sexta-feira, 5 de junho de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (IV): “É preciso fazer o dever de casa”

(Tarsila do Amaral. Obra: Operários)

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (IV):  “É preciso fazer o dever de casa”

A década de 80 do século XX foi marcada por intensidades na vida política e econômica nacional.  Economistas e analistas das mais diversas áreas cunharam a frase de efeito: “A década perdida”, como forma de retratar as instabilidades políticas que caracterizaram aquele decênio e, que se refletiram implacavelmente na dinâmica da economia brasileira, comprometendo esforços e iniciativas de constituição de uma racionalidade social e econômica, necessárias a inserção do Brasil no contexto de globalização que se intensificaria nos anos 90. 


Relembremos alguns acontecimentos.  O regime militar havia acendido ao governo do país em 31 de março de 1964, por meio do golpe militar (na concepção de seus opositores), ou de uma revolução democrática (na concepção do regime), colocando em curso amplo projeto de desenvolvimento nacional. Grandes obras de infra-estrutura, estradas, linhas de comunicação, portos, aeroportos, entre outras foram implantadas como condição de afirmar a grandiosidade do Brasil. No plano político vivíamos o bipartidarismo. A Arena, partido representante do governo. O MDB agregando os representantes da oposição consentida pelo regime.  No contexto da resistência ao regime militar o lema era: “Brasil: ame ou deixo-o. No período de vigência do regime militar, os  brasileiros não votavam para escolher presidente e governadores

Talvez se possa partir da hipótese, que a partir de meados dos anos 70 o regime militar inicia os preparativos políticos para devolução do governo do Estado brasileiro aos cidadãos brasileiros. Início dos anos 80 o movimento político/popular das “Diretas Já”, contribui para que em 1984 definitivamente o Brasil tivesse um presidente civil. Eleito Tancredo Neves, morre dias antes de sua posse. Assume José Sarney o vice de Tancredo. Desafios épicos naqueles anos de transição. Eleições para a composição da Assembléia Nacional Constituinte, que redigiria a nova Constituição, promulgada em 1988. Ajustes na economia como forma de superar, equalizar PIB recessivo e, explosão inflacionária, que corroia os salários e a vitalidade produtiva do país.  Sucederam-se os planos econômicos. Em 1985, Plano Cruzado, que substituiu o cruzeiro nome da moeda nacional até então.  Em 1986, Plano Cruzado 2. Em 1989, Plano Verão. Em 1990, o presidente Fernando Collor entrega ao Congresso Nacional o Plano de Estabilização Econômica. 

Fernando Collor de Mello, primeiro presidente eleito pelo voto dos brasileiros em 1989, após o regime militar em acirrada disputa com Luís Inácio Lula da Silva, é deposto por processo de impeachment pelo Congresso Nacional em 1992. Sucede-o na presidência seu vice Itamar Franco, que nomeia para o ministério da fazenda Fernando Henrique Cardoso. Em 1994 apresenta-se aos brasileiros o Plano Real. Para além de ser apenas mais um plano econômico, que entre outras coisas modificava novamente o nome da moeda nacional para “Real”. O que se instituiu foi uma racionalidade econômica, indexada à dinâmica da economia financeira global. 

Talvez se possa considerar (muitas análises e aprofundamentos se fazem ainda necessárias), que o Plano Real para além de ser apenas mais um plano econômico imediatista, implicou numa tomada de posição de conferir à sociedade brasileira uma racionalidade política e econômica, que permitisse à sociedade brasileira superar concepções e práticas inconsistentes, senão insuficientes na afirmação de uma cultura do desenvolvimento.  Ao indexar o Plano Real à economia financeira global, Fernando Henrique Cardoso convocava a sociedade brasileira em seus diversos segmentos sociais, políticos e econômicos a superaram as velhas práticas messiânicas, paternalistas, de fazer as coisas de qualquer jeito, de contar com a sorte. Estava em jogo o desenvolvimento de práticas marcadas pela competência, pela eficiência na condução dos rumos do país frente aos desafios de sua inserção no cenário global.  O Estado pai de todos, e lócus privilegiado de interesses privados necessita tornar-se eficiente e eficaz. Diminuir o Estado, respeitar contratos, evitar calotes financeiros, desmantelar a rede de beneficiários privados em relação aos interesses púbicos, conferir maior liberdade de iniciativa ao setor privado, incentivar o trabalho qualificado, a produção, universalizar o ensino fundamental.  Modernizar as estruturas políticas e econômicas do Estado brasileiro tornando mais competitivo, como forma de diminuir as desigualdades sociais. Assim, pode-se dizer que como linha de fundo a opção do governo FHC foi pela variável econômico/produtiva, mesmo que se reconheçam equívocos nesta condução.

Em 2002, Lula é eleito presidente e assume o governo do Estado brasileiro. Confere continuidade à racionalidade econômica e política instituída pelo Plano Real. Beneficiado pelo aquecimento da economia global opta politicamente pela variável social. Porém, uma opção marcada por vários paradoxos, entre eles: Por um lado conferir continuidade as práticas do modelo anterior de remunerar generosamente o capital financeiro e, por outro lado através da ampliação da rede de programas sociais, repartir parcos recursos com setores da sociedade brasileira fora da dinâmica produtiva e de consumo, requerido pelas práticas da economia financeira global.  É a prática da inclusão exclusiva que ao incluir os brasileiros em situação precariedade social e econômica o, o faz como forma de potencializar o próprio modelo econômico global em curso. A opção pelo social exigiu aumento da máquina estatal e dos seus custos.  Neste momento, em que definitivamente sentimos a onda de choque da crise econômica de 2008 em nosso dia-a-dia, estamos diante da sensação de que novamente perdemos uma oportunidade. O modelo governamental em curso desconsiderou a necessidade de investir prioritariamente em ciência, em tecnologia, em competitividade, em educação como forma de proporcionar à sociedade brasileira a possibilidade de superar sua crônica dependência do paternalismo Estatal.  Quase em sua totalidade a sociedade brasileira somente avança se o Estado financiar. Reclamamos do excesso de Estado, mas na prática falta iniciativa se ele não financiar... Talvez, estejamos fechando mais um ciclo sem ter feito adequadamente nosso dever de casa.

 Sandro Luiz Bazzanella – Professor de Filosofia, Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e, Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNP1.

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