Em Vez de diálogo é preciso polílogo
"Usar
a palavra 'verdade', no singular, em um mundo polifônico é um pouco como tentar
aplaudir com uma mão só... Com uma mão só, é possível dar um soco no nariz, mas
não aplaudir." Teórico da sociedade líquida, Zygmunt Bauman,
sociólogo de fama mundial, sempre foi bastante alheio a reflexões de caráter
teológico. Mas, na venerável idade de 89 anos, ele ainda sabe surpreender:
nestes dias, a editora Laterza manda para as livrarias o seu novo livroConversazioni
su Dio e l’uomo (176 páginas), diálogo com o teólogo
polonês Stanislaw Obirek.
A
reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire,
29-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Embora
sendo agnóstico convicto, no livro, Bauman gasta palavras
positivas para algumas experiências de fé, por exemplo a do Solidarnosc.
Ele conta sobre um artigo dele publicado no jornal católico de Cracóvia,
muito próximo deJoão Paulo II, Tygodnik Powszechny,
justamente sobre o movimento sindical de Lech Walesa.
Ao
recordar essa página gloriosa da história, Bauman denuncia:
"A nossa sociedade de consumidores totalmente individualizada é uma
fábrica não de solidariedade, mas de suspeitas e concorrência recíprocas. Um
produto colateral, mas extremamente comum, dessa fábrica é a depreciação da
solidariedade humana que afunda suas raízes na atrofia do cuidado do bem comum
e da qualidade da sociedade em que a vida do indivíduo se desenvolve".
Em suma,
para recuperar a metáfora inicial, com uma mão, é possível também abraçar o
outro, ajudá-lo a se levantar da pobreza e fazê-lo se encaixar na categoria dos
humanos.
Eis a entrevista.
Professor Bauman, no seu novo livro, o senhor indica diversos tipos de
pessoas dogmáticas: as religiosas, as marxistas, os dogmáticos da genética, do
consumismo, da informação e do mercado. Qual dogmatismo é mais perigoso hoje?
Poderíamos
acrescentar outros exemplos. Os dogmatismos são vários e diversificados, mas eu
não saberia dizer qual é o mais perigoso. Eles têm em comum o pecado original
de se taparem os ouvidos e de fecharem os olhos sobre a inalienável humanidade
daqueles que vivem ao seu redor, por mais diferentes que possam ser. Todas as
variedades de dogmatismos, no fim das contas, são a rejeição ou a não
capacidade de comunicar e de se envolver em um diálogo: são essas duas as artes
cruciais para sobreviver neste mundo marcado pela diversificação crescente e
por uma diáspora que dá origem a uma crescente interdependência.
O que significa essa interdependência?
Significa
que não podemos mais nos separar dos outros, sejam eles estrangeiros, crentes
de outra fé em relação à nossa, ou defensores de modos diferentes de viver.
Eles não estão distantes ou do outro lado em relação a uma fronteira controlada
por algum guardião, mas se encontram no meio de nós, encontramo-los todos os
dias no trabalho, nas escolas frequentadas pelos nossos filhos, nas ruas onde
vivemos. A diversidade humana está ao nosso lado, até mesmo nos lugares mais
próximos. Aprender e praticar a arte do diálogo deveria ser uma das opções a
serem inseridas entre as tarefas mais urgentes com as que devemos nos
defrontar. A alternativa a cuidarmos uns dos outros é atirar uns nos outros.
O senhor, não crente agnóstico, é muitas vezes convidado a ambientes
católicos, como por exemplo, recentemente, na Universidade Católica do Sagrado
Coração, de Milão. Um exemplo daquele diálogo autêntico que Francisco pede, um debate entre pessoas que pensam
de maneira claramente diferente. Como o senhor reagiu a esse convite de
Francisco?
Um diálogo
genuíno e digno desse nome não consiste em falar somente com pessoas com as
quais gostamos de discutir, negando o direito de intervir e recusando-nos a
ouvir. O diálogo consiste em nos abrirmos, sem nenhum fechamento ou
preconceito, ao fato da diversidade humana que possui muitas faces. Isso se
explica em tentar entender as razões que estão por trás do apego de alguns a
determinados assuntos; em aceitar a agir não desde já como um mestre, mas como
um aluno; em assumir desde o início uma atitude cooperativa e não combativa,
tentando alcançar alguns benefícios recíprocos em sabedoria e experiência, em
vez de dividir os participantes entre vencedores e derrotados. Jorge
Mario Bergoglio, mesmo antes de se tornar papa, foi para nós um luminoso
exemplo da arte de tal diálogo genuíno. Ele fala e falou com a intenção de uma
compreensão recíproca e da partilha do conhecimento do outro, e não com a
vontade de fazer valer a própria superioridade pré-designada e indiscutível.
"Para que haja verdadeiro diálogo, devemos levar em conta a
derrota", o senhor mesmo admitiu. Na sua carreira, o senhor viveu uma
"derrota" do seu pensamento?
Isso é o
que decorre do que eu dizia antes: o diálogo está destinado a se tornar uma
série de monólogos – um exercício que significa falar ao lado de alguém, em vez
de com alguém – até nos lembrarmos de que errare humanum est. E,
portanto, estarmos prontos a nos pormos em discussão, porque são colocados à
nossa frente posicionamentos melhores do que os nossos. Eu devo estar preparado
para confessar a minha derrota, para admitir que eu estava errado e para
agradecer àqueles que me tiraram do erro. Isso consiste em algo difícil: a
maioria das pessoas preferem estar certas, em vez de erradas. Estar errado nos
faz perceber um sopro doloroso sobre a nossa autoestima. Mas não aprendemos
totalmente a arte do diálogo se não forem praticadas as suas condições mais
difíceis. Olhando retrospectivamente para a minha história, eu posso dizer que
a admissão de alguns dos meus erros de julgamento e a sua sincera admissão
chegaram tarde demais em relação ao que eu queria, embora esperasse que, ao
longo da minha longa vida, a distância de tempo entre ter cometido um erro e a
sua admissão pudesse se reduzir.
No seu diálogo com Stanislaw Obirek, o senhor sugere um novo modo de
dialogar, ou seja, implementar o "polílogo" entre posições
diferentes.
É a
extensão óbvia do monólogo e do diálogo, ou seja, de um debate que seja mais
amplo do que só dois pontos de vista: trata-se de um evento que ocorre muito
frequentemente em todas as cidades modernas ou nas ruas debaixo da nossa casa.
Na realidade, toda discussão pública é, por definição, um "polílogo".
O mundo em que vivemos não é nada digital. Poderíamos dizer que é um mundo
analógico, com muitas divisões que se cruzam, algumas simplesmente justapostas,
outras que se sobrepõem ou que emergem de maneira leve. Um verdadeiro debate
público precisa levar em consideração o fato de ajudar a cristalizar os pontos
de contenda e instaurar os potenciais testes de ponte entre a variedade de
pontos de vista e de opiniões.
"A verdade é um encontro." O Papa Francisco lembrou várias
vezes essa definição. O senhor concorda?
Sim.
As verdades, assim como todo conhecimento e tipo de compreensão, são sempre e
nada mais do que discursivas. Os encontros humanos são o seu lugar de
nascimento e o seu habitat natural. Elas surgem e vivem, ao longo da sua
duração e existência, dentro da comunicação inter-humana. Nós, humanos, somos,
pela nossa natureza, sociais, interagimos, comunicamos com outros seres
humanos. Ninguém pode reivindicar uma verdade como sua própria criação ou
propriedade. Ela é formada e se sustenta através de negociações contínuas,
mediante a solidariedade e a interação própria dos humanos. A verdade não tem
outro lugar para habitar. Se esquecermos desse fato, ocorre aquilo que Martin Buber advertia, ou seja, o encontro se transforma em um encontro
fracassado, ineficaz e, enfim, sem propósito.
Por IHU
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