REFLEXÕES SOBRE OS 100 PRIMEIROS DIAS DE 2015 (V) “De FHC a LULA e DILMA”
Inicialmente alerto o leitor, que o intuito
desta crônica não se apresenta assentada em pressupostos ideológicos, de
afirmação de um governo em contraposição a outro governo. Não se trata de
apontar que determinada forma de governo estava certa e, por oposto outra
estava errada. Optar por estas formas de análise é ficar preso a pressupostos
maniqueístas, imediatistas, que impedem a compreensão de movimentos, de
continuidades e descontinuidades, que nos situam no tempo presente em suas
possibilidades e contradições.
Também
não se trata de tomar a figura do governante de forma isolada (mesmo que se
tenha presente a importância que certos homens e mulheres no exercício de suas
faculdades e decisões políticas tenham no curso dos acontecimentos),
desconsiderando concepções e influências que os circunscrevem em determinados
contextos e posicionamentos. Trata-se,
sobretudo, de questionar: se de fato estamos diante do esgotamento de um ciclo
político e econômico? E, se tal condição é uma especificidade da trajetória da
sociedade brasileira? Ou, em que medida é decorrência de esgotamento político e
econômico perceptível também em âmbito global?
Partiremos do argumento de que o sociólogo
Fernando Henrique Cardoso, um dos autores nos anos 60 da “Teoria da
Dependência”, eleito presidente em 1994, tenha se empenhado em integrar o
Brasil na nova ordem econômica e política global em curso desde os anos 70 do
século XX. Assim, a implantação do Plano
Real, acompanhado da reforma do Estado brasileiro (Bresser Pereira), com
extensa pauta de privatizações, com a regulamentação do sistema bancário
brasileiro, com investimentos na educação fundamental com intuito de
universalização, entre outras iniciativas tenha se apresentado como iniciativas
de inserção do Brasil na nova divisão internacional da economia política
globalizada. Talvez se possa dizer que
aposta do governo Fernando Henrique era de que as precariedades que
caracterizam historicamente a sociedade brasileira pudessem ser superadas a
médio e longo prazo pela própria dinâmica competitiva e, por decorrência das
exigências do capitalismo cognitivo e
globalizado em curso no plano internacional. Ou seja, alinhando e inserindo o
Estado e, por extensão o país na dinâmica da globalização nossas contradições
seriam aos poucos superadas por meio dos imperativos decorrentes da nova ordem.
Porém, é preciso ter presente que este modelo de inserção do Brasil na dinâmica
econômica global implicou por parte do Estado brasileiro a oferta de garantias
de contratos de remuneração do capital estrangeiro investido aqui, bem como na
abertura do mercado brasileiro à segmentos produtivos globais.
Talvez se possa dizer, que a chegada de Lula
ao governo do Estado brasileiro é o resultado de um acordo com o capital
financeiro global, de garantia dos contratos de investimento, com setores
produtivos nacionais, bem como com demandas de setores e movimentos sociais
constitutivos da sociedade brasileira, com os quais o Partido dos Trabalhadores
encontrava-se comprometido desde sua fundação em fins dos anos 70. Ou seja, Lula encontra-se diante do paradoxo
de ter em mãos o governo do Estado, sem, contudo, deter o poder de efetivamente
direcioná-lo a interesses exclusivamente nacionais. Estes compromissos
estratégicos assumidos por Lula exigiram a conformação de um Estado
considerável em sua capacidade de estímulo, financiamento e, garantias aos
diversos atores sociais e produtivos internos e, bem como ao capital externo.
Aumento considerável da máquina pública como condição de conduzir no bojo deste
paradoxo, os destinos da nação. Sob tal pressuposto e, diante do
presidencialismo de coalizão que caracteriza a dinâmica política brasileira é
que se pode talvez compreender as práticas de aliciamento de partidos e
parlamentares de oposição em torno da proposta paradoxal de distribuir renda
com intuito de diminuir as históricas desigualdades sociais, bem como de
conferir continuidade a generosa remuneração do capital financeiro global.
Porém, é preciso ter presente que estas
contradições inerentes ao presidencialismo de coalização, implicando na compra,
ou na distribuição de cargos de primeiro, segundo e, terceiro escalão nas
estruturas do Estado à parlamentares, a indicação de nomes para postos
eminentes no judiciário também fizerem
parte do governo de FHC, senão como práticas institucionalizadas no Estado, o
que significa ter presente a fragilidade de nossas instituições, bem como a
intensidade dos interesses privados que incidem sobre os negócios públicos sob
direção de governos a frente do Estado brasileiro. Ainda nesta direção, talvez se possa afirmar
que na atualidade nossa crise é muito mais de ordem da política que de ordem da
economia. Ou seja, a crise que vivenciamos na atualidade talvez seja
primordialmente de (des)confiança nas instituições, na (inter)dependência dos
poderes (executivo, legislativo e judiciário) constitutivos do modo de ser do
Estado brasileiro que propriamente de ordem da economia.
A chegada de Dilma ao governo do Estado
brasileiro representa de certo modo a habilidade de Lula na condução e
negociação dos diversos segmentos beneficiados no paradoxal modelo político e
econômico instalado. Ou seja, até a chegada da onda de choque da crise
financeira mundial iniciada em 2008 e, a
partir de 2013/2014 em terras tupiniquins, incidindo sobre os interesses dos
mais diversos grupos sociais e produtivos, tudo transcorria razoavelmente bem, o que se
expressou na apatia dos partidos de oposição, que praticamente não apresentaram
uma agenda política e econômica diferenciada. A opção pela remuneração do capital financeiro
e, a distribuição de renda aos setores menos favorecidos da sociedade
brasileira exigiu uma estrutura estatal/governamental considerável, que em
nenhum momento foi questionado consistentemente pela oposição. Se quer o excessivo protagonismo
patrimonialista do Estado brasileiro foi colocado em questão por uma sociedade
brasileira apática, senão conformada e acomodada com o paternalismo estatal,
que agiu como exclusivo agente financiador das múltiplas demandas sociais e
produtivas.
A chegada dos ventos da crise de 2008 em
nosso meio atualmente vivenciado na forma de ajuste fiscal, com cortes
orçamentários da máquina estatal/governamental, exposto pelo acirramento das
disputas políticas entre o poder
legislativo e executivo, demonstra as fragilidades institucionais brasileiras,
entre elas o fato de que no último decênio a sociedade brasileira abriu mão do
debate político, acomodada pela mera gestão governamental dos negócios públicos
sob a égide de um modelo financeiro global. Sob tal pressuposto, aquilo que
sentimos diretamente como crise econômica e política, talvez seja o esgotamento
de um ciclo, de um modelo de gestão da economia política, que com nossas
especificidades reverbera de forma também global a crise da gestão
financeirizada da economia e da política, que se apresenta em países centrais
da Europa, entre outros. Isto significa
que não detemos sequer o controle de nossos ciclos políticos e econômicos
internos, ficando a mercê das demandas e agendas de povos e agências globais,
que ditam as regras da divisão internacional do trabalho e da riqueza.
Professor Dr. Sandro Luiz
Bazzanella

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