REFLEXÕES DOS 100
PRIMEIROS DIAS 2015 (VIII)
O
esgotamento do ciclo político
As leis da natureza são invariáveis em sua
dinâmica cíclica. Todos os seres que vem à existência necessariamente estão
submetidos ao movimento de crescimento e declínio. As sociedades humanas participam do mesmo
princípio. Mesmo em suas especificidades antropológicas, políticas, econômicas,
sociais e, culturais estão submetidas ao sempiterno movimento cíclico natural
de nascimento, crescimento e declínio. Neste argumento se apresenta em toda sua
contundência a tensão entre o conceito de natureza humana e, de condição
humana. Ou seja, admitir tacitamente o argumento natural cíclico é tomar como
referência o fato essencial de que os seres humanos são determinados em sua
condição última pela natureza, o que limita as condições de possibilidade do
agir humano.
Por outro lado, tomar como referência essencial a condição humana,
mesmo que se reconheça a condição subalterna da natureza é conferir aos seres
humanos, às sociedades, aos povos a possibilidade de determinar autonomamente
sua ação no mundo. O debate em torno da tensão entre natureza humana e condição
humana não se esgota neste argumento inicial, mas o que está em jogo é o
irresistível argumento do caráter cíclico da natureza ao qual estamos
submetidos e, quando aplicado aos fenômenos de ordem societária, aqui
especificamente a questão do esgotamento do ciclo político nos parece
irrefutável, o que não significa por
outro lado que seja verdadeiro, ou que encontre efetivo amparo nas sociedade
humanas.
Ao lançarmos um olhar sobre as questões,
paradoxos e contradições atuais da política brasileira temos a impressão de que
estamos diante do esgotamento de um ciclo político, que teria iniciado, senão
potencializado pelo regime militar entre os anos de 1964 a 1984 do século
XX. Assim, a ascensão do regime militar
ao poder em 64 também representou o esgotamento do modelo político advindo do
Estado Novo com Getúlio Vargas nos anos 30, ao projeto desenvolvimentista
brasileiro de Juscelino Kubitschek entre 1950 a 1955, que culminou no
acirramento de tensões sociais e políticas, levando a deposição do presidente João
Goulart em 31/03/1964. O ciclo político que se abriu com os militares se estabeleceu
uma significativa pauta política marcada: a) pela denúncia e resistência de
certos setores da sociedade brasileira em torno do caráter autoritário do
regime militar brasileiro; b) pela organização de movimentos sociais e,
institucionais pela redemocratização do país; c) pela proliferação de movimentos
sociais de lutas pelo acesso a terra, movimentos sociais pelo direito a
moradia, movimentos sociais de atingidos por barragens, movimentos de defesa
dos povos da floresta, entre outros.
Entidades como a OAB (Organização dos Advogados do Brasil), CNBB (Conferência
nacional dos Bispos do Brasil da Igreja Católica), movimento sindical em suas
inúmeras variáveis, entre outros articularam frentes de debate e de pressão
política em torno de uma agenda de conquista e afirmação de direitos civis,
políticos, sociais e, individuais e, sobretudo, de um projeto de sociedade
brasileira.
Neste contexto, a partir de fins dos anos 70
e, início dos anos 80, ganha força social e política o movimento de abertura
política, de devolução do governo do Estado brasileiro à sociedade civil,
movimento conhecido como “Diretas Já”. O referido movimento alcança êxito em
1984, quando o governo militar de João Batista Figueiredo cumpre a determinação
constitucional presente na constituição de 1967 (alterada por emenda
constitucional em 1969) de garantir a eleição presidencial por meio de colégio
eleitoral. Com a morte de Tancredo Neves presidente civil eleito naquelas
condições, assume José Sarney em 1985. A Constituição Federal promulgada em
1988 pode ser compreendida sob determinadas perspectivas como catalizadora
destas tensões sociais e embates políticos vivenciados ao longo dos anos 70 e
80, materializando na forma do ordenamento jurídico anseios e demandas
características da sociedade brasileira daquele período. Assim, é sintomático o
fato de que a constituição federal de 1988 seja intitulada, ou anunciada como
“a constituição cidadã”. Ainda neste
contexto de abertura do regime militar de fins dos anos 70 e início dos anos
80, fundam-se partidos (PT em fins dos anos 70, PSDB em meados dos anos 80),
ressurgem outros como PDT, PCB, PCdoB, PDS (ARENA no governo militar), PMDB
(MDB no regime militar). Partidos marcados por consistências ideológicas e, por
derivação com propostas programáticas claras.
Os anos 90 do século XX demarcam um novo
contexto mundial com o “fim” das tensões entre capitalismo e socialismo. A
queda do muro de Berlim é o efeito visual do colapso do regime socialista de
orientação soviética e, similares. Advém
o fenômeno da globalização econômica e, com ela a lógica da financeirização da
economia política global. No contexto de
crescente hegemonia da economia política financeirizada os Estados nações
passam em maior ou menor medida, salvaguardadas diferenças estratégicas entre
estados desenvolvidos, emergentes e pobres, limitados em sua capacidade de
auto-determinação. Transformam-se em agências reguladoras e garantidoras dos
contratos da economia financeira global.
Neste contexto, a política passa a ser associada a gestão eficiente e
eficaz das garantias contratuais aos investidores globais. Na prática, isto
significa que compete aos governos potencializar, maximizar, ajustar os
recursos públicos no fomento da produção e do consumo do mercado interno,
conferindo estabilidade social, política e institucional ao tecido social,
demonstração inequívoca da capacidade de governos oferecerem segurança ao
aporte de capitais financeiros investidos e, de sua generosa remuneração.
Talvez se possa dizer, que nas últimas duas décadas e meia, de 1990 a 2015, no bojo da estabilidade econômica advinda da capacidade de produção e consumo, bem como a redução política da ação dos governos e dos Estados, as sociedades ocidentais e, por extensão, a sociedade brasileira vivenciaram um complexo processo de esvaziamento das ideologias político partidárias. Nesta direção, também é possível constatar a perda da capacidade de determinação soberana dos estados, a crescente individualização dos “cidadãos e, por decorrência, o afastamento, senão o desinteresse dos indivíduos com a coisa pública, com as questões da ordem da política. Some-se à esta condição crescente a percepção de descolamento da classe política (executivo/legislativo) das demandas, ou de interesses difusos da sociedade individualizada. Neste cenário, aumenta exponencialmente o ordenamento jurídico, como se a máquina jurídica operando de forma ininterrupta, diuturnamente seja capaz de amparar uma sociedade dos indivíduos incapazes de fazer política e alcançar consensos.
Seguramente Estamos no esgotamento de um
ciclo político. A sociedade dos indivíduos não tem uma pauta política
consistente. Ou dito de outra forma, uma proposta de sociedade brasileira. Sua
pauta é difusa. A política reduzida a condição da gestão conduz a alianças
político partidárias despropositadas, inusitadas. Na política partidária atual denominações de
direita, esquerda e centro nada representam.
Movimentos sociais esvaziados. Passados 6 meses da reeleição
presidencial não se sabe para se vai, qual a proposta de política e econômica que
está em jogo. Noticias apenas do “ajuste fiscal”. Na sociedade individualizada financeirizada em
que nos enredemos o que esta em jogo é a segurança do indivíduos e do capital,
mesmo que isto represente a perda da liberdade de pensamento, de expressão, de
iniciativa dos indivíduos e da sociedade como um todo.
Prof. Sandro Luiz
Bazzanella
Publicado no Jornal
Ótimo em Canoinhas
26/06/2015.
Muito bem explicado, professor. Porém, no intuito de aprofundar certos pontos, algumas questões surgem:
ResponderExcluir- no seu ponto de vista a nossa condição humana nos transforma em seres autonomos?
- partindo do pressuposto que não há intervalo entre um ciclo e outro, o professor acredita que um novo ciclo já tenha se iniciado? se sim, onde podemos percebe-lo?
- numa sociedade prestes a ser totalmente limitada e controlada, sem reação significativa, o que podemos esperar para o futuro?
Dóris Pereira.