SEGUNDO TURNO 2018 – SEJA O QUE dEUS QUISER...???
Os Gregos
antigos sabiam que a democracia não era o melhor regime de governo. Em certos
contextos transforma-se na tirania da maioria sobre a minoria. A morte de
Sócrates em 399 a.C é resultado da crise da democracia ateniense. No século V
a.C (o século de Péricles) a cidade-estado de Atenas, após a vitória na guerra
do Peloponeso, alcança a pujança econômica, militar e seu esplendor político
criando a democracia. No século seguinte,
IV a.C., Atenas entra em crise e a democracia se transforma em tirania.
A
politóloga alemã Hannah Arendt (1906-1975) em sua extensa e profunda obra: “As
Origens de Totalitarismo”, demonstra que as experiências totalitárias nazistas
e fascistas, nas primeiras décadas do século XX, foram resultantes da crise da
democracia de mercado no contexto do nascente estado moderno de fins do século
XIX.
Arendt
aprofunda o argumento na obra: “A Condição Humana” e demonstra que a
modernidade, ao potencializar a esfera privada da vida, atrelada à centralidade
da economia (economia-política) constitui a sociedade de massas. Nas sociedades
de massas modernas dois fenômenos se apresentam: 1. A redução do ser humano
integrado a uma comunidade de sentido à centralidade de sua condição de
trabalhador expropriado de sua relação vital e temporal como o espaço público,
bem como com o cuidado com o mundo. O trabalhador expropriado do resultado de
seu trabalho é transformado em produtor de mercadorias em tempo integral. 2.
Ato contínuo o trabalhador é novamente transformado em consumidor. A relação
com o espaço público e com o mundo passa a ser de descartabilidade, de consumo
de si mesmo no tempo dispendido da produção e, no consumo, das relações
pessoais, sociais e com o mundo em seu entorno.
Ao longo de
sua obra, a politóloga demonstra que o indivíduo ensimesmado, ansioso e
comprometido com sua capacidade de produção e consumo, conforma com outros
indivíduos uma sociedade de massas. Nas sociedades de massas viceja a razão
instrumental, o fazer simplesmente porque se pode, ou deve ser feito. Ação
desprovida de capacidade ética e política de avaliar o impacto sobre a vida da
coletividade, sobre o espaço público. Interessa salvaguardar os interesses
individuais. Sociedades de massas
demonstram traços de acefalia. Em detrimento da compreensão dos fatos e
acontecimentos apresenta-se a imediatez da reação apaixonada, ensandecida,
intolerante e embrutecida. Neste contexto, materializa-se a opinião pública,
expressão acéfala das sociedades de massas. O marketing e os marqueteiros sabem
muito bem disto.
Ora, a
democracia é exigente. Requer “Cidadãos”. Pessoas comprometidas com a afirmação
do espaço público. Pessoas que tenham capacidade de compreensão dos desafios do
tempo presente, de rearticular um projeto de desenvolvimento nacional
consistente. Pessoas que tenham capacidade de compreender a importância da
relação entre Estado, sociedade e desenvolvimento. Cidadãos que se empenhem em
debater a justa medida entre protagonismo estatal e liberdade individual e
social. Pessoas que tenham senso estético, que tenham apreço pela beleza das
relações e do espaço público. É no conjunto destas relações e embates que se
constituem instituições consistentes capazes de mediar e garantir a democracia.
Certamente
uma sociedade democrática não se constitui a partir da ingênua defesa da
opinião pública no contexto de uma sociedade de massas. Nestas eleições, a
sociedade brasileira está diante de si mesma. Autoritária, patrimonialista,
fisiológica e messiânica. Ensandecida e embrutecida, praticamente aniquilou uma
das principais instituições que alicerçam a democracia, os partidos
políticos. Desprovidos dos partidos
políticos, o debate em torno do papel do Estado e de sua relação com a
sociedade e as condições de possibilidade do desenvolvimento se esvai.
Nos últimos
anos a moralização da política, alicerçada no combate à corrupção dos agentes
públicos (desconsiderando que a corrupção permeia as relações sociais e
individuais cotidianas), associada ao ativismo da corporação moralista do
judiciário e articulada com a espetacularização midiática, insuflaram a opinião
pública promovendo a condenação por “convicção” da classe política e dos
partidos políticos. A cena é dantesca.
Talvez
muitos dos leitores desta coluna desconhecem o partido de Jair Bolsonaro. Em
relação ao partido do candidato Fernando Haddad vociferam a plenos pulmões pelo
seu aniquilamento como responsável por excelência de todos os males e
inconsistências que nos assolam como sociedade brasileira. Na cena política do
segundo turno, apenas os indivíduos Jair e Fernando se apresentam procurando
convencer o indivíduo eleitor a partir de questões pontuais. Desgraçadamente o
debate em torno de um projeto de estado e de desenvolvimento não se apresenta.
No bojo
destas contradições políticas, insofismáveis agentes financeiros, rentistas,
operadores do mercado e da economia financeirizada desconsideram a autonomia
dos povos e de suas cartas constitucionais e, sobretudo de que a riqueza
produzida e concentrada é fruto do trabalho humano. Destilam o imperativo de
que a economia é um fim em si mesmo, de que o humano é apenas um meio. Neste
contexto, promover a qualidade de vida (educação, saúde, segurança) a parcelas
da população é despesa e inviabiliza o regime de acumulação de capital, do qual
o Estado é a agência garantidora. Nesta seara os indivíduos têm direito a
educação, a saúde, a previdência, a segurança desde que paguem por estes
serviços aos respectivos investidores e seus vorazes fundos. Paradoxalmente
todos advogam em defesa da democracia, mesmo que não saibam o que significa
democracia neste contexto.
A
filosofia, memória semântica da civilização ocidental, demonstra que a
democracia não viceja nas sociedades de massas espetacularizadas e
ensandecidas. O que viceja é a racionalidade instrumental, a solução simplista,
o embrutecimento e a intolerância. Já vimos este filme antes. Nos anos 90
(século XX), o messianismo de Fernando Collor varreu o país de norte a sul.
Meses após a eleição, a massa de seus eleitores motivados pela crença na
“Reconstrução Nacional” (PRN) envergonhada e atônita diante de escândalos o
abandona. Instabilidade política, econômica e ausência de um projeto de
desenvolvimento nacional foram os resultados desta onda messiânica propagada
pelo caçador de “marajás”, sob os auspícios de defesa da democracia.
Tudo indica
que a sociedade brasileira aprendeu pouco, ou quase nada. O espírito
republicano necessário à constituição das instituições e afirmação da
democracia é um corpo estranho, alienígena nestas terras. Os pressupostos
liberais (liberdade de iniciativa e igualdade de condições como ponto de
partida) não vicejam em contextos sociais autoritários e patrimonialistas. O Novo (nasceu velho), a reconstrução
nacional, a refundação da república, o fim dos privilégios; o social liberal, o
suposto socialismo venezuelano, chavista, o comunismo que come crianças...
bravatas. Insanidades. Mediocridade. Variáveis da vociferação de uma sociedade
de zeros somados, de animais de rebanho. Indivíduos desprovidos do apreço pela
educação, pela compreensão dos conceitos, pela elaboração do bom argumento,
pela primazia do espaço público sobre o interesse privado, por fazer a coisa
certa.
Aqui vale referência a duas
passagens do rock nacional: Música:Ôoo, boi (Zé Ramalho) – “Vocês
que fazem parte dessa massa; Que passa nos projetos do futuro (...) Ê, ô, ô, vida de gado;
Povo marcado, ê!Povo feliz!”
Música: Toda forma de poder (Engenheiros
do Havaí) – “Toda forma de poder é uma forma de
morrer por nada; Toda forma de conduta se transforma numa luta armada; A
história se repete; Mas a força deixa a história mal contada’’.
E,
sobretudo não me confundam. Se a saída não se encontra na esquerda, seguramente
não será pela extrema-direita protofascista. O centro derreteu. Deus está
morto. Em física a linha reta é o menor caminho entre os pontos A e B.Na
política a linha reta é o menor caminho para o autoritarismo. Política requer
senso estético, bom senso, capacidade de negociação em torno da preservação do
bem comum.
Sociedade
de bárbaros autoritários e patrimonialistas que se multiplicam
cotidianamente... Boa sorte a todos nós
e, seja o que dEUS quiser... se é que ele quer alguma coisa neste contexto de
incompreensões e de ausência de bom senso.
Sandro
Luiz Bazzanella
Professor
de Filosofia
Fonte: http://jmais.com.br/segundo-turno-2018-seja-o-que-deus-quiser/
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