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ENCOMENDA DE
UMA PIZZA EM 2015
Telefonista: "Pizza Hot, Bom dia".
Cliente: "Bom dia, quero encomendar uma pizza".
Telefonista: Pode me dar o seu NIDN?
Cliente: "Com certeza, o meu número de identificação nacional, é 6102049998-45-54610".
Telefonista: "Muito obrigado Sr. Paulo. A sua morada é 1742, Jardim
Botânico, e o seu número de telefone é 494-2366, o seu número no escritório da
rua XV de novembro é o 745-2302 e o seu portátil é 266-2566. De que número o Sr
ligou?"Cliente: "Bom dia, quero encomendar uma pizza".
Telefonista: Pode me dar o seu NIDN?
Cliente: "Com certeza, o meu número de identificação nacional, é 6102049998-45-54610".
Cliente: "Eu? Estou
Telefonista: "Nós estamos ligados em rede ao Sistema".
Cliente: (Suspiro) "Ah sim ! Eu queria encomendar duas pizzas com extra queijo e camarão..."
Telefonista: "É capaz de não ser boa idéia".
Cliente: "O que você falou???"
Telefonista: "Consta na sua ficha médica que sofre de hipertensão e de um nível muito alto de colesterol, além disso, o seu seguro de vida desaconselha vivamente escolhas perigosas para a sua saúde".
Cliente: "Pois é... tem razão! O que é que me propõe?"
Telefonista: "Por que que não experimenta a nossa pizza Light com iogurte de soja, tenho a certeza que vai adorar".
Cliente: "Como é que sabe que vou adorar!!!?"
Telefonista: " O Sr. consultou o site "Recette Gourmandes au Soja” na
biblioteca municipal dia 15/01 às 14h32 onde permaneceu ligado à rede durante 36 minutos, daí a minha sugestão".
Cliente: "Pronto está bem!. Dê-me duas pizzas familiares, quanto é?"
Telefonista: "É a escolha certa para si , a sua esposa e respectivos quatro filhos, são $49,99".
Cliente: "Quer o meu número de cartão de crédito?"
Telefonista: "Lamento mas vai ter que pagar
Cliente: "Não faz mal eu vou ao multibanco levantar dinheiro antes que chegue a pizza".
Telefonista: "Duvido que dê. Tem a conta a descoberto".
Cliente: "Meta-se na sua vida. Mande-me as pizzas que eu arranjo o dinheiro. Quando é que entregam?"
Telefonista: "Estamos um pouco atrasados. Daqui a 45 minutos serão entregues. Se estiver com muita pressa pode vir buscá-las, só que transportar duas pizzas de moto não é aconselhável além de ser perigoso".
Cliente: "Mas que raio de história é esta, como é que sabe que tenho uma moto?"
Telefonista: “Peço desculpa, apenas reparei que não tinha pago as prestações do carro e que ele foi penhorado”. Mas a sua Harley está paga. Daí pensei que fosse utilizá-la".
Cliente: " @#%/$@&?#! "
Telefonista: "Agradeço que não me insulte... não se esqueça que já foi condenado em Julho de 2009 por Insulto a Agente na via pública".
Cliente: (Silêncio)
Telefonista: "Mais alguma coisa!?"
Cliente: "Não, é tudo... não espere... não se esqueça dos
Telefonista: "Peço imensa desculpa, mas o regulamento da nossa promoção descrito no art.3/12 proíbe-nos de enviar bebidas com açúcar a pessoas diabéticas".
O texto acima
circulou recentemente pela Internet. Sua apresentação se faz aqui com pequenas
alterações no nome do personagem denominado cliente e seu endereço, uma vez que
se encontrava em inglês.
Talvez seja
possível começar desdizendo, contradizendo o texto. Explico: o fato que
ocorreria em 2015, tenho a impressão de
que isto já aconteceu ontem. Você ainda esta descrente? Então faça um exercício
rápido de memória realizando um levantamento de quantas senhas, códigos, cartões de conta-corrente, de crédito, de
bolsa-família, bolsa-escola, número da carteira nacional de habilitação, número
do PIS, do INSS, do plano de saúde, do RG, do CPF, do código de pessoa física,
jurídica, etc., de que você dispõe e necessita diariamente para sobreviver na
sociedade contemporânea.
Sociedade de
controle em tempo real. Não há como refugiar-se, você “existe” nos sistemas de
informação interligados de norte a sul do país, talvez até do planeta. Talvez
você, ser humano portador de sonhos, anseios, projetos, pensamentos não exista
efetivamente para o sistema, mas seu código que é condição da sua existência
estatística nos bancos de dados é uma realidade. Parafraseando o filósofo Rene
Descartes (1596-1650), “Tenho senha,
logo êxito”.
Neste momento
você poderá estar começando a fazer objeções a esta proposta reflexiva: “sim,
mas todas estas senhas, códigos me possibilitam ter acesso a bens de consumo, a
agilizar transações financeiras, afinal,
“tempo é dinheiro”; “Este conjunto de códigos e senhas nos possibilitam maior
segurança”; “Possibilitam maior mobilidade do indivíduo, podendo ter acesso a
bens e serviços em qualquer lugar do país ou do mundo”. “Enfim, os códigos, os
números, as senhas nos tornam globais, passamos a existir.”
Durante
grande parte da nossa civilização ocidental, o controle sobre as pessoas se
dava sobre seus corpos, imprimindo para tal finalidade a força física, a
punição, o castigo. Instituições foram exaltadas, edificadas, constituídas para
participarem deste esforço levado adiante pelo Estado, entre elas: a família, a
força policial, a escola, o manicômio.
Métodos “científicos” foram desenvolvidos para serem aplicados em tais
instituições no sentido de alcançar êxito na árdua empreitada de controlar
corpos e mentes.
Porém, em
nossa sociedade contemporânea edificada sobre os pilares da técnica, onde tudo
o que é factível é “automaticamente” eticamente justificável, alienando o
direito ao debate público sobre as conseqüências à condição humana, sociedade
contemporânea alicerçada no fundamentalismo de mercado, onde o público é
exaurido em suas forças em benefício dos interesses privados, as formas de
controle sobre corpos e mentes assumem outras perspectivas. Os controles são
mais sutis, não demandam grandes estruturas físicas, materiais e humanas para
sua efetivação, mas são concretizados por meio de códigos, senhas, contas e
números.
Talvez o que se torna importante
nos darmos conta é que esta “sociedade do controle” é o resultado do incansável
esforço da racionalidade que se instaura ao longo dos últimos quinhentos anos
de nossa civilização ocidental.
Racionalidade pautada na ciência, na tecnologia, na engenharia, na
administração do mundo, da natureza, da existência. Racionalidade alicerçada na
técnica que pensa e executa os programas de controle das “massas humanas. Neste sentido, “o mundo é dos
programadores e seus controles”. Mas racionalidade que também se encontra nos
usuários, nas massas que utilizam tais controles como se fosse sinônimo de
progresso, de avanço, necessários e fundamentais a vida moderna.
E apesar de
todo este controle nos achamos “mais livres”, “mais seguros”, “mais modernos”,
“melhores que outros seres humanos que viveram em outras épocas”. O paradoxo
que nos assola contemporaneamente coloca-se na seguinte perspectiva: “Quanto
maior nossa necessidade de segurança, menor é a nossa liberdade”. Talvez não tenhamos nos dado conta, mas somos
participantes em tempo real e integral de um grande “Big Brother”, onde alguns
existem, pois tem seus códigos e contas e podem ser controlados e outros que
simplesmente não tem códigos, senhas não existem e portanto, não há necessidade de serem
controlados, não consomem.
A
esta altura você já deve ter-se feito outras perguntas e questionamentos, entre
eles: Qual a proposta dos autores? Abolir todos estes controles? Como seria
possível controlar e administrar o mundo, a natureza, a existência de milhões
de pessoas. Nossa proposta não se
apresenta de forma simples no sentido de abolir estes controles, afinal esta
tarefa seria praticamente impossível e inviável diante da complexidade das
relações sociais, econômicas que vivemos. Mas se trata de nos darmos o direito
de questionar o óbvio, perguntar por seus pressupostos éticos, políticos e
estéticos. De querer saber quais os custos exigidos à condição humana a partir
de todo este esforço de controle de corpos e mentes?
Prof. Sandro Luiz Bazzanella - Filosofia UnC-Canoinhas
Prof. André Bazzanella - "In Memoriam"
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