REFLEXÕES SOBRE OS
PRIMEIROS 180 DIAS DE 2015 (X): A BUSCA POR SEGURANÇA
EM DETRIMENTO DA LIBERDADE.
Numa perspectiva nietzschiana vida é vontade
de poder, de intenso jogo de forças em constante combate como forma de
manutenção da existência. Sob tal perspectiva, viver implica na capacidade
calcular relações com intuito de otimização das forças que podem potencializar
a vida. A proposta que Nietzsche nos apresenta
para encarar a vida requer uma
visão dionisíaca de mundo. Ou seja, mesmo que se calculem as ações, as relações
existenciais é preciso ter presente que a elas vincula-se a contingência, a
possibilidade de sua efetivação, ou de sua não efetivação. Mas, mesmo diante da
contingência da vida, das apostas e expectativas existenciais em sua
insustentável leveza, torna-se imperativo, senão ontológico apostar na
liberdade com fundamento último da existência humana é preciso.
A proposta vital lúdica, contingente, trágica
(o trágico aqui concebido a partir dos Antigos gregos e, não a concepção atual
de tragédia como algo grotesco, violento, estarrecedor) apresentada por
Nietzsche não se apresenta reduzida a uma receita de vida para indivíduos em
seu pretenso isolamento social, mas é uma proposta para a vida das sociedades,
de povos, de culturas, que almejam apresentar-se como matriz civilizatória,
como sociedade, ou cultura que se apresenta como síntese civilizatória com a
condição de apresentarem-se como referência possível à outras sociedade e
culturas. Porém, para que uma sociedade
possa se apresentar como referencial civilizatório é preciso que se afirme um ethos, uma forma de ser desvinculada da
necessidade de transcendência, de um deus, de um grande pai, de um ser superior
qualquer, que diga o que os seres humanos, homens e mulheres devem
necessariamente fazer com suas vidas. É preciso questionar, senão desativar as
estruturas morais que regem e reprimem a vida em suas intensidades de forças e,
portanto de possibilidades, de potencialidades.
Para enfrentar esta tarefa civilizatória é preciso que se apresentem
espíritos livres, seres humanos com coragem suficiente de exercerem sua
liberdade de ser e de agir, respeitadas as normas de convivência social,
fortalecidos os laços sociais de confiança, de cooperação competitiva.
Porém, a ascensão da democracia representativa
de fundamento liberal, circunscrita no estado democrático de direito e, na
financeirização da vida em todas as suas dimensões de fins do século XIX, aos
nossos dias, nos coloca diante do fenômeno de sociedades ansiosas por
segurança, temerosas em relação a riscos, exigentes em relação a garantias de
estabilidade financeira, profissional e, de acesso ao consumo. Estamos imersos
numa sociedade de indivíduos amedrontados, desconfiados e inseguros em relação
ao comportamento dos deuses a quem servem: ao reino da economia financeira
global e, ao governo da agência estatal, que garante os contratos e os
interesses da divindade financeira.
Estamos vivendo em sociedades individualizadas, que se alimentam de
inúmeros paradoxos como forma de justificar a existência, entre eles: o
abandono da Ágora (praça) pública, para isolar-se no espaço das sombras
(casa); o abandono da amizade com
condição de compartilhamento da vida em âmbito público e, portanto como projeto
político, para “curtir” centenas de milhares de “amizades” em ambiente virtual;
a assunção do espírito do turista que
transita ligeiramente por inúmeros lugares, paisagens sem estabelecer
compromisso algum com situações, ou seres humanos; a assimilação de que o
sentido da vida se reduz ao exercício profissional, ao acesso a renda e ao
usufruto desta renda na forma do consumo individual das novidades de última
hora; a crítica ao Estado em sua voracidade tributária sobre e a vida
financeira dos indivíduos e, fazendo coro com a “vontade de liberdade do
mercado financeiro” em torno do excesso de intervenção do Estado na economia.
Ou seja, a paradoxal exigência de menos intervenção do Estado na liberdade de
ação da economia financeira global e individual, mas ao mesmo tempo mais Estado
para controlar e garantir a vida social, a vida e o bem-estar dos indivíduos.
Sob tais pressupostos, estamos submetidos a
dinâmica existencial de sociedades individualizadas, em que os indivíduos abrem
mão de suas liberdades existenciais, de fazerem-se a si próprios, de fortalecimento
de laços de confiança e de amizade em
praça pública como afirmação de interesses comuns e distintos das mais diversas
sociedades, para insularem-se em suas vidas privadas, amedrontadas, ansiosas e,
que abrem mão de suas liberdades em troca de segurança, mesmo reconhecendo que
tal condição é afirmação de sociedades de consumidores, medíocres, desprovidos
do comprometimento com a construção de um espaço público de afirmação do bem
comum, do bem viver, que transcende a mera condição da sobrevivência dos
indivíduos atomizados em sua individualidade consumidora.
Nesta medida é sintomático o fato de que
estamos imersos em sociedades marcadas pela judicialização da vida em todas as
formas de manifestação. Deposita-se a crença que o aumento dos ordenamentos
jurídicos, elevados a fim em si mesmos garantem direitos e, sobretudo conferem
garantidas de segurança aos indivíduos diante dos riscos e, da potencial
inseguranças que advém das ruas, da política e, da economia em sua dinâmica
financeirizada. Legisla-se ininterruptamente como garantias de ter direito a
garantia de segurança diante das fragilidades dos laços humanos e dos medos
deles decorrentes. A partir de tais perspectivas, é possível tomar em
consideração a possibilidade de compreender alguns dos fenômenos
características das sociedades individualizadas, entre eles o esvaziamento da
política como fundamento ontológico, que fundamente a vida humana individual e
social. O efeito mais visível deste fenômeno em âmbito societário reside no
niilismo, na ausência de uma visão de mundo, de propostas societárias de bem
viver e de busca da felicidade na ação comum entre seres humanos em praça
pública. Busca-se freneticamente
segurança, mesmo que para o alcance de tal condição abre-se mão,
hipoteca-se a liberdade de ação comum em
espaço público.
Prof. Sandro Luiz
Bazzanella
Professor de filosofia no ensino superior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário