Considerações sobre as Eleições 2014
Em pronunciamento em que foi oficializado a reeleição
da presidenta Dilma Russef no domingo (26/10) a noite, o Presidente do Supremo
Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e, o Presidente do Supremo Tribunal
Eleitoral Dias Toffoli, afirmaram peremptoriamente, que com o encerramento do
pleito eleitoral de 2014, uma vez mais a democracia brasileira sai fortalecida.
Do ponto de vista institucional, ou jurídico formal, o argumento dos
presidentes dos respectivos tribunais é adequado, senão necessário à nação
brasileira, como forma de afirmação de suas instituições. Afinal, o dever e o
direito de voto foi garantido à milhões de brasileiros. Porém, a afirmação das
instituições do Estado brasileiro e o fortalecimento da democracia brasileira
transcendem os aspectos jurídicos formais e, tem que ser analisadas e avaliadas
no âmbito das reações do tecido social brasileiro. Instituições e estruturas
jurídicas não são fins em si mesmos, mas expressão das vontades e, das demandas
sociais em jogo, ou melhor, em disputa no seio da sociedade que as produz.
Sob tal pressuposto, talvez não seja exagero
afirmar que nossa democracia está na fase da adolescência, expressando-se de
forma instável, com dificuldades de reconhecer a si mesma, almejando a
perfeição da beleza, mas portando-se de forma desajeitada. Ou dito de outro
modo, parece que gostamos de falar que vivemos numa democracia, mas não sabemos
efetivamente o que é democracia. Desde
seus primórdios na Antiga Grécia, a democracia se apresenta como uma forma de
governo que expressa a vontade da maioria. Este é o fundamento do jogo
democrático. Que a democracia se apresente como a melhor forma de governo está
longe de ser unanimidade na tradição da filosofia política ocidental. Em nosso caso, parece que gostamos de ser
reconhecidos como cidadãos democráticos, desde que estejamos ganhando o jogo,
que as regras nos favoreçam. Caso contrário, temos que dar um jeito, mesmo que
para isto tenhamos que criar fatos, preparar golpes, ou mesmo expressar
repulsa, escárnio, maledicências e ódio em relação ao adversário. Vejamos alguns
dos trejeitos de nossa pueril democracia, que emana a partir destas eleições:
1º) O primeiro turno e, sobretudo, o segundo turno
das eleições presidenciais foi marcado pela intensidade de acusações entre os candidatos à presidência. Tal
fenômeno/sentimento se espraiou pela sociedade brasileira e, sobretudo, nas
redes sociais. Terra devastada. Uma espécie de vale tudo e, não demorou muito
para que manifestações xenófobas em relação à nordestinos, à beneficiários de
programas sociais se apresentassem diuturnamente, demonstrando os limites da
democracia racial brasileira e, as intransigências e o autoritarismo do “homem
cordial brasileiro.”
2º) Este sentimento/manifestação de intolerância
foi potencializado após o derrota do candidato Aécio Neves, chegando a
proposições extremadas como: a construção de um muro que separasse o sudeste do
norte/nordeste do país. Ressurgimento da proposta separatista “O Sul/Sudeste é
o mais país” e, outros ainda propondo a esterilização da população do nordeste.
Expressões de pensamento autoritário, com nuances de totalitarismo. É por estes
motivos que não se pode abrir das lições de Auschwitz. O argumento pode ser
forte, mas as expressões acima requerem tal condição argumentativa.
3º) A cegueira advinda da paixão política (onde há
paixão há pouca razão), do ressentimento da derrota nas eleições faz com parte
dos cidadãos esquecessem a matemática - os bons modos, a cordialidade já foram
- e, analisassem proporcionalmente o mapa das urnas, contabilizando os votos da
candidata vencedora nas duas macros regiões do país. Assim, a presidenta Dilma
Russef, obteve no Norte/Nordeste 24,3 milhões de votos, enquanto, a região
Sudeste/Sul conferiu a presidência 25,8 milhões de votos. Se o argumento
simplório das regiões for tomado em consideração, então o que explica o
posicionamento dos eleitores sudeste/sul, pode ser explicado como manifestação
de preconceito, ressentimento e intolerância.
4º) Movemo-nos desde as manifestações de junho de
2013 por um difuso sentimento de mudança. De forma redundante este sentimento
assim se expressa: É preciso mudar. Mudar para melhor. Mudar para ter mais
futuro. “Mudar” mesmo que não se tenha clareza para onde. Mudar desconhecendo
os fatores motivadores da mudança, desconhecendo os fundamentos econômicos e
sociais que estão em jogo. Mudar mesmo que não se tenha clareza de um projeto
político (seja governista, seja oposicionista, ou oportunista) consistente para
tal fim. Neste cenário, para mudar basta um salvador, um messias, um bom orador,
cujos fundamentos remetem a melhor metafísica que o Ocidente produziu.
5º) O sentimento difuso de mudança também não foi
captado e compreendido suficientemente pelos partidos políticos envolvidos na
disputa. Diga-se de passagem, que a qualidade de uma democracia vincula-se a
existência de partidos fortes, consistentes em seus projetos de Estado, de
economia, de política, de sociedade, de cultura. A realidade de nossos partidos
se manifesta na ausência de propostas políticas debatidas e conhecidas por
parte da população brasileira. Na ausência de empenho em compreender as
mudanças sociais, políticas e suas novas agendas. Talvez se tenham
especializado quase que exclusivamente em composições e alianças para disputas
de eleições e, posteriormente negociação da governabilidade do candidato
eleito.
6º) Neste cenário de uma democracia desajeitada,
no seio de uma sociedade preguiçosa para com os estudos, que lê pouco e de
forma precária, avessa à matemática, mas ávida por novela e, outros atrações de
baixo nível, pouco exigente com seus representantes políticos, o resultado não
podia ser outro, pancadaria eleitoral, boataria, argumentos de baixa qualidade.
Contribuíram para este cenário alguns meios de comunicação com suas análises
tendenciosas, desrespeitosas em relação a inteligência se seus leitores e, até
da média da população brasileira, com suas tentativas de criar fatos políticos
de última hora, na tentativa de favorecer determinado candidato. Em se falando de golpe, alguns destes veículos
têm larga escola desde o golpe militar de 1964.
As questões que se apresentam neste contexto: Quais
as possibilidades de avanço de nossa democracia? Resposta: Inúmeras
possibilidades, entre elas:
a) Partidos
de oposição precisam (e seria salutar que o fizessem) fazer oposição.
b) Partidos
governistas e de oposição necessitam retomar a criatividade na gestação e apresentação
de suas propostas à sociedade.
c) A
sociedade vem mudando significativamente e é preciso que os partidos compreendam
e acompanhem as mudanças, suas demandas, senão agendas políticas, econômicas e
sociais.
d) Cidadãos
precisam estudar mais português, mais matemática, mais economia, debater mais
política, qualificar seus argumentos.
e) A
sociedade brasileira como um todo necessita aumentar sua racionalidade política
e, sobretudo esforçar-se para alcançar a sapiência da tolerância.
Neste momento o que esta em jogo são os interesses
da sociedade brasileira em tornar-se melhor, em caminhar rumo a constituições de
suas bases civilizacionais. Não há tempo a perder com ressentimentos,
manifestações xenófobas, autoritárias e totalitárias. Reformas precisam ser
profundamente debatidas por toda sociedade para afirmarmos nossa condição num
mundo globalizado.
Dr. Sandro Luiz Bazzanella – Professor de filosofia e Coordenador do
Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Líder do Grupo de Pesquisa
Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq e do Grupo de Estudo em Giorgio
Agamben da Universidade do Contestado
Nenhum comentário:
Postar um comentário