segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O QUE CONCEBEMOS POR DEMOCRACIA?


O QUE CONCEBEMOS POR DEMOCRACIA?


Para contextualizar a reflexão que segue talvez se possa partir da constatação de que um dos termos mais pronunciados cotidianamente, seja nos meios de comunicação, nos discursos analíticos de circunscrição acadêmica e/ou política, ou mesmo no cotidiano das pessoas é o termo “democracia”. Na democracia cabem argumentos dos mais diferentes matizes.
Em nome da democracia setores da sociedade solicitam menos intervenção do Estado na economia; em nome da democracia outros setores da sociedade solicitam mais Estado na forma de leis que dêem segurança aos indivíduos, à minorias; em nome da democracia em períodos de crises econômica (crise da economia financeira em 2008) exige-se a intervenção Estado para minimizar as perdas do mercado imobiliário e, das finanças globais; em nome da democracia justificam-se discursos agressivos, ataques pessoais aos representantes do poder executivo e, certos setores sociais se sentem a vontade para sugerir a volta dos militares ao poder. 
Diante desta ambivalência caracterizada nas diversas formas de anúncio e, concepção de democracia presente nas sociedades contemporâneas e, também na brasileira, cabe as perguntas: Afinal, o que é democracia? Do que estamos falando, quando falamos que vivemos numa sociedade democrática?  Vivenciamos de fato uma democracia representativa? Ou estamos diante de uma democracia gerencial de mercado?  É possível falar de democracia numa sociedade de plena produção e consumo ansiosa por segurança? Diante da afirmação do homo aeconomicus na modernidade e, suas exigências utilitaristas e pragmáticas da política são possíveis a política e  a democracia?
A partir das reflexões do filósofo italiano Giorgio Agamben (1942....) presentes no artigo: Como a obsessão por segurança muda a Democracia (2015) e,  a partir da entrevista: A Democracia é um conceito ambíguo (2013), as linhas que seguem discutirão a crítica do filósofo ao que hoje se chama de Democracia. Sobretudo, deseja-se colocar em jogo, questionar e quiçá avaliar quais as condições de possibilidade da democracia no contexto de um mundo de plena produção e consumo, ávido por segurança em detrimento da liberdade e, por extensão, ou necessária decorrência também de se perguntar pelas condições de possibilidade da democracia no contexto de hegemonia da economia financeirizada global.
            Sua linha de raciocínio se ampara no conceito clássico grego. Para aventar essa nuance necessariamente devemos compreender outras duas concepções: Política e Cidadania. Nessa perspectiva, o indivíduo passava por um processo de politização, permissivo para o reconhecimento como cidadão e agente de uma identidade social, logo a condição política se elevava a primeiro plano. Assim, o sujeito se condiciona como membro da comunidade. Em jogo estava o espaço público, o bem comum da Pólis. Nessa circunstância o cidadão já havia outorgado segundo plano a administrabilidade da casa e suas primazias religiosas. Com essa base o filósofo nos permite analisar as transformações que as práticas sofreram no ocidente argumentando na seguinte direção: “É precisamente esse fator que hoje está se revertendo de modo progressivo: trata-se de um processo de despolitização. Antes limiar da politização ativa e irredutível, a cidadania se tornou uma condição puramente passiva, em que a ação ou a inação, o público e o privado se desvanecem e se confundem. O que se concretizava por uma atividade cotidiana e uma forma de vida se limita hoje a um estatuto jurídico e ao exercício de um direito de voto cada vez mais parecido com uma pesquisa de opinião.”  (AGAMBEN, 2015)
            Segundo Agamben falta apenas uma terminologia para entendermos o que se delimita hoje como Política e Democracia, “Não podemos usar a Democracia como novo paradigma, se não dissermos o que é hoje a democracia. Se quisermos propugnar a Democracia, devemos pensar algo que não tenha relação alguma com aquilo que hoje se chama Democracia” (AGAMBEN, 2013). Sob essa possibilidade nos convida a pensar os arquétipos hodiernos. Em um primeiro momento a condição de participação nas decisões da esfera pública foi outorgada a políticos de carreira e assegurada pelos estatutos jurídicos, ou seja, a arte da política e da ética perdeu o sentido clássico, o livre e constante exercício de pensar a cidade, país, se limita a entidades de classes arraigadas aos interesses de setores.
            Está em cena à condição da OIKONOMIA (ativo relegado ao segundo plano na Grécia antiga), o reino das necessidades privadas assume a centralidade da vida. Nesse postulado compete ao governo assegurar o império biológico e a empresa, instância onde rege a economia. Com a elevação da economia a centralidade do céu o espaço se torna sinônimo de realização, cotidianamente contemplado, aclamado, ao Estado restou assegurar à lógica, entretanto, nesse paradigma se abre mão da liberdade em troca de segurança (Movimento inaugurado após a queda das Torres Gêmeas no E.U.A). Nessa linha há a substituição da política clássica, logo, rodovias, escolas, praças e ruas que possuem câmeras deixam de serem espaços públicos para se tornarem prisões a céu aberto. Destarte, o que se concebe como democracia, torna-se técnica de governo e reproduz com eficácia o arquétipo transcendental do capital e da segurança.

Prof. Felipe Onisto 
Mestrando no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado - UnC. Professor e coordenador do curso de graduação de Ciências Sociais da Universidade do Contestado - UnC. Atualmente vincula-se ao grupo de estudos interdisciplinar em Ciências Humanas da UnC com estudos sobre a obra de Giorgio Agamben. 

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