“HOJE
O INDIVÍDUO SE EXPLORA E ACREDITA QUE ISSO É REALIZAÇÃO”
![Byung-Chul Han](https://ep01.epimg.net/brasil/imagenes/2018/02/07/cultura/1517989873_086219_1518011048_noticia_normal.jpg)
O filósofo sul-coreano
Byung-Chul Han, um destacado dissecador da sociedade do hiperconsumismo, fala
sobre suas críticas ao “inferno do igual”.
As
Torres Gêmeas, edifícios idênticos que se refletem mutuamente, um sistema
fechado em si mesmo, impondo o igual e excluindo o diferente e que foram alvo
de um ataque que abriu um buraco no sistema global do igual. Ou as pessoas
praticando bing watching (maratonas de séries), visualizando continuamente só aquilo que gostam: mais uma vez, multiplicando o igual, nunca o diferente ou o outro... São duas das poderosas imagens utilizadas pelo filósofo sul coreano Byung-Chul Han (Seul 1959), um dos mais reconhecidos dissecadores dos males que acometem a sociedade hiperconsumista e neoliberal depois da queda do Muro de Berlim. Livros como A Sociedade do Cansaço, Psicopolítica e a Expulsão do Diferente reúnem seu denso discurso intelectual, que ele desenvolve sempre em rede: conecta tudo, como faz com suas mãos muito abertas, de dedos longos que se juntam enquanto ajeita um curto rabo de cavalo.
“No 1984 orweliano a sociedade era consciente de que estava
sendo dominada; hoje não temos nem essa consciência de dominação”, alertou em
sua palestra no Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona (CCCB), na
Espanha, onde o professor formado e radicado na Alemanha falou sobre a expulsão
da diferença. E expôs sua particular visão de mundo, construída a partir da
tese de que os indivíduos hoje se auto exploram e têm pavor do outro, do
diferente. Vivendo, assim, “no deserto, ou no inferno, do igual”.
Autenticidade. Para Han, as
pessoas se vendem como autênticas porque “todos querem ser diferentes uns dos
outros”, o que força a “produzir a si mesmo”. E é impossível ser
verdadeiramente diferente hoje porque “nessa vontade de ser diferente prossegue
o igual”. Resultado: o sistema só permite que existam “diferenças
comercializáveis”.
Autoexploração. Na opinião do
filósofo, passou-se do “dever fazer” para o “poder fazer”. “Vive-se com a
angústia de não estar fazendo tudo o que poderia ser feito”, e se você não é um
vencedor, a culpa é sua. “Hoje a pessoa explora a si mesma achando que está se
realizando; é a lógica traiçoeira do neoliberalismo que culmina na síndrome
de burnout”. E a consequência: “Não
há mais contra quem direcionar a revolução, a repressão não vem mais dos
outros”. É “a alienação de si mesmo”, que no físico se traduz em anorexias ou
em compulsão alimentar ou no consumo exagerado de produtos ou entretenimento.
‘Big
data’.”Os macrodados tornam
supérfluo o pensamento porque se tudo é quantificável, tudo é igual... Estamos
em pleno dataísmo: o homem não é mais soberano de si mesmo, mas resultado de
uma operação algorítmica que o domina sem que ele perceba; vemos isso na China
com a concessão de vistos segundo os dados geridos pelo Estado ou na técnica do
reconhecimento facial”. A revolta implicaria em deixar de compartilhar dados ou
sair das redes sociais? “Não podemos nos recusar a fornecê-los: uma serra
também pode cortar cabeças... É preciso ajustar o sistema: o ebook foi
feito para que eu o leia, não para que eu seja lido através de algoritmos... Ou
será que o algoritmo agora fará o homem? Nos Estados Unidos vimos a
influência do Facebook nas eleições... Precisamos de uma carta digital que
recupere a dignidade humana e pensar em uma renda básica para as profissões que
serão devoradas pelas novas tecnologias”.
Comunicação. “Sem a presença do
outro, a comunicação degenera em um intercâmbio de informação: as relações são
substituídas pelas conexões, e assim só se conecta com o igual; a comunicação
digital é somente visual, perdemos todos os sentidos; vivemos uma fase em que a
comunicação está debilitada como nunca: a comunicação global e dos likes só
tolera os mais iguais; o igual não dói!”.
Jardim. “Eu sou diferente;
estou cercado de aparelhos analógicos: tive dois pianos de 400 quilos e por
três anos cultivei um jardim secreto que me deu contato com a realidade: cores,
aromas, sensações... Permitiu-me perceber a alteridade da terra: a terra tinha
peso, fazia tudo com as mãos; o digital não pesa, não tem cheiro, não opõe
resistência, você passa um dedo e pronto... É a abolição da realidade; meu
próximo livro será esse: Elogio da Terra. O Jardim
Secreto. A terra é mais do que dígitos e números.
Narcisismo. Han afirma que “ser
observado hoje é um aspecto central do ser no mundo”. O problema reside no fato
de que “o narcisista é cego na hora de ver o outro” e, sem esse outro, “não se
pode produzir o sentimento de autoestima”. O narcisismo teria chegado também
àquela que deveria ser uma panaceia, a arte: “Degenerou em narcisismo, está ao
serviço do consumo, pagam-se quantias injustificadas por ela, já é vítima do
sistema; se fosse alheia ao sistema, seria uma narrativa nova, mas não é”.
Os
outros.
Esta é a chave para suas reflexões mais recentes. “Quanto mais iguais são as
pessoas, mais aumenta a produção; essa é a lógica atual; o capital precisa que
todos sejamos iguais, até mesmo os turistas; o neoliberalismo não funcionaria
se as pessoas fossem diferentes”. Por isso propõe “retornar ao animal original,
que não consome nem se comunica de forma desenfreada; não tenho soluções
concretas, mas talvez o sistema acabe desmoronando por si mesmo... Em todo
caso, vivemos uma época de conformismo radical: a universidade tem clientes e só
cria trabalhadores, não forma espiritualmente; o mundo está no limite de sua
capacidade; talvez assim chegue a um curto-circuito e recuperemos aquele animal
original”.
Refugiados. Han é muito claro:
com o atual sistema neoliberal “não se sente preocupação, medo ou aversão pelos
refugiados, na verdade são vistos como um peso, com ressentimento ou inveja”; a
prova é que logo o mundo ocidental vai veranear em seus países.
Tempo. É preciso
revolucionar o uso do tempo, afirma o filósofo, professor em Berlim. “A
aceleração atual diminui a capacidade de permanecer: precisamos de um tempo
próprio que o sistema produtivo não nos deixa ter; necessitamos de um tempo
livre, que significa ficar parado, sem nada produtivo a fazer, mas que não deve
ser confundido com um tempo de recuperação para continuar trabalhando; o tempo
trabalhado é tempo perdido, não é um tempo para nós”.
O “MONSTRO” DA UNIÃO EUROPEIA
“Estamos na Rede, mas
não escutamos o outro, só fazemos barulho”, diz Byung-Chul Han, que viaja o
necessário, mas não faz turismo “para não participar do fluxo de mercadorias e
pessoas”. Também defende uma política nova. E a relaciona com a Catalunha, tema
cuja tensão atenua brincando:
“Se Puigdemont
prometer voltar ao animal original, eu me torno separatista”.
Já no aspecto
político, enquadra o assunto no contexto da União Europeia: “A UE não foi uma
união de sentimentos, mas sim comercial; é um monstro burocrático fora de toda
lógica democrática; funciona por decretos...; nesta globalização abstrata
acontece um duelo entre o não lugar e a necessidade de ser de um lugar
concreto; o especial é incômodo, gera desassossego e arrebenta o regional.
Hegel dizia que a verdade é a reconciliação entre o geral e o particular e
isso, hoje, é mais difícil...”. Mas recorre à sua revolução do tempo: “O
casamento faz parte da recuperação do tempo livre: vamos ver se haverá um
casamento entre a Catalunha e Espanha, e uma reconciliação”.
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/07/cultura/1517989873_086219.html
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