(Tarsila do Amaral. Obra: Operários)
REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015
(IV): “É preciso fazer o dever de casa”
A década de 80 do século XX foi marcada por
intensidades na vida política e econômica nacional. Economistas e analistas das mais diversas
áreas cunharam a frase de efeito: “A década perdida”, como forma de retratar as
instabilidades políticas que caracterizaram aquele decênio e, que se refletiram
implacavelmente na dinâmica da economia brasileira, comprometendo esforços e
iniciativas de constituição de uma racionalidade social e econômica,
necessárias a inserção do Brasil no contexto de globalização que se
intensificaria nos anos 90.
Relembremos alguns acontecimentos. O regime militar havia acendido ao governo do
país em 31 de março de 1964, por meio do golpe militar (na concepção de seus
opositores), ou de uma revolução democrática (na concepção do regime),
colocando em curso amplo projeto de desenvolvimento nacional. Grandes obras de
infra-estrutura, estradas, linhas de comunicação, portos, aeroportos, entre
outras foram implantadas como condição de afirmar a grandiosidade do Brasil. No
plano político vivíamos o bipartidarismo. A Arena, partido representante do
governo. O MDB agregando os representantes da oposição consentida pelo regime. No contexto da resistência ao regime militar
o lema era: “Brasil: ame ou deixo-o. No período de vigência do regime militar,
os brasileiros não votavam para escolher
presidente e governadores
Talvez se possa partir da hipótese, que a
partir de meados dos anos 70 o regime militar inicia os preparativos políticos
para devolução do governo do Estado brasileiro aos cidadãos brasileiros. Início
dos anos 80 o movimento político/popular das “Diretas Já”, contribui para que
em 1984 definitivamente o Brasil tivesse um presidente civil. Eleito Tancredo
Neves, morre dias antes de sua posse. Assume José Sarney o vice de Tancredo.
Desafios épicos naqueles anos de transição. Eleições para a composição da
Assembléia Nacional Constituinte, que redigiria a nova Constituição, promulgada
em 1988. Ajustes na economia como forma de superar, equalizar PIB recessivo e,
explosão inflacionária, que corroia os salários e a vitalidade produtiva do
país. Sucederam-se os planos econômicos.
Em 1985, Plano Cruzado, que substituiu o cruzeiro nome da moeda nacional até
então. Em 1986, Plano Cruzado 2. Em 1989,
Plano Verão. Em 1990, o presidente Fernando Collor entrega ao Congresso
Nacional o Plano de Estabilização Econômica.
Fernando Collor de Mello, primeiro presidente
eleito pelo voto dos brasileiros em 1989, após o regime militar em acirrada
disputa com Luís Inácio Lula da Silva, é deposto por processo de impeachment
pelo Congresso Nacional em 1992. Sucede-o na presidência seu vice Itamar
Franco, que nomeia para o ministério da fazenda Fernando Henrique Cardoso. Em
1994 apresenta-se aos brasileiros o Plano Real. Para além de ser apenas mais um
plano econômico, que entre outras coisas modificava novamente o nome da moeda
nacional para “Real”. O que se instituiu foi uma racionalidade econômica,
indexada à dinâmica da economia financeira global.
Talvez se possa considerar (muitas análises e
aprofundamentos se fazem ainda necessárias), que o Plano Real para além de ser
apenas mais um plano econômico imediatista, implicou numa tomada de posição de
conferir à sociedade brasileira uma racionalidade política e econômica, que
permitisse à sociedade brasileira superar concepções e práticas inconsistentes,
senão insuficientes na afirmação de uma cultura do desenvolvimento. Ao indexar o Plano Real à economia financeira
global, Fernando Henrique Cardoso convocava a sociedade brasileira em seus
diversos segmentos sociais, políticos e econômicos a superaram as velhas
práticas messiânicas, paternalistas, de fazer as coisas de qualquer jeito, de
contar com a sorte. Estava em jogo o desenvolvimento de práticas marcadas pela
competência, pela eficiência na condução dos rumos do país frente aos desafios
de sua inserção no cenário global. O
Estado pai de todos, e lócus
privilegiado de interesses privados necessita tornar-se eficiente e eficaz.
Diminuir o Estado, respeitar contratos, evitar calotes financeiros, desmantelar
a rede de beneficiários privados em relação aos interesses púbicos, conferir
maior liberdade de iniciativa ao setor privado, incentivar o trabalho
qualificado, a produção, universalizar o ensino fundamental. Modernizar as estruturas políticas e
econômicas do Estado brasileiro tornando mais competitivo, como forma de
diminuir as desigualdades sociais. Assim, pode-se dizer que como linha de fundo
a opção do governo FHC foi pela variável econômico/produtiva, mesmo que se
reconheçam equívocos nesta condução.
Em 2002, Lula é eleito presidente e assume o
governo do Estado brasileiro. Confere continuidade à racionalidade econômica e
política instituída pelo Plano Real. Beneficiado pelo aquecimento da economia
global opta politicamente pela variável social. Porém, uma opção marcada por
vários paradoxos, entre eles: Por um lado conferir continuidade as práticas do
modelo anterior de remunerar generosamente o capital financeiro e, por outro
lado através da ampliação da rede de programas sociais, repartir parcos
recursos com setores da sociedade brasileira fora da dinâmica produtiva e de
consumo, requerido pelas práticas da economia financeira global. É a prática da inclusão exclusiva que ao
incluir os brasileiros em situação precariedade social e econômica o, o faz
como forma de potencializar o próprio modelo econômico global em curso. A opção
pelo social exigiu aumento da máquina estatal e dos seus custos. Neste momento, em que definitivamente sentimos
a onda de choque da crise econômica de 2008 em nosso dia-a-dia, estamos diante
da sensação de que novamente perdemos uma oportunidade. O modelo governamental
em curso desconsiderou a necessidade de investir prioritariamente em ciência,
em tecnologia, em competitividade, em educação como forma de proporcionar à
sociedade brasileira a possibilidade de superar sua crônica dependência do
paternalismo Estatal. Quase em sua
totalidade a sociedade brasileira somente avança se o Estado financiar.
Reclamamos do excesso de Estado, mas na prática falta iniciativa se ele não
financiar... Talvez, estejamos fechando mais um ciclo sem ter feito
adequadamente nosso dever de casa.
Sandro Luiz Bazzanella – Professor de
Filosofia, Coordenador do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional e,
Líder do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas – CNP1.
Nenhum comentário:
Postar um comentário