terça-feira, 19 de maio de 2015



REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (III)
Do problema da Arché (Origem)

Lançado recentemente pela editora: Companhia das Letras, de autoria das pesquisadoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, intitulado: “BRASIL: UMA BIOGRAFIA”, o livro é impactante, para além do volume de suas 792 páginas que o compõe, logo nas primeiras páginas de sua introdução. Literalmente lemos a seguinte frase na introdução: “E por essa razão que idas e vindas, avanços e recuos, fazem parte dessa nossa história que ambiciona ser mestiça como de muitas maneiras são os brasileiros: apresenta respostas múltiplas e por vezes ambivalentes sobre o país.”

Talvez possamos partir do pressuposto de que paira nas concepções dos brasileiros dois brasis: um Brasil imaginário e um “brasil” real. O Brasil imaginário encontra-se cantado em prosa e verso e, alcança sua máxima expressão na letra de nosso hino nacional. Relembremos algumas das frases que compõem suas estrofes: “Brasil, um sonho intenso, um raio vívido” (...) “Se em teu formoso céu, risonho e límpido, A imagem do cruzeiro resplandece (...) “Gigante pela própria natureza, És belo, és forte, impávido colosso, E o teu futuro espelha essa grandeza.” (...) “Do que a terra mais garrida teus risonhos, lindos campos tem mais flores”.
O Brasil imaginário parece ser a expressão de um sentimento, de uma condição pueril. Ou seja, se não sabemos muito bem quem somos; como nos constituímos como um povo e como nação, afinal estudamos pouco e nosso modelo educacional rasteja desde a chegada de Cabral, empurrado às vezes por pressões e constrangimentos internos e externos, nos confortamos cantando as grandezas de um território de extensão continental, repleto de riquezas naturais, generoso em sua fauna e flora. Até recentemente, antes de nos depararmos com a seleção alemã acrescentávamos a essa visão idílica de um país maravilhoso, o fato de sermos o país do futebol.
O “brasil” real é outra coisa. Persiste na sociedade brasileira o patrimonialismo luzitano que aportou nestas terras trazido por Cabral. O Estado é compreendido pelos brasileiros como propriedade dos governantes, da classe política. Nós brasileiros sequer conseguimos distinguir as diferenças entre interesses públicos e interesses privados. É recorrente nos processos eleitorais os indivíduos venderem seus votos, uma vez que destituído da responsabilidade pública de seu voto, o entende como mercadoria que confere nas eleições benefícios privados. Acolhemos simploriamente a ideia de que serviços públicos na média geral são de baixa qualidade, pois o Estado patrão assim o quer e, por extensão o funcionário público cumpre sua função sem o compromisso de justificar seu provento pela qualidade do serviço que presta à seus reais dignatários. O “brasil” real é subserviente ao inflado, supervalorizado e onipotente “Poder Judiciário.” Incapazes de estabelecer honestos consensos públicos, que respeitem os interesses privados tudo se resolve nos tribunais. Para qualquer demanda social criamos uma extensa e intrincada legislação, sabendo que a mesma não se aplicará em sua totalidade.
O “brasil” real é personalista e autoritário, mal educado. Mais uma vez ficamos na parte de baixo da tabela do ranking mundial que mede a qualidade da educação de países, realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Entre os 76 países avaliados, o Brasil ocupa a 60ª posição, próximo de nações africanas. A última colocação do ranking ficou com Gana, na África.  Continuamos aceitando tranquilamente nossa precariedade educacional num mundo competitivo. Sabe-se que num contexto de mundo globalizado, de múltipals demandas há uma intima relação entre renda, acesso e qualidade de ensino, mas fechamos os olhos para nossa secular má vontade, senão incompetência em fazer a coisa certa, em exigir os investimentos necessários para resolver definitivamente o “problema da educação”.
Novamente estamos em meio a uma crise política e econômica. Responsabilizamos o governo de plantão pelos desarranjos, pelo ajuste fiscal que limita os investimentos nas mais diversas áreas: educação, saúde, infra-estrutura, acesso ao crédito, entre outras. Evidentemente alguém tem que responder pela crise, pelos impactos que tem na parca qualidade de vida dos brasileiros, afinal opções governamentais estratégicas foram feitas e colocadas em curso. Mas o fato determinante é que dificilmente nos constituiremos como um povo, como uma nação, como uma civilização se nós sociedade brasileira não reconhecermos nossas inconsistências, nossas fraturas, nossas equivocadas heranças civilizacionais que se arrastam ao longo destes quinhentos anos. Não há caminho seguro e fácil para constituição de uma racionalidade política, social, econômica e cultural consistente civilizatoriamente sem nos tomarmos como objeto, sem reconhecermos nossa vontade de sempre querer dar um jeitinho, de cortar caminho, de contar com a sorte, ou com a boa vontade divina, para resolver nossos problemas. Talvez se prestássemos mais atenção, se estudássemos mais e melhor já teríamos compreendido com os gregos antigos, berço da civilização ocidental que uma civilização respeitada se constrói com muita cultura, com muita educação, com a capacidade e o compromisso com as questões públicas em primeiro plano. O resto é pagode, música sertaneja universitária e qualquer coisa de baixa qualidade assemelhada.
Concluímos com mais uma passagem do livro: BRASIL: UMA BIOGRAFIA - “No futebol, espécie de metáfora maior da nacionalidade brasileira, aguardamos sempre que “algo novo aconteça” e resolva a partida. A vontade é de torcer para que algum elemento mágico e imprevisto caia dos céus (suspendendo o mal-estar e solucionando problemas), em vez de ser a de planejar mudanças substantivas e duradouras.”

Sandro Luiz Bazzanella
Professor de Filosofia e Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNPq.

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