A NOVA POLÍTICA E A VELHA
POLÍTICA,
OU DO ENVELHECIMENTO PRECOCE DA
NOVA POLÍTICA
Vivemos
tempos sombrios, confusos. Há um mal-estar (Freud) que paira entre nós. Algo
deu errado. Erramos novamente. As expectativas de país emergente se esboroaram.
A atual condição é periclitante. Submergente. Frustração generalizada. É
preciso encontrar o bode. Ele tem que expiar a culpa. A turba ensandecida na
praça do mercado vaticina: “Sim, a culpa é das esquerdas”. D’outro lado gritam
“é dos comunistas”. “É da balbúrdia das universidades públicas”. “Do excesso de
pesquisas”. “A culpa é das ciências humanas”. Outros ainda acham que a culpa é
do excesso de lombadas eletrônicas nas rodovias. Mas, há também aqueles que
acham que a culpa é das cadeirinhas de segurança para transporte de crianças
afixadas no banco de trás dos automóveis. Os mais afeitos as letras e aos
números dirão que a culpa é da precariedade do ensino fundamental brasileiro...
e, pois, segue... É um momento de catarse coletiva. Precisamos nos depurar.
Livrarmo-nos dos demônios que impedem nosso desenvolvimento. E realmente eles
não são poucos.
Crises
são oportunidades. Estamos diante de mais uma oportunidade (muitas outras já se
apresentaram) de reconhecermos traços constitutivos de nossa conformação social.
Somos uma sociedade marcada em suas origens pela desigualdade social, pelo
preconceito, pela violência e agressividade nas relações individuais, sociais e
institucionais. Cultivamos o jeitinho, que se caracteriza pela prática do
disfarce, da “enrolação”. O jeitinho é a forma prática de fazer as coisas de
qualquer jeito. Somos uma sociedade da desconfiança generalizada e
institucionalizada. Das relações pessoais, às comunitárias aos órgãos de
governo cultivamos o apreço por assinaturas, carimbos, departamentos,
sub-departamentos e avalizações cartorárias. A burocratização, o ato de
dificultar tudo o que pode ser simplificado é uma de nossas características
mais exuberantes. Falta-nos de longa data o apreço pelo raciocínio reto e pela
ação honesta. Falta-nos o apreço necessário pela educação. Enquanto Brasília é
uma obra prima da arquitetura moderna e, o poder judiciário constrói palácios
(Fóruns) nos mais ermos e pobres rincões deste país, escolas não possuem em
pleno século XXI uma biblioteca. No solo desta pátria “mãe gentil” (?)
jogadores de futebol e alguns segmentos do funcionalismo público (legislativo e
judiciário) possuem salários escandalosos. Porém, massas de professores
convivem diariamente com o desrespeito, senão a indiferença com o seu fazer profissional.
A afronta à sua dedicação profissional se expressa em sua miserabilidade
salarial.
A crise
que estamos atravessando é a oportunidade de nos reconhecermos profundamente.
Somos assim mesmo. Sociedade de memória curta e de baixa capacidade de consenso
em relação aos interesses públicos. Desconhecemos - por que não tivemos apreço
pelos estudos - de que nossa dinâmica de desenvolvimento político, econômico e
social é cíclica. Similar ao vôo das galinhas: “de curta duração e de baixa
intensidade”. Em períodos que variam de
20 a 30 anos, aproximadamente conseguimos nos meter em profundos atoleiros.
Comprometemos as expectativas de vida e de desenvolvimento dos jovens no
esforço de reconstrução, que fatalmente sofrerá uma solução de continuidade
logo ali na frente. Este diagnóstico já foi fartamente pesquisado, analisado e
refletido pelas ciências humanas e sociais ao longo do século XVIII, XIX, XX e
XXI. Mas, antes que reconhecer tal condição prefere-se perseguir estas áreas do
conhecimento. Cortar seus míseros recursos. Difamá-la. Agimos como as
avestruzes que diante do perigo colocam a cabeça debaixo d’areia como
estratégia de proteção.
Nossos
limites, ou até mesmo da má vontade de compreensão de nossa forma de ser como
sociedade brasileira projeta-se no “Capitão” (na forma do Messias), no Super
Ministro, no Paladino da Justiça, as correções de curto prazo de nossas mazelas
seculares. Ao modo do jeitinho encontramos a saída, senão a salvação
nas supostas boas intenções daqueles que foram eleitos para tal fim, mas que
supostamente são impedidos de fazê-lo a contendo, por conta de corporações e
forças obscuras impeditivas do desenvolvimento do país.
Porém,
o problema é complexo. Transcende a condição tupiniquim. Temos dificuldade em compreender suficientemente
o que está acontecendo conosco. Nestas circunstâncias, diante dos limites de
entendimento da natureza das contradições que nos assiste reagimos. A reação se
caracteriza pela imediatez das explicações, pelos radicalismos das posições e,
não menos intenso pela intolerância e manifestações de ódio. O filósofo francês Alan Badiou em sua obra “O
século” argumenta que o século XX caracterizou-se pela materialização e
vivência dos conceitos gestados nos séculos XIX. Porém, a intensidade dos
acontecimentos nas primeiras décadas século XX, como a primeira e segunda
guerra mundial, a divisão das áreas de influência entre o bloco capitalista e
socialista (guerra fria até sua derrocada com a queda do Muro de Berlim 1989), bem
como o conjunto de conflitos em diversas
partes do mundo dificultaram o século XX forjar conceitos e categorias
analíticas compreensivas do século. Também ficou comprometida a gestação das
categorias e conceitos para a entrada no século XXI.
No
conjunto destes eventos, em fins dos anos 60 do século XX intensificam-se
mudanças no regime de acumulação do capital. O velho capitalismo industrial dos
séculos XVIII e XIX impulsionado pela produção massificada para fins militares
na segunda guerra mundial começa a ceder espaço em função dos avanços
científicos e tecnológicos ao capital financeiro. O regime de acumulação
pautado na produção de mercadoria gerando capital reinvestido na produção de
novas mercadorias cede espaço para capital que remunera novamente o capital.
Some-se a esta condição o avanço dos meios de comunicação que transformaram o
mundo numa aldeia global. Romperam-se os limites para a circulação do capital,
que viaja a velocidade da luz por meio das bolsas de valores em busca dos
melhores juros. O crédito se tornou um
absoluto na vida de povos e nações.
Neste
contexto, alguns dos principais conceitos que balizavam interpretações e formas
de ação desmoronaram. A soberania nacional
foi substituída pela soberania da economia financeirizada. Projetos de desenvolvimento nacional foram
substituídos por projetos de desenvolvimento local, regional, entre outras
variáveis. Os Estados foram reduzidos a agências emissoras de títulos de
crédito exigidos no regime de acumulação do capital financeiro. O Estado-nação penhora o recurso humano (população)
como garantia para obter acesso a crédito. Partidos tornaram-se agremiações. A
democracia representativa representa a si mesma. A mentira torna-se verdade
instantaneamente (fake news)
substituída por outra mentira/verdade. E assim caminha a humanidade...
O
paradoxo desta condição, é que a sociedade brasileira parece passar ao longo do
século XX alheia estas transformações. Envolta em sua lógica cíclica de golpes e contragolpes
em intervalos aproximados de 20 ou trinta anos não logrou constituir um projeto
estratégico de desenvolvimento num mundo financeirizado e globalizado. De forma
retardatária o golpe de 1964 foi justificado como política e juridicamente como
contenção do comunismo em solo tupiniquim. No entanto, os governos militares,
sobretudo o governo do General Ernesto Geisel (1974 a 1979) foi mais
estatizante do que muitos regimes comunistas mundo a fora. Com o esgotamento dos governos militares e o retorno dos governos civis a
partir de 1984 mergulhamos numa profunda crise econômica que caracterizou os
anos 80 como a década perdida. Com a promulgação da Constituição de 1988
entramos num ciclo marcado pelos esforços de construção de um parco estado de
bem estar social. Fenômeno político e econômico que chega nestas terras com
quase meio século de atraso em relação às nações desenvolvidas. Aos trancos e barrancos o ano de 2014
representa o fechamento de mais um ciclo político e econômico iniciado em 1984.
Desgraçadamente
nos encontramos perdidos. Abrem-se a temporada de caça as bruxas. Desprovidos
de um projeto de desenvolvimento estratégico pactuado entre os diversos
segmentos da sociedade brasileira (realmente uma miragem numa sociedade cuja
tessitura história é mercada pela violência e pela desconfiança), estamos à
mercê da liderança do capitão, que conforme os fatos demonstram de forma
inequívoca desde o período eleitoral encontra-se desprovido de uma concepção
suficiente de estado e, de uma proposta de desenvolvimento suficiente.
É sob
tais perspectivas, que presenciamos cotidianamente anúncios de medidas
provisórias e decretos que flertam com práticas populistas que demarcam em
certos aspectos retrocessos sociais. Ou ainda, com a imposição de uma
necessária, mas obscura (corporações não foram incluídas no texto reforma, o
que indica a manutenção de privilégios) reforma da previdência em que os mais
diversos setores da sociedade brasileira foram alijados do debate em torno da
mesma. Mas, a pedra de toque de toda
esta avassaladora avalanche (ou gambiarra) política, econômica e jurídica em
curso se apresenta no sintagma: “Nova Política” em contraponto a velha
política. Assim, a Nova Política reúne sob seu espectro tendência liberal na
economia e conservadora nos costumes. É avessa a negociação com os diversos
segmentos políticos na conformação das relações de poder. No entanto, governa
sob os pressupostos do presidencialismo de coalizão. E, tudo indica que a Nova Política esta
desprovida de uma política de afirmação de um projeto estratégico de
desenvolvimento do Estado brasileiro, seja no contexto latino americano, seja no
contexto mundial. Ainda nesta direção,
tem-se a percepção de que a Nova Política se apresenta submissa aos imperativos
da economia de crédito global. Talvez seja
por este motivo é que assistimos cotidianamente a uma espécie de encenação
trágico-cômica da cena política nacional.
Enfim,
a Nova Política ao desconsiderar que a natureza da política, desde tempos
imemoriais - desde que Deus criou o mundo, ou desde o momento em que nossos
ancestrais desceram das árvores, como cada um achar melhor- apresenta-se muito próxima de práticas
totalitárias de exercício do poder. Política é produção e negociação das relações de poder
constitutivas de uma sociedade. Sociedades desenvolvidas se caracterizam pelo
equilibro, pelo bom senso, pela capacidade de estabelecer consensos nas
relações de poder entre os diversos grupos e segmentos que a compõem. Ou seja, desenvolvimento requer confiança,
capacidade de diálogo, respeito à coisa pública como valor inegociável,
intransferível. Talvez se possa afirmar
com certa propriedade que nossas contradições residem na ausência - desde os
primeiros momentos deste território de conformação continental -, de uma
educação de qualidade. Assim, é possível supor que se a sociedade brasileira
tivesse desde suas origens acesso, cuidado, e zelo em relação ao conhecimento
da trajetória política, social, econômica e, cultural de outros povos
desenvolvidos teríamos a algum tempo encontrado nosso próprio caminho, com
soberania e altivez.
A
educação é o bem mais precioso que uma sociedade possui. Desconsiderá-la é o
caminho mais curto para a mediocridade. Desvalorizar, ameaçar, chantagear
professores é receita infalível para o
embrutecimento social, político, bem como a inércia econômica. Difamar os
parcos investimentos em pesquisa e formulação de conhecimentos que ampliam a
visão de mundo e intensificam a capacidade de ação é a receita para a barbárie.
A importância desta crise se constituirá se conseguirmos “aprender” a nos
reconhecer em nossas fragilidades societárias. Porém, aprender requer atenção,
paciência, respeito pelo diálogo e, sobretudo a abertura para o debate e
apresentação de novas ideias, sobretudo em relação às ideias que confrontam
nossas simplórias, cômodas e apaixonadas percepções de mundo.
Dr. Sandro Luiz Bazzanella
Professor de Filosofia
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