A TECNICIDADE DOS RABULAS E ÀS JUSTIFICATIVAS DO ESTADO DE
EXCEÇÃO
Iniciemos nosso percurso reflexivo com a precisão dos
termos expresso pela língua portuguesa. “rá.bu.la”
s.cdd.(o/a) – (...) 2.Pejorativo Advogado(a) charlatão(ona), reles,
ordinário(a) e não raro ignorante: esse teu advogado não vai resolver nada, é
um rábula! 3.Fig. Pessoa que fala demais, sem concatenar as ideias, quase
sempre para enganar. 4 s.m.(o) 4. Papel teatral de pouca importância; ponta. 2
Do latim rabula. 1 rabulão (rà) s.m.
(1. aum. reg. de rábula; grande rábula; 2. aquele que só diz rabularias;
fanfarrão; gabarola); rabular (rà) v.i. [1. dizer ou fazer rabulices; (...) 2. fig.
palavreado oco, sem nexo, próprio de quem quer enganar; palavrório; 3.
fanfarronice; gabarolice (Fonte: Grande Dicionário Sacconi).
Na modernidade o judiciário é um dos poderes de Estado.
Nesta condição é um poder de várias faces. Em estados constitucionais guardião
da constituição. Mediador dos conflitos entre poder legislativo e poder
executivo. Garantidor de direitos individuais, de direitos civis. Coercitivo e
punitivo diante das afrontas à ordem e a propriedade. Mas, sobretudo um poder
cujo exercício caracteriza-se majoritariamente pela oferta de justificativa
legal à ordem vigente e, ao estado de exceção perpetrado pelo poder soberano.
Em sociedades desenvolvidas e, estáveis, social, política e economicamente o poder
judiciário tem seu poder circunscrito a garantia da legalidade. Sua ação é
circunscrita. Está desprovido de interesses no protagonismo na cena política.
Juízes, desembargadores, procuradores e, advogados têm atuação discreta. Seu exercício
profissional não se sobrepõe em importância ao exercício de outras categorias
profissionais. Porém, em países (sub)emergentes, ou subdesenvolvidos, o poder
judiciário assume em determinados contextos protagonismo político passando a
negociar e a justificar interesses específicos com o poder legislativo e com o
poder executivo.
Nas sociedades subalternas, o judiciário constitui-se
numa corporação que cujo modus operandi
se manifesta em duas direções aparentemente distintas, mas convergentes em sua
finalidade. Num primeiro momento,
conferem status a seu fazer a partir
da tecnicidade operacional do ordenamento jurídico. Sacralizam e, assim retira
do uso comum por meio de uma intrincada linguagem técnica, interpretativa o
ordenamento jurídico. Ou seja, excluem os indivíduos comuns, os sujeitos do
direito a possibilidade de compreender suficientemente o labirinto jurídico a
partir do qual juízes e outros membros da corporação judiciária negociam e
tomam decisões sobre a vida dos indivíduos.
Sob este aspecto é fundamental reconhecer a violência imposta pelo
direito. Num segundo momento, mas decorrente do primeiro ao complexificar e
retirar do uso comum o ordenamento jurídico os rábulas do judiciário
apresentam-se como os paladinos da verdade e da moralidade pública e social. Ou
seja, conferem à sua tecnicidade decisionista a partir dos interesses políticos
majoritários em jogo uma desmesurada valorização profissional, pecuniária e,
sobretudo impõe aos comuns, condição inquestionável sobre suas interpretações e
decisões.
O que o decisionismo político dos rábulas do judiciário
nos permite compreender de forma clarividente é que o fundamento último da lei,
de todo e qualquer “ordenamento
jurídico” reside sobre a violência. A justiça é inatingível. Ou dito de outra
forma, aquilo que nomeamos como justiça é a menor injustiça possível
estabelecida a partir de negociação política que diz que a decisão alcançada é
legal. O alcance suficiente desta
condição nos permite compreender que estamos submetidos um pleno estado de
exceção. O estado de exceção se manifesta quando o ordenamento jurídico é
suspenso a partir de decisão política por parte dos grupos que exercem o poder
soberano submetendo todo e qualquer indivíduo a decisões supostamente legais,
mas cujo processo transcorre a revelia das garantias legais expressas em carta
constitucional. Ou seja, a decisão imposta
em determinada circunstância sobre o indivíduo é resultado negociações que
violentam garantias, entre elas a adequada produção de provas e contra provas,
o amplo direito de defesa, o segredo de justiça, a imparcialidade na tomada de
decisão e imputação de pena.
Solicitamos ao aligeirado leitor evitar concluir
rasteiramente que o argumento acima expresso se apresenta como defesa irascível
de determinadas personalidades políticas, mas de reconhecer de que o estado de
exceção a partir do qual se conduziram processos e imputação de pena a tais
personalidades é extensivo a todo e qualquer indivíduo. Ou seja, neste
contexto estamos todos submetidos a um
estado de exceção permanente, vidas nuas destituídas de garantias jurídicas
suficientes. A comprovação de tal condição se encontra de forma explicita em
40% da população carcerária brasileira que e encontra encarcerada sem o
transito em julgado de seus processos.
Para além da argumentação exposta até o presente momento
é crucial constatarmos que a máquina jurídica brasileira (mas este fenômeno
também se apresenta em perspectivas variáveis em âmbito mundial) opera
constantemente sobre o vazio jurídico produzindo e justificando o permanente
estado de exceção a que está submetida à sociedade brasileira. Tal argumento se
comprova (solicitamos uma vez mais evitar conclusões precipitadas e rasteiras)
nos vazamentos das conversas entre procuradores e juízes da “Operação
Lava-Jato” revelando imparcialidade na instrução de processos; negociações
entre os rábulas para forjar provas; negociações obscuras em torno de delações
premiadas; acordos entre as diversas instâncias do judiciário na condução de
processos e, tantas outras situações
divulgadas, ou por divulgar conformando uma gambiarra jurídica cujos interesses
ainda não se apresentam compreensíveis de forma suficiente.
O paradoxo que reside no transcurso deste estado de
exceção permanente é a “crença” majoritariamente difundida de que se está
fazendo “justiça”. Desconsidera-se de que o princípio da isonomia não se
apresenta no tecido social brasileiro na medida em que alguns são mais iguais
que outros perante a lei. Ou ainda, de
que a lei não é um fim em si mesma, o que significa ter presente de que no
âmbito jurídico afirmar que os fins justificam os meios para além de uma aberração
jurídica é afirmação do permanente estado de exceção.
A conformação de uma sociedade minimamente civilizada
requer o reconhecimento e a garantia do princípio da isonomia, da igualdade dos
indivíduos perante a lei. Ou seja, de que o ordenamento jurídico é resultante
do consenso entre os membros de uma determinada sociedade em relação as
garantias de direitos individuais, civis e sociais. A sociedade brasileira é
acéfala a tais pressupostos jurídicos civilizatórios, basta ter presente que o
presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituição que deveria
regular os excessos do poder judiciário é presidido pelo presidente do Superior
Tribunal Federal (é como colocar o rato para cuidar do queijo). Ou ainda, ter
presente o grau de rebuscamento técnico levado adiante cotidianamente pelos rábulas
retirando dos indivíduos em sua cotidianidade a possibilidade de interpretação
da lei. Nesta direção urge uma reforma do poder judiciário tornando mais
eficiente e eficaz nas respostas as demandas da sociedade brasileira. No atual
contexto, apresenta-se, para além do que já foi exposto, como um poder moroso,
perdulário dos parcos recursos públicos e, sobretudo como fiador do estado de exceção
a que estamos submetidos. Diga-se ainda de passagem que é escandaloso
deparar-se com a suntuosidade dos prédios (Fóruns) do judiciário nos mais ermos
rincões do país, quando nestes mesmos locais e, espraiadas Brasil afora escolas
públicas não possuem condições decentes para acolher crianças, adolescentes e
jovens. Em pleno século XXI tais estabelecimentos de ensino estão desprovidos
de bibliotecas, condição básica para o ensino, entre tantas outras carências e
em contraste opulências.
Sob todos estes aspectos torna-se urgente abandonarmos
nossa condição de uma sociedade menor, pueril e paralisarmos a máquina jurídica
produtora de permanente estado de exceção. Evidentemente não se trata de
aniquilar o poder judiciário. Interpretar os argumentos aqui apresentados desta
forma é raciocínio tosco, mas de ter presente que quando maior o poder
judiciário menor e a capacidade de consenso, de confiança e desenvolvimento de
uma sociedade. É preciso tomar a decisão
crucial de canalizarmos esforços e investimentos na educação com intuito de
voltar a estudar o direito e não meramente repassá-lo na forma de uma rebuscada
técnica que sacraliza promovendo a violência do direito. Precisamos de mais juristas com a compreensão
de que a lei não é um fim em si mesma, mas a expressão da garantia das
liberdades individuais e, como tal do princípio da isonomia e, menos rábulas
operadores do direito como um fim em si mesmo.
Talvez nesta direção, haverá chances de nos tornarmos uma sociedade
suficiente e desenvolvida.
Dr. Sandro Luiz Bazzanella
Prof. de Filosofia
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