Reflexões
acerca da obra
“O que resta de
Auschwitz: o arquivo e a testemunha”
Passagens da Introdução da obra
(...)
Talvez se possa
dizer que a originalidade e a potencialidade de um pensador está em colocar o
próprio tempo em pensamento. Agamben, homem do século XX, desenvolve a
intensidade de suas reflexões na segunda metade daquele século, marcado pela
experiência do pós-guerra, pela violência perpetrada nos campos de concentração
e, diante de tais situações procura diagnosticar e compreender as intrincadas
relações que se estabelecem entre política, direito e economia. “Política,
economia e direito se dissolvem no movimento de um caleidoscópio incoerente e
multiforme” (NASCIMENTO, 2012, p. 105).
O empenho compreensivo do que esta acontecendo requer a
constituição de uma ontologia do presente. Tarefa hercúlea, exigente e por
decorrência de um tempo em movimento, em certos contextos assistemáticos,
manifestando o esforço do pensamento compreensivo por deslocamentos conceituais
e teóricos. Em determinadas situações investigativas requer-se um retorno
(genealogia) as categorias conceituais a partir das quais o Ocidente estrutura
a dinâmica da política, da economia e do direito na contemporaneidade. É
preciso investigar nos arquivos civilizatórios ocidentais (arqueologia) em
busca dos conceitos consolidados e transformados em paradigmas civilizatórios.
Estes intrincados movimentos colocados em curso pelo pensador italiano na
composição de suas obras pode nos ajudar a compreender a (des) ordem aparente
das publicações que compõe a obra Homo Sacer.
(...)
Se num primeiro momento Auschwitz nos aterroriza pela
brutalidade da racionalidade científica, técnica e, sobretudo com a conivência
de largas parcelas da sociedade alemã e européia dos anos 30 e 40 do século XX,
com que milhões de vidas humanas foram aniquiladas, apagadas da face da terra, num
segundo momento nos convoca a refletir sobre a estrutura ontológica, política,
jurídica constitutiva do Ocidente. Agamben argumenta de a política desde suas
origens se apresenta como biopolítica, como captura e administrabilidade da
vida e da morte em sua biologicidade. “Auschwitz” também é prova, por assim
dizer, sempre viva de que o nomos (a lei, a norma) do espaço político
contemporâneo – portanto, não do espaço político específico do regime nazista –
não é mais a bela (e idealizada) construção da cidade comum (pólis), mas
sim o campo de concentração” (GAGNEBIN, 2008, p. 09).
No “experimento” do campo de concentração a vida nua do
homo sacer administrada no estado de exceção pelo poder soberano se apresentou
em toda sua intensidade e profundidade, como o sequestro da vida pelo biopoder.
Desta forma, para Agamben, o campo de concentração apresenta-se como
resultante, senão como síntese da política ocidental, que desde seus primórdios
configura-se como biopolítica. Assim, o “muçulmano” é a figura contemporânea do
homo sacer presente no direito romano arcaico, daquele que pode ser morto sem
que sua morte se constitua como homicídio, ou sacrifício.
Sob tais pressupostos e, de acordo com argumentos já
apresentados anteriormente, a obra: “O que resta de Auschwitz: o arquivo e a
testemunha” se apresenta num primeiro momento como síntese analítica entre as
obras: “Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua” e “Estado de Exceção,
afirmando que o paradigma de organização das sociedades contemporâneas é o
campo de concentração.
Vivemos e morremos em espaços urbanos controlados, em
cidades vigiadas diuturnamente. Os espaços urbanos nos quais transitamos são
monitorados, filmados, organizados para a gestão econômica e administrativa da
vida biológica de indivíduos e populações. O paradoxo que Agamben aponta se
apresenta em perspectivas diversas, entre elas: 1º A profundidade de nossa
inserção no campo de concentração, ao ponto de não nos darmos mais conta de que
estamos sendo vigiados, controlados nas mais ínfimas escolhas que fazemos, nos
espaços urbanos em que transitamos, ou não transitamos, do que nos é possível
fazer, decidir, optar. 2º Buscamos cotidianamente no campo em que se
circunscreve a vida, segurança e, ao proceder deste modo abrimos mão da
liberdade de escolha, de fazer da vida uma obra de arte, que se afaste da
reprodutibilidade massificada cotidianamente a que é submetida a vida das
populações, das massas humanas tomadas como recursos a serem administrados.
Num segundo momento se pode anunciar que a referida obra
coloca em análise a questão do testemunho. Ou seja, quem pode de fato
testemunhar sobre a gestão administrativa da vida em que os seres humanos estão
inseridos? Quem são as verdadeiras testemunhas? Quem é o sujeito do testemunho?
De que experiência esta falando aquele que testemunha? Se de fato estamos
inseridos na plenitude do campo de concentração, sob os desdobramentos
bioplíticos na forma de um biopoder que decide pela potencialização da vida e
da morte dos homini sacri, quem poderá dar testemunho? Não estaríamos
diante da morte da testemunha e, por extensão da possibilidade de que ainda
possa se apresentar algum testemunho?
Obra publicada em 2018 pela Editora Liber Ars.
Autores: Felipe Onisto
Leila Aparecida Grein
Maria Benedita de Paula e Silva Polomanei
Paulo Flávio de Andrade
Priscila Noemberg
Sandro Luiz Bazzanella
Terezinha de Fátima Juraczky Scziminski
Site da Editora: https://www.liberars.com.br/
https://www.liberars.com.br/buscar?q=A+atualidade+de+auschwitz
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