segunda-feira, 29 de junho de 2015

REFLEXÕES DOS 100 PRIMEIROS DIAS 2015 (VIII) O esgotamento do ciclo político


REFLEXÕES DOS 100 PRIMEIROS DIAS 2015 (VIII)
O esgotamento do ciclo político


As leis da natureza são invariáveis em sua dinâmica cíclica. Todos os seres que vem à existência necessariamente estão submetidos ao movimento de crescimento e declínio.  As sociedades humanas participam do mesmo princípio. Mesmo em suas especificidades antropológicas, políticas, econômicas, sociais e, culturais estão submetidas ao sempiterno movimento cíclico natural de nascimento, crescimento e declínio. Neste argumento se apresenta em toda sua contundência a tensão entre o conceito de natureza humana e, de condição humana. Ou seja, admitir tacitamente o argumento natural cíclico é tomar como referência o fato essencial de que os seres humanos são determinados em sua condição última pela natureza, o que limita as condições de possibilidade do agir humano.
Por outro lado, tomar como referência essencial a condição humana, mesmo que se reconheça a condição subalterna da natureza é conferir aos seres humanos, às sociedades, aos povos a possibilidade de determinar autonomamente sua ação no mundo. O debate em torno da tensão entre natureza humana e condição humana não se esgota neste argumento inicial, mas o que está em jogo é o irresistível argumento do caráter cíclico da natureza ao qual estamos submetidos e, quando aplicado aos fenômenos de ordem societária, aqui especificamente a questão do esgotamento do ciclo político nos parece irrefutável,  o que não significa por outro lado que seja verdadeiro, ou que encontre efetivo amparo nas sociedade humanas.

Ao lançarmos um olhar sobre as questões, paradoxos e contradições atuais da política brasileira temos a impressão de que estamos diante do esgotamento de um ciclo político, que teria iniciado, senão potencializado pelo regime militar entre os anos de 1964 a 1984 do século XX.  Assim, a ascensão do regime militar ao poder em 64 também representou o esgotamento do modelo político advindo do Estado Novo com Getúlio Vargas nos anos 30, ao projeto desenvolvimentista brasileiro de Juscelino Kubitschek entre 1950 a 1955, que culminou no acirramento de tensões sociais e políticas, levando a deposição do presidente João Goulart em 31/03/1964. O ciclo político que se abriu com os militares se estabeleceu uma significativa pauta política marcada: a) pela denúncia e resistência de certos setores da sociedade brasileira em torno do caráter autoritário do regime militar brasileiro; b) pela organização de movimentos sociais e, institucionais pela redemocratização do país; c) pela proliferação de movimentos sociais de lutas pelo acesso a terra, movimentos sociais pelo direito a moradia, movimentos sociais de atingidos por barragens, movimentos de defesa dos povos da floresta, entre outros.  Entidades como a OAB (Organização dos Advogados do Brasil), CNBB (Conferência nacional dos Bispos do Brasil da Igreja Católica), movimento sindical em suas inúmeras variáveis, entre outros articularam frentes de debate e de pressão política em torno de uma agenda de conquista e afirmação de direitos civis, políticos, sociais e, individuais e, sobretudo, de um projeto de sociedade brasileira.

Neste contexto, a partir de fins dos anos 70 e, início dos anos 80, ganha força social e política o movimento de abertura política, de devolução do governo do Estado brasileiro à sociedade civil, movimento conhecido como “Diretas Já”. O referido movimento alcança êxito em 1984, quando o governo militar de João Batista Figueiredo cumpre a determinação constitucional presente na constituição de 1967 (alterada por emenda constitucional em 1969) de garantir a eleição presidencial por meio de colégio eleitoral. Com a morte de Tancredo Neves presidente civil eleito naquelas condições, assume José Sarney em 1985. A Constituição Federal promulgada em 1988 pode ser compreendida sob determinadas perspectivas como catalizadora destas tensões sociais e embates políticos vivenciados ao longo dos anos 70 e 80, materializando na forma do ordenamento jurídico anseios e demandas características da sociedade brasileira daquele período. Assim, é sintomático o fato de que a constituição federal de 1988 seja intitulada, ou anunciada como “a constituição cidadã”.   Ainda neste contexto de abertura do regime militar de fins dos anos 70 e início dos anos 80, fundam-se partidos (PT em fins dos anos 70, PSDB em meados dos anos 80), ressurgem outros como PDT, PCB, PCdoB, PDS (ARENA no governo militar), PMDB (MDB no regime militar). Partidos marcados por consistências ideológicas e, por derivação com propostas programáticas claras.

Os anos 90 do século XX demarcam um novo contexto mundial com o “fim” das tensões entre capitalismo e socialismo. A queda do muro de Berlim é o efeito visual do colapso do regime socialista de orientação soviética e, similares.  Advém o fenômeno da globalização econômica e, com ela a lógica da financeirização da economia política global.  No contexto de crescente hegemonia da economia política financeirizada os Estados nações passam em maior ou menor medida, salvaguardadas diferenças estratégicas entre estados desenvolvidos, emergentes e pobres, limitados em sua capacidade de auto-determinação. Transformam-se em agências reguladoras e garantidoras dos contratos da economia financeira global.  Neste contexto, a política passa a ser associada a gestão eficiente e eficaz das garantias contratuais aos investidores globais. Na prática, isto significa que compete aos governos potencializar, maximizar, ajustar os recursos públicos no fomento da produção e do consumo do mercado interno, conferindo estabilidade social, política e institucional ao tecido social, demonstração inequívoca da capacidade de governos oferecerem segurança ao aporte de capitais financeiros investidos e, de sua generosa remuneração.  

Talvez se possa dizer, que nas últimas duas décadas e meia, de 1990 a 2015, no bojo da estabilidade econômica advinda da capacidade de produção e consumo, bem como a redução política da ação dos governos e dos Estados, as sociedades ocidentais e, por extensão, a sociedade brasileira vivenciaram um complexo processo de esvaziamento das ideologias político partidárias. Nesta direção, também é possível constatar a perda da capacidade de determinação soberana dos estados, a crescente individualização dos “cidadãos e, por decorrência, o afastamento, senão o desinteresse dos indivíduos com a coisa pública, com as questões da ordem da política. Some-se à esta condição crescente a percepção de descolamento da classe política (executivo/legislativo) das demandas, ou de interesses difusos da sociedade individualizada. Neste cenário, aumenta exponencialmente o ordenamento jurídico, como se a máquina jurídica operando de forma ininterrupta, diuturnamente seja capaz de amparar uma sociedade dos indivíduos incapazes de fazer política e alcançar consensos.

Seguramente Estamos no esgotamento de um ciclo político. A sociedade dos indivíduos não tem uma pauta política consistente. Ou dito de outra forma, uma proposta de sociedade brasileira. Sua pauta é difusa. A política reduzida a condição da gestão conduz a alianças político partidárias despropositadas, inusitadas.  Na política partidária atual denominações de direita, esquerda e centro nada representam.  Movimentos sociais esvaziados. Passados 6 meses da reeleição presidencial não se sabe para se vai, qual a proposta de política e econômica que está em jogo. Noticias apenas do “ajuste fiscal”.  Na sociedade individualizada financeirizada em que nos enredemos o que esta em jogo é a segurança do indivíduos e do capital, mesmo que isto represente a perda da liberdade de pensamento, de expressão, de iniciativa dos indivíduos e da sociedade como um todo.

Prof. Sandro Luiz Bazzanella
Publicado no Jornal Ótimo em Canoinhas
26/06/2015.

Um comentário:

  1. Muito bem explicado, professor. Porém, no intuito de aprofundar certos pontos, algumas questões surgem:
    - no seu ponto de vista a nossa condição humana nos transforma em seres autonomos?
    - partindo do pressuposto que não há intervalo entre um ciclo e outro, o professor acredita que um novo ciclo já tenha se iniciado? se sim, onde podemos percebe-lo?
    - numa sociedade prestes a ser totalmente limitada e controlada, sem reação significativa, o que podemos esperar para o futuro?
    Dóris Pereira.

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