segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Considerações sobre as Eleições 2014


Considerações sobre as Eleições 2014

Em pronunciamento em que foi oficializado a reeleição da presidenta Dilma Russef no domingo (26/10) a noite, o Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e, o Presidente do Supremo Tribunal Eleitoral Dias Toffoli, afirmaram peremptoriamente, que com o encerramento do pleito eleitoral de 2014, uma vez mais a democracia brasileira sai fortalecida. Do ponto de vista institucional, ou jurídico formal, o argumento dos presidentes dos respectivos tribunais é adequado, senão necessário à nação brasileira, como forma de afirmação de suas instituições. Afinal, o dever e o direito de voto foi garantido à milhões de brasileiros. Porém, a afirmação das instituições do Estado brasileiro e o fortalecimento da democracia brasileira transcendem os aspectos jurídicos formais e, tem que ser analisadas e avaliadas no âmbito das reações do tecido social brasileiro. Instituições e estruturas jurídicas não são fins em si mesmos, mas expressão das vontades e, das demandas sociais em jogo, ou melhor, em disputa no seio da sociedade que as produz.
Sob tal pressuposto, talvez não seja exagero afirmar que nossa democracia está na fase da adolescência, expressando-se de forma instável, com dificuldades de reconhecer a si mesma, almejando a perfeição da beleza, mas portando-se de forma desajeitada. Ou dito de outro modo, parece que gostamos de falar que vivemos numa democracia, mas não sabemos efetivamente o que é democracia.  Desde seus primórdios na Antiga Grécia, a democracia se apresenta como uma forma de governo que expressa a vontade da maioria. Este é o fundamento do jogo democrático. Que a democracia se apresente como a melhor forma de governo está longe de ser unanimidade na tradição da filosofia política ocidental.  Em nosso caso, parece que gostamos de ser reconhecidos como cidadãos democráticos, desde que estejamos ganhando o jogo, que as regras nos favoreçam. Caso contrário, temos que dar um jeito, mesmo que para isto tenhamos que criar fatos, preparar golpes, ou mesmo expressar repulsa, escárnio, maledicências e ódio em relação ao adversário. Vejamos alguns dos trejeitos de nossa pueril democracia, que emana a partir destas eleições:
1º) O primeiro turno e, sobretudo, o segundo turno das eleições presidenciais foi marcado pela intensidade de acusações  entre os candidatos à presidência. Tal fenômeno/sentimento se espraiou pela sociedade brasileira e, sobretudo, nas redes sociais. Terra devastada. Uma espécie de vale tudo e, não demorou muito para que manifestações xenófobas em relação à nordestinos, à beneficiários de programas sociais se apresentassem diuturnamente, demonstrando os limites da democracia racial brasileira e, as intransigências e o autoritarismo do “homem cordial brasileiro.”
2º) Este sentimento/manifestação de intolerância foi potencializado após o derrota do candidato Aécio Neves, chegando a proposições extremadas como: a construção de um muro que separasse o sudeste do norte/nordeste do país. Ressurgimento da proposta separatista “O Sul/Sudeste é o mais país” e, outros ainda propondo a esterilização da população do nordeste. Expressões de pensamento autoritário, com nuances de totalitarismo. É por estes motivos que não se pode abrir das lições de Auschwitz. O argumento pode ser forte, mas as expressões acima requerem tal condição argumentativa.
3º) A cegueira advinda da paixão política (onde há paixão há pouca razão), do ressentimento da derrota nas eleições faz com parte dos cidadãos esquecessem a matemática - os bons modos, a cordialidade já foram - e, analisassem proporcionalmente o mapa das urnas, contabilizando os votos da candidata vencedora nas duas macros regiões do país. Assim, a presidenta Dilma Russef, obteve no Norte/Nordeste 24,3 milhões de votos, enquanto, a região Sudeste/Sul conferiu a presidência 25,8 milhões de votos. Se o argumento simplório das regiões for tomado em consideração, então o que explica o posicionamento dos eleitores sudeste/sul, pode ser explicado como manifestação de preconceito, ressentimento e intolerância.
4º) Movemo-nos desde as manifestações de junho de 2013 por um difuso sentimento de mudança. De forma redundante este sentimento assim se expressa: É preciso mudar. Mudar para melhor. Mudar para ter mais futuro. “Mudar” mesmo que não se tenha clareza para onde. Mudar desconhecendo os fatores motivadores da mudança, desconhecendo os fundamentos econômicos e sociais que estão em jogo. Mudar mesmo que não se tenha clareza de um projeto político (seja governista, seja oposicionista, ou oportunista) consistente para tal fim. Neste cenário, para mudar basta um salvador, um messias, um bom orador, cujos fundamentos remetem a melhor metafísica que o Ocidente produziu.
5º) O sentimento difuso de mudança também não foi captado e compreendido suficientemente pelos partidos políticos envolvidos na disputa. Diga-se de passagem, que a qualidade de uma democracia vincula-se a existência de partidos fortes, consistentes em seus projetos de Estado, de economia, de política, de sociedade, de cultura. A realidade de nossos partidos se manifesta na ausência de propostas políticas debatidas e conhecidas por parte da população brasileira. Na ausência de empenho em compreender as mudanças sociais, políticas e suas novas agendas. Talvez se tenham especializado quase que exclusivamente em composições e alianças para disputas de eleições e, posteriormente negociação da governabilidade do candidato eleito.
6º) Neste cenário de uma democracia desajeitada, no seio de uma sociedade preguiçosa para com os estudos, que lê pouco e de forma precária, avessa à matemática, mas ávida por novela e, outros atrações de baixo nível, pouco exigente com seus representantes políticos, o resultado não podia ser outro, pancadaria eleitoral, boataria, argumentos de baixa qualidade. Contribuíram para este cenário alguns meios de comunicação com suas análises tendenciosas, desrespeitosas em relação a inteligência se seus leitores e, até da média da população brasileira, com suas tentativas de criar fatos políticos de última hora, na tentativa de favorecer determinado candidato.  Em se falando de golpe, alguns destes veículos têm larga escola desde o golpe militar de 1964.
As questões que se apresentam neste contexto: Quais as possibilidades de avanço de nossa democracia? Resposta: Inúmeras possibilidades, entre elas:
a)      Partidos de oposição precisam (e seria salutar que o fizessem) fazer oposição.
b)      Partidos governistas e de oposição necessitam retomar a criatividade na gestação e apresentação de suas propostas à sociedade.
c)       A sociedade vem mudando significativamente e é preciso que os partidos compreendam e acompanhem as mudanças, suas demandas, senão agendas políticas, econômicas e sociais.
d)      Cidadãos precisam estudar mais português, mais matemática, mais economia, debater mais política, qualificar seus argumentos.
e)      A sociedade brasileira como um todo necessita aumentar sua racionalidade política e, sobretudo esforçar-se para alcançar a sapiência da tolerância.
Neste momento o que esta em jogo são os interesses da sociedade brasileira em tornar-se melhor, em caminhar rumo a constituições de suas bases civilizacionais. Não há tempo a perder com ressentimentos, manifestações xenófobas, autoritárias e totalitárias. Reformas precisam ser profundamente debatidas por toda sociedade para afirmarmos nossa condição num mundo globalizado.

Dr. Sandro Luiz Bazzanella – Professor de filosofia e Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq e do Grupo de Estudo em Giorgio Agamben da Universidade do Contestado

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