BRASILEIRO VIVE METAMORFOSE
POLÍTICA EM MEIO À COMBUSTÃO CARNAVALESCA
Eleitores já começam a
vislumbrar candidatos e a estudar os seus planos de Governo 90% querem
renovação em 2018
A
repulsa popular fez-se ouvir, ao som da batucada e tamborim, em pleno
Carnaval. A campeã Beija-Flor, no Rio de Janeiro, com o mote “Os filhos
abandonados da pátria que os pariu” que o diga. As escolas de samba
fizeram seu ato de repúdio às feridas abertas do país e os líderes dos
blocos carnavalescos também enviaram seu recado de norte a sul. Mais olhos para
o povo, menos governos corruptos. Foi a reação tardia, elaborada em forma de
samba, às reformas poucos debatidas, ao teto de gastos públicos que reduz a
qualidade dos serviços públicos, e às notícias infindáveis da corrupção que
engorda a classe política nacional.
Uma
jovem de São Paulo que se fantasiou de “Paneleira arrependida”, com
camiseta do Brasil e panela na mão, revelava parte do sentimento deste país que
começou a se deprimir a partir de 2014, que degradou a qualidade democrática,
como constatou uma pesquisa da revista The
Economist. É o Brasil em metamorfose que aparece em fevereiro de
2018. É com esse eleitor que os candidatos a virar a página do triste
capítulo da degradação democrática brasileira nos últimos quatro anos vão se
encontrar em outubro. A empresária Tricia, por exemplo, é uma que mudou de
opinião após o terremoto midiático proporcionado pelas delações da Odebrecht e
JBS. Votou em Aécio Neves em 2014, e esteve de verde e amarelo na
avenida Paulista pelo impeachment de Dilma Rousseff em protestos de 2016. As
suspeitas de Aécio com o empresário Joesley Batista e as malas de dinheiro em
torno do episódio foram didáticos para ela. A sujeira não era exclusividade
somente do Partido dos Trabalhadores. Ela, que já havia votado em candidatos
tucanos algumas vezes, flerta com a possibilidade de ajudar a eleger Ciro
Gomes. Assiste a suas entrevistas e vídeos na internet de modo a conhecer
melhor o seu perfil
Em
2015 e 2016, Tricia passaria por ‘coxinha’ ou estaria à direita no espectro dos
tribunais populares das redes sociais. Mas o Brasil que se tornou mais complexo
nos últimos quatro anos a fez ficar bem atenta ao jogo político. Hoje correria
o risco de ser taxada de 'esquerdopata'. A empresária deu-se conta que sua
afinidade sempre foi por pautas progressistas, o que a coloca neste ano mais
perto de um candidato que ela nunca havia cogitado. “ Jair Bolsonaro ou Lula,
nem pensar”, afirma.
Como
ela, eleitores afeitos ao PT até 2014 hoje não querem ouvir falar na
possibilidade de Lula, ou outro nome da legenda, voltar ao poder. Há ainda os
que se armam de argumentos para firmar voto em Bolsonaro, “que não é corrupto
como os outros”. “Ele é polêmico, mas é melhor do que existe aí”, disse Jociel,
um jovem de 20 anos que vendia camisetas do seu candidato na avenida Paulista
no dia em que Lula era condenado pelo TRF-4. Outras pessoas que estão
claramente à espera um sim de Luciano Huck para Elegê-lo presidente. É o caso
de Fábio Cristilli, executivo de uma multinacional e investidor, residente nos
Estados Unidos. Depois de várias decepções, divorciou-se da classe política e
não vê possibilidade de mudança nos nomes que estão sendo aventados. Huck,
empresário que conhece o sucesso nos negócios, teria mais sensibilidade para as
transformações profundas que o Brasil precisa. “Enxergo nele um possível agente
de mudança, pois é também um empresario de sucesso, que trafega em todos os
setores da sociedade. Estamos em um momento em que a conversa no mundo já mudou
de patamar. Vá explicar o que é a necessidade de investir em inovação e os seus
benefícios a um político?! Estão todos atrasados”, analisa Fabio Cristilli,
executivo e investidor em startups do Brasil e dos Estados Unidos.
O
único consenso em 2018 é que o país mudou drasticamente em relação à última
eleição. Nem todas as análises estão captando essa mutação. Naquele ano, Dilma
era reeleita, ainda sob alguma inércia pelos anos dourados do PT. As pesquisas
de opinião da época revelavam que os brasileiros queriam mudanças, mas não
havia um projeto consistente, que se tornasse alternativa ao programa petista,
como lembrou Marcia Cavallari, diretora do Ibope, em entrevista a este
jornal em fevereiro de de 2014.
De lá
para cá muita coisa alterou a ordem dos fatores. Lava Jato, recessão econômica
profunda, a consolidação do poder das redes sociais. “Eu não era tão ligado em
política há quatro anos. O fato de tanta gente começar a discutir o assunto nas
redes acabou me induzindo a ficar mais conectado”, comenta Rafael, de 30 anos,
que atua como profissional de marketing em uma multinacional. O tiroteio
virtual do Brasil polarizado fez com que ele refletisse mais sobre a situação
nacional num momento em que viu, por primeira vez, muitos amigos ao redor
perderem seus empregos para a recessão.
A
mesma rede virtual mostrou seu poder de elevar heróis rapidamente em disputas
políticas, mas também de reduzi-los quando a mensagem não ecoa a ação. Caso do
prefeito de São Paulo, João Doria, eleito em 2016 em primeiro turno, um feito
inédito para a cidade mais rica do Brasil. Seu capital político parecia
indestrutível na era do ódio aos políticos, em especial, ao ex-presidente Lula
da Silva. A celebração pela chegada do empresário, que repetia não ser
político, mas gestor, parecia unânime e seus índices de aprovação se mantiveram
em alta nas primeiras pesquisas de opinião. Parecia líquido e certo que ele
abria ali um caminho para o Planalto. Doria era bajulado por empresários,
políticos e líderes de outros partidos, a ponto de o prefeito acreditar que era
ele o escolhido a suceder Temer na presidência em 2018 – passando por cima,
inclusive, de uma eventual prévia com seu padrinho, o governador Geraldo
Alckmin.
O ovo
que atingiu sua cabeça em sua chegada a Salvador em agosto do ano passado, parece,
aos olhos de hoje, que era um prenúncio de que nem tudo ficaria bem na fita.
Depois de chamar grevistas de vagabundos, de gravar vídeo chamando Alberto
Goldman de “velhaco” , veio o lançamento fracassado da farinata, que ficou
conhecida como “ração para pobres”. O prefeito foi perdendo rapidamente ‘valor
de mercado’ no mundo político, com uma reprovação popular que chegou a 41% no
final de 2017.
Agora,
a classe política corre para oferecer um projeto consistente que atenda à
demanda popular. Tarefa árdua num momento em que a população volta a ganhar
poder em um ano eleitoral. Nos Whatsapp, por exemplo, já correm as listas de
candidatos que estão sendo investigados e que perdem o foro privilegiado caso
não sejam eleitos. Muita gente parou de falar de política no Facebook para não
se aborrecer com amigos, mas não deixa de debater o assunto na mesa do bar. Uma
pesquisa do instituto Locomotiva aponta que mais de 90% dos brasileiros
acreditam que é preciso formar novas lideranças políticas e 88% avaliam que é necessário
mais espaço para cidadãos comuns se candidatarem.
O mesmo levantamento mostra
que nove em cada dez entrevistados disseram apoiar movimentos de renovação da
classe política. A margem, no entanto, é estreita e não há ilusões de que a
mudança acontecerá de um dia para outro. “A gente tem de trocar esses péssimos
parlamentares por outros menos ruins. E assim vamos trocando a cada eleição”,
avaliava o taxista Bruno, de Brasília, na semana passada. Para uma boa parcela,
no entanto, mudar significa voltar a Lula, como revelam as pesquisas
eleitorais. Mas, ameaçado por sua situação jurídica, o ex-presidente petista
pode passar o bastão a outro candidato do partido e encarar um embate entre os
fieis seguidores do PT e os que odeiam a sigla. Rafael, profissional de
marketing, já faz outro cálculo para a eleição deste ano. “O voto, às vezes, é
um instrumento de proteção”, diz ele, pensando nos nomes que não quer ver
eleitos. De um jeito ou de outro, a política já é está na boca do povo muito
antes de outubro chegar.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/14/politica/1518641794_108934.html
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