SERÁ QUE
O ZÉ PODE SER PRESIDENTE?
A resposta a esta
questão é simples “taoquei”!(?) Legalmente não. Para ser presidente o Zé
precisaria ter filiação partidária e registrado candidatura a presidente nas
condições e prazos estabelecidos pela justiça eleitoral. Mas, depende. Se
a questão for levada ao plenário da primeira turma do STF (Supremo Tribunal
Federal) a (in)decisão pode ser diferente. Neste âmbito tudo depende da
interpretação da letra morta (ou excessivamente viva) da lei, a luz dos
interesses e desinteresses em jogo.
Independente
da legalidade, da legitimidade desta situação, seria interessante ter um
presidente que atende pelo apelido diminutivo de Zé. Em 2016, segundo o IBGE
“José” era o segundo nome mais popular no Brasil atrás apenas do nome feminino
“Maria”. No ano da referida pesquisa 5.754.529 de brasileiros (cinco milhões,
setecentos e cinquenta e quatro mil, quinhentos e vinte) atendiam pelo nome
José. De fato, o nome José é vistoso desde longa data, vejamos alguns
exemplos: José (o carpinteiro) era o pai de J.C. (Jesus Cristo)
santificado pela Igreja Católica Apostólica Romana com a nomenclatura São José.
D. José I, “O reformador” foi rei de Portugal entre 1714 a 1777. José Bonifácio
de Andrada e Silva Santos (1763-1838) foi naturalista, poeta e estadista,
desempenhou papel decisivo na independência do Brasil em 1822. No cinema
brasileiro encontramos o diretor, ator e roteirista José Mojica Marins (1936) e
seu famoso personagem “Zé do Caixão”. Na literatura José de Alencar (1829-1877)
fundou o romance de temática nacional, bem como foi patrono da cadeira fundada
por Machado de Assis (1839-1908) na Academia Brasileira de letras. E lembremos
ainda do José de Alencar Gome da Silva (1931-2011), que foi o 23º
vice-presidente do Brasil de 2003 a 2011. E poderíamos listar inúmeras
outras personalidades brasileiras, ou estrangeiras, religiosas, políticas, ou
militares que atendiam ou atendem pelo nome José. Mas, convém fazermos
referências aos personagens anônimos que caminharam e caminham entre nós em sua
cotidianidade: o José agricultor, o José professor, o José pedreiro, o José…
Zé,
apelido diminutivo do nome José pode ser uma forma econômica de pronúncia do
nome do sujeito. Pode ser expressão de apreço, de estima, de amizade pelo amigo
José. Quem de nós já não ouviu, ou viu (ou mesmo participou diretamente da
cena) alguém do outro lado da rua gritar: “E ai Zé!”; “Fala Zé”; “Te mexe
Zé”. Mas, em outras situações e expressões, Zé pode ser alvo de críticas,
de demarcação de sua condição social, entre elas vimos ou ouvimos as
expressões: “é um Zé ruela”, ou ainda, “é um Zé mané”, entre outras. Seja
o Zé famoso, seja o Zé mergulhado no anonimato, seja o Zé desprovido de status social
constatamos que o nome José sempre esteve e está presente em momentos decisivos
da história da humanidade, de povos e países e, sobretudo do Brasil. Ou seja,
com toda a importância social e política aos longos dos séculos dos inúmeros
“Josés”, Zé de Abreu (1946) tem o direito moral e intransferível de se
autoproclamar presidente do Brasil.
A atitude
de Zé de Abreu de se autoproclamar presidente do Brasil é uma atitude irônica.
A ironia é uma forma de expressão literária e retórica, cuja principal
característica é afirmar, ou expressar o contrário daquilo que se está
afirmando, ou expressando. Ainda nesta direção, é uma forma de expressão
jocosa, humorada, zombeteira diante da vontade de verdade, da vontade de
seriedade, a partir da qual alguém deseja impor uma situação como realidade
efetiva. Assim, o exercício da ironia é um convite ao interlocutor para o
exercício do pensamento, para o exercício do questionamento de determinada
situação, de determinada realidade. Vale lembrar aqui da ironia como um dos
momentos do método utilizado por Sócrates (469 a.C. a 399 a.C.) na Grécia
Antiga, ao dialogar com seus concidadãos em torno da crise da democracia
ateniense. O outro momento do método socrático era a maiêutica.
Em tempos
de “apagão do pensamento”, marcado entre outras coisas pelas fakenews, por “laranjas”
(lembrar aqui de Stanley Kubrick – “Laranja Mecânica”, 1972); pelo
desapreço e ato contínuo pelo preconceito em relação aos conceitos e tradições
do pensamento, de fato de direita, e de fato de esquerda; pelas
instabilidades institucionais; pela banalização do conceito de democracia e de
suas instituições representativas; pela redução das funções do Estado reduzido
a agência garantidora dos contratos de remuneração do capital especulativo
global, a ironia é bem-vinda, senão um convite para o exercício do pensamento.
Mais do que isto,
diante de obtusidades “twittadas” (twitter) pela junta familiar apoiada pelos
reservistas de plantão que (des)governam o Estado e o país; dos arroubos
nacionalistas do ministro da educação, dos demais ministros de plantão,
deputados e senadores da chamada “Nova Política”, bem como das inúmeras
corporações, entre elas os membros do judiciário, que se locupletam com os
recursos públicos por meio de auxílios viagem, alimentação, saúde,
moradia, bem como de privilégios previdenciários, a atitude irônica do Zé de
Abreu nos leva aos seguintes questionamentos: quem de fato representam aqueles
que dizem que governam? Qual a função do Estado? Qual a justificativa para a
aceitação, senão submissão a um Estado patrimonial que alimenta generosamente a
voracidade dos grupos e corporações que o controlam? Qual a justificativa
para a aceitação, senão submissão a um Estado patrimonial e fisiológico, que
suga vampirescamente a energia vital de milhões de crianças, adolescentes,
jovens, adultos e idosos que conformam sua população e de onde extrai os
recursos que alimenta a máquina estatal?
Zé, o
autoproclamado presidente ironicamente nos convida a reconhecer a herança
escravista que conformou o tecido social brasileiro, suas instituições e o
Estado brasileiro. Se a escravidão foi abolida institucionalmente em 13 de maio
de 1888 (Lei Áurea), ela permanece no ethos e
nas instituições dele derivadas e constitutivas da sociedade brasileira. Tal
condição nos auxilia a compreender que somos uma sociedade autoritária e
violenta. Alheia à compreensão das diferenças entre esfera pública e interesses
privados. Descomprometida com a distribuição da propriedade, condição sine qua non para a
afirmação da liberdade, da livre iniciativa, do empreendedorismo. Desdenhosa em
relação à constituição de uma proposta educacional a altura dos desafios
civilizatórios em curso. Irresponsável em relação a um projeto de
desenvolvimento local, regional e nacional suficiente. Patrocinadora de
soluções de continuidade na gestão pública, de discursos messiânicos de
salvação nacional milagrosa e imediatista, entre tantas outras variáveis…
Diante
deste cenário, a irônica autoproclamação de Zé de Abreu é um convite para que
todos nós nos autoproclamemos presidente de nós mesmos. Diz o ditado: “antes só
do que mal acompanhado”. Nos autoproclamando presidentes de nós mesmos
reduzimos os custos do Estado patrimonial brasileiro, nos livraremos das
corporações, dos capitães do mato, dos milicianos, das togas judiciárias, dos
privilégios de toda ordem herdadas ao longo dos tempos e alimentadas pelo ethos escravagista
que insiste em continuar habitando entre nós.
Admitindo
o gesto e a proposta de autoproclamação do Zé a partir da variável de Max
Stirner (1806-1856) “O único e sua propriedade”, poderemos governar a partir
dos aplicativos do sistema operacional livre “Linux”, a baixo custo. E,
sobretudo não me confundam, não sou adepto da nova e nem da velha “política”.
Sou adepto da Política de máxima liberdade, de pensamento, de ação, de
autogestão, de cooperação entre indivíduos que ao cuidarem muito bem de si
mesmos promovem o cuidado com o mundo e com as futuras gerações. É preciso ter
presente que capitalismo, socialismo, comunismo e anarquismo em seus “ismos”,
conformam sistemas que requerem crentes, séquitos, pessoas dispostas a
acreditar em verdades estabelecidas na forma de dogmas, de receituários a serem
obedecidos tacitamente. E que a crença na “mão invisível do mercado como
expressão da liberdade encobre a farsa de que a “mão invisível” do mercado
requer o braço forte e coercitivo do Estado na manutenção de interesses
específicos. Talvez a liberdade de pensamento e ação advinda do exercício
da Política entre amigos, daqueles que decidem cuidar de si mesmos e,
compartilhar o mundo em sua cotidianidade e facticidade pode nos proporcionar
uma política da vida, da liberdade e do cuidado com mundo em sua multiplicidade
de forma-de-vida e de existência.
Dr. Sandro Luiz Bazzanella é
professor de Filosofia
Fonte: https://www.jmais.com.br/sera-que-o-ze-pode-ser-presidente/
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