segunda-feira, 13 de julho de 2015

REFLEXÕES SOBRE OS PRIMEIROS 180 DIAS DE 2015 (X): A BUSCA POR SEGURANÇA EM DETRIMENTO DA LIBERDADE.


REFLEXÕES SOBRE OS PRIMEIROS 180 DIAS DE 2015 (X): A BUSCA POR SEGURANÇA EM DETRIMENTO DA LIBERDADE.

Numa perspectiva nietzschiana vida é vontade de poder, de intenso jogo de forças em constante combate como forma de manutenção da existência. Sob tal perspectiva, viver implica na capacidade calcular relações com intuito de otimização das forças que podem potencializar a vida. A proposta que Nietzsche nos apresenta
para encarar a vida requer uma visão dionisíaca de mundo. Ou seja, mesmo que se calculem as ações, as relações existenciais é preciso ter presente que a elas vincula-se a contingência, a possibilidade de sua efetivação, ou de sua não efetivação. Mas, mesmo diante da contingência da vida, das apostas e expectativas existenciais em sua insustentável leveza, torna-se imperativo, senão ontológico apostar na liberdade com fundamento último da existência humana é preciso.

A proposta vital lúdica, contingente, trágica (o trágico aqui concebido a partir dos Antigos gregos e, não a concepção atual de tragédia como algo grotesco, violento, estarrecedor) apresentada por Nietzsche não se apresenta reduzida a uma receita de vida para indivíduos em seu pretenso isolamento social, mas é uma proposta para a vida das sociedades, de povos, de culturas, que almejam apresentar-se como matriz civilizatória, como sociedade, ou cultura que se apresenta como síntese civilizatória com a condição de apresentarem-se como referência possível à outras sociedade e culturas.  Porém, para que uma sociedade possa se apresentar como referencial civilizatório é preciso que se afirme um ethos, uma forma de ser desvinculada da necessidade de transcendência, de um deus, de um grande pai, de um ser superior qualquer, que diga o que os seres humanos, homens e mulheres devem necessariamente fazer com suas vidas. É preciso questionar, senão desativar as estruturas morais que regem e reprimem a vida em suas intensidades de forças e, portanto de possibilidades, de potencialidades.  Para enfrentar esta tarefa civilizatória é preciso que se apresentem espíritos livres, seres humanos com coragem suficiente de exercerem sua liberdade de ser e de agir, respeitadas as normas de convivência social, fortalecidos os laços sociais de confiança, de cooperação competitiva.

Porém, a ascensão da democracia representativa de fundamento liberal, circunscrita no estado democrático de direito e, na financeirização da vida em todas as suas dimensões de fins do século XIX, aos nossos dias, nos coloca diante do fenômeno de sociedades ansiosas por segurança, temerosas em relação a riscos, exigentes em relação a garantias de estabilidade financeira, profissional e, de acesso ao consumo. Estamos imersos numa sociedade de indivíduos amedrontados, desconfiados e inseguros em relação ao comportamento dos deuses a quem servem: ao reino da economia financeira global e, ao governo da agência estatal, que garante os contratos e os interesses da divindade financeira.  Estamos vivendo em sociedades individualizadas, que se alimentam de inúmeros paradoxos como forma de justificar a existência, entre eles: o abandono da Ágora (praça) pública, para isolar-se no espaço das sombras (casa);  o abandono da amizade com condição de compartilhamento da vida em âmbito público e, portanto como projeto político, para “curtir” centenas de milhares de “amizades” em ambiente virtual;  a assunção do espírito do turista que transita ligeiramente por inúmeros lugares, paisagens sem estabelecer compromisso algum com situações, ou seres humanos; a assimilação de que o sentido da vida se reduz ao exercício profissional, ao acesso a renda e ao usufruto desta renda na forma do consumo individual das novidades de última hora; a crítica ao Estado em sua voracidade tributária sobre e a vida financeira dos indivíduos e, fazendo coro com a “vontade de liberdade do mercado financeiro” em torno do excesso de intervenção do Estado na economia. Ou seja, a paradoxal exigência de menos intervenção do Estado na liberdade de ação da economia financeira global e individual, mas ao mesmo tempo mais Estado para controlar e garantir a vida social, a vida e o bem-estar dos indivíduos.

Sob tais pressupostos, estamos submetidos a dinâmica existencial de sociedades individualizadas, em que os indivíduos abrem mão de suas liberdades existenciais, de fazerem-se a si próprios, de fortalecimento de  laços de confiança e de amizade em praça pública como afirmação de interesses comuns e distintos das mais diversas sociedades, para insularem-se em suas vidas privadas, amedrontadas, ansiosas e, que abrem mão de suas liberdades em troca de segurança, mesmo reconhecendo que tal condição é afirmação de sociedades de consumidores, medíocres, desprovidos do comprometimento com a construção de um espaço público de afirmação do bem comum, do bem viver, que transcende a mera condição da sobrevivência dos indivíduos atomizados em sua individualidade consumidora.

Nesta medida é sintomático o fato de que estamos imersos em sociedades marcadas pela judicialização da vida em todas as formas de manifestação. Deposita-se a crença que o aumento dos ordenamentos jurídicos, elevados a fim em si mesmos garantem direitos e, sobretudo conferem garantidas de segurança aos indivíduos diante dos riscos e, da potencial inseguranças que advém das ruas, da política e, da economia em sua dinâmica financeirizada. Legisla-se ininterruptamente como garantias de ter direito a garantia de segurança diante das fragilidades dos laços humanos e dos medos deles decorrentes. A partir de tais perspectivas, é possível tomar em consideração a possibilidade de compreender alguns dos fenômenos características das sociedades individualizadas, entre eles o esvaziamento da política como fundamento ontológico, que fundamente a vida humana individual e social. O efeito mais visível deste fenômeno em âmbito societário reside no niilismo, na ausência de uma visão de mundo, de propostas societárias de bem viver e de busca da felicidade na ação comum entre seres humanos em praça pública.  Busca-se freneticamente segurança, mesmo que para o alcance de tal condição abre-se mão, hipoteca-se  a liberdade de ação comum em espaço público.


Prof. Sandro Luiz Bazzanella
Professor de filosofia no ensino superior.

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