Acabo de ler
o artigo do Prof. Walter Marcos K. Birkner publicado no jornal Correio do
Norte, edição de 09 de Maio de 2014, intitulado: “Financiamento de Campanha”.
Brilhante professor. Sociólogo liberal descentralizado. Seus argumentos se
apresentam sibilinos. Incomodam. Desacomodam. Não há o que discordar de seu raciocínio. Mas, talvez se possa dar continuidade a tais
provocações argumentativas, chamando atenção a aspectos correlacionados. É o
que tentaremos fazer neste artigo, sem a pretensão de alcançar a intensidade
das reflexões do Prof. Walter.
Observamos a recorrência em períodos pré-eleitorais, anteriores e
recentes, o tema do financiamento de campanha, apresentando-se às luzes da
ribalta. Desta, vez o judiciário (STF) decidiu. Decisão que escancara a
interdependência dos três poderes. Ou dito de forma diferente, sobretudo, o
esvaziamento do legislativo.
É uma
constante que nas democracias ocidentais o executivo legisle por meio de
“Medidas Provisórias” e, que o legislativo ratifique as imposições legislativas
do executivo. Este “estado de exceção”,
em que o executivo legisla e governa se tornou técnica de governos que se
arrolam o título de democráticos. Este “estado de exceção” não se apresenta
como exclusividade do Estado brasileiro. Mas, em nossas terras, talvez se possa
afirmar que ele ganha contornos específicos. Também o judiciário legisla. E o
que faz o legislativo federal? Intensifica barganhas com o executivo. Mais
verbas parlamentares para alimentar currais eleitorais. Para garantir os nichos
eleitorais que conduzirão deputados e senadores à reeleição.
Na
constituição do Estado moderno, alicerçado na independência dos três poderes:
Executivo, Legislativo e Judiciário, o legislativo é o poder com maior grau de
importância. O legislativo é o lócus
por excelência das demandas sociais, dos interesses dos diversos grupos e
organizações que compõem o tecido social de uma nação. Legislar, elaborar leis que respondam as
demandas da dinâmica social é (seria) sua atribuição primeira. Fiscalizar as
ações do executivo, conferir parecer aprovando, ou recomendando alterações aos
projetos do executivo também é tarefa do legislativo. Mas, parece que o
legislativo brasileiro não legisla suficientemente. Prefere negociar com o
executivo a aprovação de medidas provisórias, transferindo ao poder executivo a
tarefa de legislar. Em matérias, em que o que está em jogo é a manutenção desta
situação, no caso a “reforma eleitoral”, transfere para o judiciário a tarefa
de legislar e decidir.
O que se
evidencia é a renúncia do legislativo às funções que lhe são inerentes, a sua
condição de poder independente, barganhando com o executivo, verbas do
orçamento da União, de prerrogativa exclusiva do poder executivo em sua
administrabilidade. Grave distorção na
correlação de forças dos três poderes de estado. Caracteriza relação de
dependência entre os três poderes.
Aumento desproporcional do poder judiciário. Judicialização das esferas
da vida, da política, da economia.
Estado de exceção como técnica de governo, como prerrogativa do poder
executivo, legislando freneticamente através de medidas provisórias. A isto
chamamos de democracia. O filósofo
italiano Giorgio Agamben, nos chama atenção de que foi no seio dos Estados
democráticos do início do século XX, que se afirmaram experiências totalitárias
do estado nazista, fascista e, stalinista. Seguramente não é o caso do Estado brasileiro,
mas os princípios operacionais dos três poderes, que constituem nossas
democracias se assemelham àquelas trágicas experiências de governo. Agamben vai
mais longe, ao afirmar que não sabemos do que estamos falando quando afirmamos
que estamos vivendo em sociedades democráticas.
Prezado
leitor, não há culpados para justificar as contradições e imposições que você
acaba de ler. Apontar culpados é manifestação de miopia é pretender compreender
o fenômeno pela sua instrumentalidade operacional, desconsiderando os
fundamentos do problema, qual seja: “O esvaziamento da política”. A politóloga alemã Hannah Arendt, definiu
política como a esfera privilegiada de ação entre os seres humanos na garantia
do bem comum. Ao abrirmos mão da ação,
abrimos mão da política. Quando partimos da visão parcial e diminuta de que a
política é coisa para políticos, de que a política não presta, ou é coisa para
desonestos e corruptos, então o pior dos mundos se apresenta. Nesta condição
infernal, o que se quer é que o bem (poder judiciário) diga o que deve ser
feito. Obedecer é mais fácil. É condição pueril. Agir politicamente exige comprometer-se
em praça pública. Encerro este artigo com o pai da política moderna Nicollo
Maquiavelli: “A política não nos garante o céu, mas nos livra do pior dos
infernos”. Financiamento de campanha não
se resolve com decreto do judiciário, mas com o avanço da capacidade política
dos brasileiros de pensar e debater livremente os interesses comuns do Estado,
da nação.
Sandro Luiz Bazzanella
Professor de filosofia da Universidade do Contestado. Líder
do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas (Cnpq). Lider do
Grupo de Estudo em Giorgio Agamben. Coordenador do Programa de Mestrado em
Desenvolvimento Regional;
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