terça-feira, 9 de junho de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (V) “De FHC a LULA e DILMA”


REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (V) “De FHC a LULA e DILMA”

Inicialmente alerto o leitor, que o intuito desta crônica não se apresenta assentada em pressupostos ideológicos, de afirmação de um governo em contraposição a outro governo. Não se trata de apontar que determinada forma de governo estava certa e, por oposto outra estava errada. Optar por estas formas de análise é ficar preso a pressupostos maniqueístas, imediatistas, que impedem a compreensão de movimentos, de continuidades e descontinuidades, que nos situam no tempo presente em suas possibilidades e contradições.
Também não se trata de tomar a figura do governante de forma isolada (mesmo que se tenha presente a importância que certos homens e mulheres no exercício de suas faculdades e decisões políticas tenham no curso dos acontecimentos), desconsiderando concepções e influências que os circunscrevem em determinados contextos e posicionamentos.  Trata-se, sobretudo, de questionar: se de fato estamos diante do esgotamento de um ciclo político e econômico? E, se tal condição é uma especificidade da trajetória da sociedade brasileira? Ou, em que medida é decorrência de esgotamento político e econômico perceptível também em âmbito global?

Partiremos do argumento de que o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, um dos autores nos anos 60 da “Teoria da Dependência”, eleito presidente em 1994, tenha se empenhado em integrar o Brasil na nova ordem econômica e política global em curso desde os anos 70 do século XX.  Assim, a implantação do Plano Real, acompanhado da reforma do Estado brasileiro (Bresser Pereira), com extensa pauta de privatizações, com a regulamentação do sistema bancário brasileiro, com investimentos na educação fundamental com intuito de universalização, entre outras iniciativas tenha se apresentado como iniciativas de inserção do Brasil na nova divisão internacional da economia política globalizada.  Talvez se possa dizer que aposta do governo Fernando Henrique era de que as precariedades que caracterizam historicamente a sociedade brasileira pudessem ser superadas a médio e longo prazo pela própria dinâmica competitiva e, por decorrência das exigências  do capitalismo cognitivo e globalizado em curso no plano internacional. Ou seja, alinhando e inserindo o Estado e, por extensão o país na dinâmica da globalização nossas contradições seriam aos poucos superadas por meio dos imperativos decorrentes da nova ordem. Porém, é preciso ter presente que este modelo de inserção do Brasil na dinâmica econômica global implicou por parte do Estado brasileiro a oferta de garantias de contratos de remuneração do capital estrangeiro investido aqui, bem como na abertura do mercado brasileiro à segmentos produtivos globais.

Talvez se possa dizer, que a chegada de Lula ao governo do Estado brasileiro é o resultado de um acordo com o capital financeiro global, de garantia dos contratos de investimento, com setores produtivos nacionais, bem como com demandas de setores e movimentos sociais constitutivos da sociedade brasileira, com os quais o Partido dos Trabalhadores encontrava-se comprometido desde sua fundação em fins dos anos 70.  Ou seja, Lula encontra-se diante do paradoxo de ter em mãos o governo do Estado, sem, contudo, deter o poder de efetivamente direcioná-lo a interesses exclusivamente nacionais. Estes compromissos estratégicos assumidos por Lula exigiram a conformação de um Estado considerável em sua capacidade de estímulo, financiamento e, garantias aos diversos atores sociais e produtivos internos e, bem como ao capital externo. Aumento considerável da máquina pública como condição de conduzir no bojo deste paradoxo, os destinos da nação. Sob tal pressuposto e, diante do presidencialismo de coalizão que caracteriza a dinâmica política brasileira é que se pode talvez compreender as práticas de aliciamento de partidos e parlamentares de oposição em torno da proposta paradoxal de distribuir renda com intuito de diminuir as históricas desigualdades sociais, bem como de conferir continuidade a generosa remuneração do capital financeiro global. 

Porém, é preciso ter presente que estas contradições inerentes ao presidencialismo de coalização, implicando na compra, ou na distribuição de cargos de primeiro, segundo e, terceiro escalão nas estruturas do Estado à parlamentares, a indicação de nomes para postos eminentes no judiciário  também fizerem parte do governo de FHC, senão como práticas institucionalizadas no Estado, o que significa ter presente a fragilidade de nossas instituições, bem como a intensidade dos interesses privados que incidem sobre os negócios públicos sob direção de governos a frente do Estado brasileiro.  Ainda nesta direção, talvez se possa afirmar que na atualidade nossa crise é muito mais de ordem da política que de ordem da economia. Ou seja, a crise que vivenciamos na atualidade talvez seja primordialmente de (des)confiança nas instituições, na (inter)dependência dos poderes (executivo, legislativo e judiciário) constitutivos do modo de ser do Estado brasileiro que propriamente de ordem da economia.

A chegada de Dilma ao governo do Estado brasileiro representa de certo modo a habilidade de Lula na condução e negociação dos diversos segmentos beneficiados no paradoxal modelo político e econômico instalado. Ou seja, até a chegada da onda de choque da crise financeira mundial iniciada em  2008 e, a partir de 2013/2014 em terras tupiniquins, incidindo sobre os interesses dos mais diversos grupos sociais e produtivos,  tudo transcorria razoavelmente bem, o que se expressou na apatia dos partidos de oposição, que praticamente não apresentaram uma agenda política e econômica diferenciada.  A opção pela remuneração do capital financeiro e, a distribuição de renda aos setores menos favorecidos da sociedade brasileira exigiu uma estrutura estatal/governamental considerável, que em nenhum momento foi questionado consistentemente pela oposição.  Se quer o excessivo protagonismo patrimonialista do Estado brasileiro foi colocado em questão por uma sociedade brasileira apática, senão conformada e acomodada com o paternalismo estatal, que agiu como exclusivo agente financiador das múltiplas demandas sociais e produtivas.

A chegada dos ventos da crise de 2008 em nosso meio atualmente vivenciado na forma de ajuste fiscal, com cortes orçamentários da máquina estatal/governamental, exposto pelo acirramento das disputas  políticas entre o poder legislativo e executivo, demonstra as fragilidades institucionais brasileiras, entre elas o fato de que no último decênio a sociedade brasileira abriu mão do debate político, acomodada pela mera gestão governamental dos negócios públicos sob a égide de um modelo financeiro global. Sob tal pressuposto, aquilo que sentimos diretamente como crise econômica e política, talvez seja o esgotamento de um ciclo, de um modelo de gestão da economia política, que com nossas especificidades reverbera de forma também global a crise da gestão financeirizada da economia e da política, que se apresenta em países centrais da Europa, entre outros.  Isto significa que não detemos sequer o controle de nossos ciclos políticos e econômicos internos, ficando a mercê das demandas e agendas de povos e agências globais, que ditam as regras da divisão internacional do trabalho e da riqueza.



Professor Dr. Sandro Luiz Bazzanella



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