REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (III)
Do
problema da Arché (Origem)
Lançado
recentemente pela editora: Companhia das Letras, de autoria das pesquisadoras
Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, intitulado: “BRASIL: UMA BIOGRAFIA”, o
livro é impactante, para além do volume de suas 792 páginas que o compõe, logo
nas primeiras páginas de sua introdução. Literalmente lemos a seguinte frase na
introdução: “E por essa razão que idas e vindas, avanços e recuos, fazem parte
dessa nossa história que ambiciona ser mestiça como de muitas maneiras são os
brasileiros: apresenta respostas múltiplas e por vezes ambivalentes sobre o
país.”
Talvez possamos
partir do pressuposto de que paira nas concepções dos brasileiros dois brasis:
um Brasil imaginário e um “brasil” real. O Brasil imaginário encontra-se
cantado em prosa e verso e, alcança sua máxima expressão na letra de nosso hino
nacional. Relembremos algumas das frases que compõem suas estrofes: “Brasil, um sonho intenso, um raio vívido” (...) “Se em
teu formoso céu, risonho e límpido, A imagem do cruzeiro resplandece (...)
“Gigante pela própria natureza, És belo, és forte, impávido colosso, E o teu
futuro espelha essa grandeza.” (...) “Do que a terra mais garrida teus
risonhos, lindos campos tem mais flores”.
O Brasil imaginário
parece ser a expressão de um sentimento, de uma condição pueril. Ou seja, se
não sabemos muito bem quem somos; como nos constituímos como um povo e como
nação, afinal estudamos pouco e nosso modelo educacional rasteja desde a chegada
de Cabral, empurrado às vezes por pressões e constrangimentos internos e
externos, nos confortamos cantando as grandezas de um território de extensão
continental, repleto de riquezas naturais, generoso em sua fauna e flora. Até
recentemente, antes de nos depararmos com a seleção alemã acrescentávamos a essa
visão idílica de um país maravilhoso, o fato de sermos o país do futebol.
O “brasil” real é
outra coisa. Persiste na sociedade brasileira o patrimonialismo luzitano que
aportou nestas terras trazido por Cabral. O Estado é compreendido pelos
brasileiros como propriedade dos governantes, da classe política. Nós
brasileiros sequer conseguimos distinguir as diferenças entre interesses públicos
e interesses privados. É recorrente nos processos eleitorais os indivíduos
venderem seus votos, uma vez que destituído da responsabilidade pública de seu
voto, o entende como mercadoria que confere nas eleições benefícios privados.
Acolhemos simploriamente a ideia de que serviços públicos na média geral são de
baixa qualidade, pois o Estado patrão assim o quer e, por extensão o
funcionário público cumpre sua função sem o compromisso de justificar seu
provento pela qualidade do serviço que presta à seus reais dignatários. O
“brasil” real é subserviente ao inflado, supervalorizado e onipotente “Poder
Judiciário.” Incapazes de estabelecer honestos consensos públicos, que
respeitem os interesses privados tudo se resolve nos tribunais. Para qualquer
demanda social criamos uma extensa e intrincada legislação, sabendo que a mesma
não se aplicará em sua totalidade.
O “brasil” real é
personalista e autoritário, mal educado. Mais uma vez ficamos na parte de baixo
da tabela do ranking mundial que mede a qualidade da educação de países,
realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE). Entre os 76 países avaliados, o Brasil ocupa
a 60ª posição, próximo de nações africanas. A última colocação do ranking ficou
com Gana, na África. Continuamos
aceitando tranquilamente nossa precariedade educacional num mundo competitivo.
Sabe-se que num contexto de mundo globalizado, de múltipals demandas há uma
intima relação entre renda, acesso e qualidade de ensino, mas fechamos os olhos
para nossa secular má vontade, senão incompetência em fazer a coisa certa, em exigir
os investimentos necessários para resolver definitivamente o “problema da
educação”.
Novamente
estamos em meio a uma crise política e econômica. Responsabilizamos o governo
de plantão pelos desarranjos, pelo ajuste fiscal que limita os investimentos nas
mais diversas áreas: educação, saúde, infra-estrutura, acesso ao crédito, entre
outras. Evidentemente alguém tem que responder pela crise, pelos impactos que
tem na parca qualidade de vida dos brasileiros, afinal opções governamentais estratégicas
foram feitas e colocadas em curso. Mas o fato determinante é que dificilmente
nos constituiremos como um povo, como uma nação, como uma civilização se nós
sociedade brasileira não reconhecermos nossas inconsistências, nossas fraturas,
nossas equivocadas heranças civilizacionais que se arrastam ao longo destes
quinhentos anos. Não há caminho seguro e fácil para constituição de uma
racionalidade política, social, econômica e cultural consistente
civilizatoriamente sem nos tomarmos como objeto, sem reconhecermos nossa
vontade de sempre querer dar um jeitinho, de cortar caminho, de contar com a
sorte, ou com a boa vontade divina, para resolver nossos problemas. Talvez se
prestássemos mais atenção, se estudássemos mais e melhor já teríamos
compreendido com os gregos antigos, berço da civilização ocidental que uma
civilização respeitada se constrói com muita cultura, com muita educação, com a
capacidade e o compromisso com as questões públicas em primeiro plano. O resto
é pagode, música sertaneja universitária e qualquer coisa de baixa qualidade
assemelhada.
Concluímos
com mais uma passagem do livro: BRASIL: UMA BIOGRAFIA - “No futebol, espécie de
metáfora maior da nacionalidade brasileira, aguardamos sempre que “algo novo
aconteça” e resolva a partida. A vontade é de torcer para que algum elemento
mágico e imprevisto caia dos céus (suspendendo o mal-estar e solucionando
problemas), em vez de ser a de planejar mudanças substantivas e duradouras.”
Sandro
Luiz Bazzanella
Professor
de Filosofia e Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional
da Universidade do Contestado. Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em
Ciências Humanas – CNPq.
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