvou a visão de Henry Wallace [vice-presidente
dos EUA sob Roosevelt], de que o Ocidente poderia ter conseguido uma acomodação
com Stalin.
Dale não
poupou críticas a Polanyi sobre o que chamou de seu ponto cego em relação
à União Soviética. Em vários momentos das décadas de 1920 e 1930, ele observa,
Polanyi deu sua aprovação a Stalin, mesmo culpando o pacto
Molotov-Ribbentrop de 1940 pelo o anti-sovietismo da Casa Branca. Ele
estava muito otimista quanto às intenções dos soviéticos no período imediato do
pós-guerra. Como membro do Conselho
de Emigrados Húngaros em Londres, ele discutiu com os outros
líderes se o Exército Vermelho deveria ser entendido como um precursor do
socialismo democrático. A libertação soviética da Europa Oriental, insistiu
Polanyi, traria “uma forma de governo representativo baseado em partidos
políticos”.
Comprovado
o erro de sua tese, Polanyi aplaudiu a abortada revolução húngara de 1956.
Mesmo depois de a rebelião ter sido esmagada por tanques soviéticos, ele
encontrou razões para a esperança no comunismo
goulash ligeiramente reformista que se seguiu. Isso era ingênuo, mas
não totalmente equivocado. Embora Polanyi não fosse marxista, havia uma
abertura suficiente na Hungria a ponto de em 1963, um ano antes de sua morte e
bem antes da queda Muro de Berlim, ele ter sido convidado para conferências na
Universidade de Budapeste, sua primeira visita a seu país em quatro décadas.
No
centenário de nascimento de Polanyi, em 1986, Kari
Polanyi-Levittorganizou um simpósio em homenagem a seu pai em
Budapeste. O volume da conferência é um excelente companheiro à biografia de
Dale[4].
Os 25 artigos curtos são escritos por uma mistura de escritores com base no
Ocidente e vários que moravam no que ainda era a Hungria comunista — onde
Polanyi era amplamente lido. A escrita é surpreendentemente exploratória e não
dogmática. Mesmo assim, quando chegou sua vez da falar, Polanyi-Levitt pediu:
“Se me for permitido mais um pedido à Academia Húngara das Ciências … este é
que A Grande Transformação seja disponibilizada aos leitores
húngaros em língua húngara”. Isso foi finalmente feito em 1990. Como muitos no
Ocidente, o regime comunista em Budapeste não tinha certeza do que fazer com
Polanyi.
Hoje,
depois de um interlúdio democrático, a Hungria é um centro da autocracia
ultra-nacionalista. Políticas equivocadas de licenciosidade financeira têm
desempenhado sei papel habitual. Após o colapso financeiro de 2008, o
desemprego húngaro aumentou constantemente, de menos de 8% antes do crash até
quase 12% até o início de 2010. Na eleição de 2010, o Fidesz – Magyar
Polgári Szövetség (União Cívica Húngara), de extrema direita, varreu o
governo de esquerda, ganhando mais do que 2/3 dos assentos parlamentares, o que
possibilitou a “democracia de controle” do primeiro-ministro Viktor Orbán.
Foi mais um eco, de que Polanyi não precisava.
O que,
afinal, devemos fazer com Karl Polanyi? E que lições ele pode oferecer para o
momento presente? Como até mesmo os seus admiradores admitem, algumas de suas
observações eram falhas. Alguns de seus seguidores, Fred Block e Margaret
Somers, ressaltam que sua narrativa da Grã-Bretanha do final do
século XVIII exagera na abrangência da proteção legal aos mais pobres. Seu
famoso estudosobre a Lei dos Pobres ou Lei
Speenhamland, de 1795, cuja assistência pública protegeu os pobres
das primeiras perturbações do capitalismo, exagerou na avaliação de sua
aplicação na Inglaterra como um todo. No entanto, seu relato da reforma
liberal da Lei dos Pobres na década de 1830 foi perfeito. A
intenção e efeito foram expulsar as pessoas da rede de apoio e forçar os
trabalhadores a aceitarem empregos por salários mais baixos.
Pode-se
também argumentar que o fracasso da democracia liberal em conquistar a Europa
Central no século XIX, o que abriu o caminho para o nacionalismo de direita,
teve causas mais complexas do que a disseminação do liberalismo econômico. No
entanto, Polanyi estava certo ao observar que foi a tentativa fracassada de
universalizar o liberalismo de mercado após a Primeira Guerra Mundial que
deixou as democracias fracas, divididas e incapazes de resistir ao fascismo,
até o início da guerra. Neville
Chamberlain é mais lembrado por sua capitulação para Hitler em
Munique em 1938. Mas, no fosso da Grande Depressão, em abril de 1933, quando
Hitler estava consolidando o poder em Berlim e Chamberlain era o chanceler
conservador do Tesouro em Londres, ele afirmou : “Estamos livres desse medo que
nos assola, o medo de que as coisas vão piorar. Nós devemos nossa liberdade ao
fato de termos equilibrado nosso orçamento”. Tal foi a sabedoria convencional
perversa, então e agora.
Um artigo
recente de três cientistas políticos dinamarqueses no Journal of
Democracy questiona se é razoável atribuir o surgimento do fascismo
nas décadas de 1920 e 1930 às políticas liberais do laissez-faire e
ao colapso econômico.[5] Eles
relatam que as democracias bem estabelecidas do noroeste da Europa e das
antigas colônias britânicas do Canadá, dos EUA, da Austrália e da Nova Zelândia
“foram virtualmente imunes às crises persistentes do período entreguerras”,
enquanto as democracias mais novas e mais frágeis da Europa do Sul, Central e
Oriental sucumbiram. Na verdade, os fascistas assumiram brevemente o poder no
noroeste da Europa apenas por invasão e ocupação. No entanto, essa observação
faz de Polanyi uma voz ainda mais profética e ameaçadora sobre o nosso tempo.
Hoje, em grande parte da Europa, os partidos de extrema direita são agora a
segunda ou terceira maior força.
Em suma,
Polanyi pode ter errado aqui e ali, mas conseguiu acertar no grande cenário. A
democracia não pode sobreviver com um mercado excessivamente livre; e conter o
mercado é tarefa da política. Ignorar isso é cortejar o fascismo. Polanyi
escreveu que o fascismo resolveu o problema do mercado desenfreado destruindo a
democracia.
Mas, ao
contrário dos fascistas do período entreguerras, os líderes de extrema direita
de hoje não se ocupam de conter as turbulências no mercado ou proporcionar
empregos dignos através de obras públicas. O Brexit, um espasmo de raiva dos despossuídos, não fará
nada positivo para a classe trabalhadora britânica; e o programa de Donald
Trump é uma mescla de retórica nacionalista e uma aliança ainda mais profunda
do governo com o capitalismo predatório. O descontentamento ainda pode ir para
outro lugar. Assumindo o valor da democracia, pode haver uma mobilização
combativa no espírito do socialismo viável de Polanyi. O pessimista Polanyi
diria que o capitalismo ganhou e a democracia perdeu. O otimista nele
procuraria uma renovação da política popular.
___________________
[1] Tratei do conflito Mises-Hayek-Polanyi em Karl Polanyi Explains It All, no The
American Prospect, maio-jun 2014
[2] John Gerard Ruggie, International
Regimes, Transactions, and Change: Embedded Liberalism in the Postwar Economic
Order, International Organization, Vol. 36, No. 2 (Spring
1982).
[4] The Life and Work of Karl Polanyi: A
Celebration, edited by Kari Polanyi-Levitt (Montreal: Black Rose, 1990).
[5] Agnes Cornell, Jørgen Møller, Svend-Erik Skaaning, The Real Lessons of the Interwar Years, Journal
of Democracy, Vol. 28, No. 3 (July 2017).
Por Robert Kuttner |
Tradução: Mauro Lopes |
Imagem: Cena de “Os
Deuses Malditos”, peça teatral adaptada a partir do filme
homônimo, de Lucchino Visconti
Resenha do livro:
Imprensa da Universidade de Columbia, 381 páginas,
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