quarta-feira, 17 de julho de 2019


A TECNICIDADE DOS RABULAS E ÀS JUSTIFICATIVAS DO ESTADO DE EXCEÇÃO
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Iniciemos nosso percurso reflexivo com a precisão dos termos expresso pela língua portuguesa. “rá.bu.la” s.cdd.(o/a) – (...) 2.Pejorativo Advogado(a) charlatão(ona), reles, ordinário(a) e não raro ignorante: esse teu advogado não vai resolver nada, é um rábula! 3.Fig. Pessoa que fala demais, sem concatenar as ideias, quase sempre para enganar. 4 s.m.(o) 4. Papel teatral de pouca importância; ponta. 2 Do latim rabula. 1 rabulão (rà) s.m. (1. aum. reg. de rábula; grande rábula; 2. aquele que só diz rabularias; fanfarrão; gabarola); rabular (rà) v.i. [1. dizer ou fazer rabulices; (...) 2. fig. palavreado oco, sem nexo, próprio de quem quer enganar; palavrório; 3. fanfarronice; gabarolice (Fonte: Grande Dicionário Sacconi).

Na modernidade o judiciário é um dos poderes de Estado. Nesta condição é um poder de várias faces. Em estados constitucionais guardião da constituição. Mediador dos conflitos entre poder legislativo e poder executivo. Garantidor de direitos individuais, de direitos civis. Coercitivo e punitivo diante das afrontas à ordem e a propriedade. Mas, sobretudo um poder cujo exercício caracteriza-se majoritariamente pela oferta de justificativa legal à ordem vigente e, ao estado de exceção perpetrado pelo poder soberano.
Em sociedades desenvolvidas e, estáveis,  social, política e economicamente o poder judiciário tem seu poder circunscrito a garantia da legalidade. Sua ação é circunscrita. Está desprovido de interesses no protagonismo na cena política. Juízes, desembargadores, procuradores e, advogados têm atuação discreta. Seu exercício profissional não se sobrepõe em importância ao exercício de outras categorias profissionais. Porém, em países (sub)emergentes, ou subdesenvolvidos, o poder judiciário assume em determinados contextos protagonismo político passando a negociar e a justificar interesses específicos com o poder legislativo e com o poder executivo.
Nas sociedades subalternas, o judiciário constitui-se numa corporação que cujo modus operandi se manifesta em duas direções aparentemente distintas, mas convergentes em sua finalidade.  Num primeiro momento, conferem status a seu fazer a partir da tecnicidade operacional do ordenamento jurídico. Sacralizam e, assim retira do uso comum por meio de uma intrincada linguagem técnica, interpretativa o ordenamento jurídico. Ou seja, excluem os indivíduos comuns, os sujeitos do direito a possibilidade de compreender suficientemente o labirinto jurídico a partir do qual juízes e outros membros da corporação judiciária negociam e tomam decisões sobre a vida dos indivíduos.  Sob este aspecto é fundamental reconhecer a violência imposta pelo direito. Num segundo momento, mas decorrente do primeiro ao complexificar e retirar do uso comum o ordenamento jurídico os rábulas do judiciário apresentam-se como os paladinos da verdade e da moralidade pública e social. Ou seja, conferem à sua tecnicidade decisionista a partir dos interesses políticos majoritários em jogo uma desmesurada valorização profissional, pecuniária e, sobretudo impõe aos comuns, condição inquestionável sobre suas interpretações e decisões.
O que o decisionismo político dos rábulas do judiciário nos permite compreender de forma clarividente é que o fundamento último da lei, de todo e qualquer  “ordenamento jurídico” reside sobre a violência. A justiça é inatingível. Ou dito de outra forma, aquilo que nomeamos como justiça é a menor injustiça possível estabelecida a partir de negociação política que diz que a decisão alcançada é legal.  O alcance suficiente desta condição nos permite compreender que estamos submetidos um pleno estado de exceção. O estado de exceção se manifesta quando o ordenamento jurídico é suspenso a partir de decisão política por parte dos grupos que exercem o poder soberano submetendo todo e qualquer indivíduo a decisões supostamente legais, mas cujo processo transcorre a revelia das garantias legais expressas em carta constitucional.  Ou seja, a decisão imposta em determinada circunstância sobre o indivíduo é resultado negociações que violentam garantias, entre elas a adequada produção de provas e contra provas, o amplo direito de defesa, o segredo de justiça, a imparcialidade na tomada de decisão e imputação de pena.   
Solicitamos ao aligeirado leitor evitar concluir rasteiramente que o argumento acima expresso se apresenta como defesa irascível de determinadas personalidades políticas, mas de reconhecer de que o estado de exceção a partir do qual se conduziram processos e imputação de pena a tais personalidades é extensivo a todo e qualquer indivíduo. Ou seja, neste contexto  estamos todos submetidos a um estado de exceção permanente, vidas nuas destituídas de garantias jurídicas suficientes. A comprovação de tal condição se encontra de forma explicita em 40% da população carcerária brasileira que e encontra encarcerada sem o transito em julgado de seus processos. 
Para além da argumentação exposta até o presente momento é crucial constatarmos que a máquina jurídica brasileira (mas este fenômeno também se apresenta em perspectivas variáveis em âmbito mundial) opera constantemente sobre o vazio jurídico produzindo e justificando o permanente estado de exceção a que está submetida à sociedade brasileira. Tal argumento se comprova (solicitamos uma vez mais evitar conclusões precipitadas e rasteiras) nos vazamentos das conversas entre procuradores e juízes da “Operação Lava-Jato” revelando imparcialidade na instrução de processos; negociações entre os rábulas para forjar provas; negociações obscuras em torno de delações premiadas; acordos entre as diversas instâncias do judiciário na condução de processos  e, tantas outras situações divulgadas, ou por divulgar conformando uma gambiarra jurídica cujos interesses ainda não se apresentam compreensíveis de forma suficiente.
O paradoxo que reside no transcurso deste estado de exceção permanente é a “crença” majoritariamente difundida de que se está fazendo “justiça”. Desconsidera-se de que o princípio da isonomia não se apresenta no tecido social brasileiro na medida em que alguns são mais iguais que outros perante a lei.  Ou ainda, de que a lei não é um fim em si mesma, o que significa ter presente de que no âmbito jurídico afirmar que os fins justificam os meios para além de uma aberração jurídica é afirmação do permanente estado de exceção.
A conformação de uma sociedade minimamente civilizada requer o reconhecimento e a garantia do princípio da isonomia, da igualdade dos indivíduos perante a lei. Ou seja, de que o ordenamento jurídico é resultante do consenso entre os membros de uma determinada sociedade em relação as garantias de direitos individuais, civis e sociais. A sociedade brasileira é acéfala a tais pressupostos jurídicos civilizatórios, basta ter presente que o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituição que deveria regular os excessos do poder judiciário é presidido pelo presidente do Superior Tribunal Federal (é como colocar o rato para cuidar do queijo). Ou ainda, ter presente o grau de rebuscamento técnico levado adiante cotidianamente pelos rábulas retirando dos indivíduos em sua cotidianidade a possibilidade de interpretação da lei. Nesta direção urge uma reforma do poder judiciário tornando mais eficiente e eficaz nas respostas as demandas da sociedade brasileira. No atual contexto, apresenta-se, para além do que já foi exposto, como um poder moroso, perdulário dos parcos recursos públicos e, sobretudo como fiador do estado de exceção a que estamos submetidos. Diga-se ainda de passagem que é escandaloso deparar-se com a suntuosidade dos prédios (Fóruns) do judiciário nos mais ermos rincões do país, quando nestes mesmos locais e, espraiadas Brasil afora escolas públicas não possuem condições decentes para acolher crianças, adolescentes e jovens. Em pleno século XXI tais estabelecimentos de ensino estão desprovidos de bibliotecas, condição básica para o ensino, entre tantas outras carências e em contraste opulências.
Sob todos estes aspectos torna-se urgente abandonarmos nossa condição de uma sociedade menor, pueril e paralisarmos a máquina jurídica produtora de permanente estado de exceção. Evidentemente não se trata de aniquilar o poder judiciário. Interpretar os argumentos aqui apresentados desta forma é raciocínio tosco, mas de ter presente que quando maior o poder judiciário menor e a capacidade de consenso, de confiança e desenvolvimento de uma sociedade.  É preciso tomar a decisão crucial de canalizarmos esforços e investimentos na educação com intuito de voltar a estudar o direito e não meramente repassá-lo na forma de uma rebuscada técnica que sacraliza promovendo a violência do direito.  Precisamos de mais juristas com a compreensão de que a lei não é um fim em si mesma, mas a expressão da garantia das liberdades individuais e, como tal do princípio da isonomia e, menos rábulas operadores do direito como um fim em si mesmo.  Talvez nesta direção, haverá chances de nos tornarmos uma sociedade suficiente e desenvolvida.

Dr. Sandro Luiz Bazzanella
Prof. de Filosofia










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