O QUE CONCEBEMOS POR DEMOCRACIA?
Para contextualizar a
reflexão que segue talvez se possa partir da constatação de que um dos termos
mais pronunciados cotidianamente, seja nos meios de comunicação, nos discursos
analíticos de circunscrição acadêmica e/ou política, ou mesmo no cotidiano das
pessoas é o termo “democracia”. Na democracia cabem argumentos dos mais
diferentes matizes.
Em nome da democracia setores da sociedade solicitam menos
intervenção do Estado na economia; em nome da democracia outros setores da
sociedade solicitam mais Estado na forma de leis que dêem segurança aos
indivíduos, à minorias; em nome da democracia em períodos de crises econômica
(crise da economia financeira em 2008) exige-se a intervenção Estado para
minimizar as perdas do mercado imobiliário e, das finanças globais; em nome da
democracia justificam-se discursos agressivos, ataques pessoais aos
representantes do poder executivo e, certos setores sociais se sentem a vontade
para sugerir a volta dos militares ao poder.
Diante desta
ambivalência caracterizada nas diversas formas de anúncio e, concepção de
democracia presente nas sociedades contemporâneas e, também na brasileira, cabe
as perguntas: Afinal, o que é democracia? Do que estamos falando, quando
falamos que vivemos numa sociedade democrática?
Vivenciamos de fato uma democracia representativa? Ou estamos diante de
uma democracia gerencial de mercado? É
possível falar de democracia numa sociedade de plena produção e consumo ansiosa
por segurança? Diante da afirmação do homo
aeconomicus na modernidade e, suas exigências utilitaristas e pragmáticas
da política são possíveis a política e a
democracia?
A partir das
reflexões do filósofo italiano Giorgio Agamben (1942....) presentes no artigo: Como a obsessão por segurança muda a
Democracia (2015) e, a partir da entrevista:
A Democracia é um conceito ambíguo
(2013), as linhas que seguem discutirão a crítica do filósofo ao que hoje se
chama de Democracia. Sobretudo, deseja-se colocar em jogo, questionar e quiçá
avaliar quais as condições de possibilidade da democracia no contexto de um
mundo de plena produção e consumo, ávido por segurança em detrimento da
liberdade e, por extensão, ou necessária decorrência também de se perguntar
pelas condições de possibilidade da democracia no contexto de hegemonia da
economia financeirizada global.
Sua linha de raciocínio se ampara no
conceito clássico grego. Para aventar essa nuance necessariamente devemos compreender
outras duas concepções: Política e Cidadania. Nessa perspectiva, o indivíduo passava por um processo de politização,
permissivo para o reconhecimento como cidadão e agente de uma identidade
social, logo a condição política se elevava a primeiro plano. Assim, o sujeito
se condiciona como membro da comunidade. Em jogo estava o espaço público, o bem
comum da Pólis. Nessa circunstância o
cidadão já havia outorgado segundo plano a administrabilidade da casa e suas
primazias religiosas. Com essa base o filósofo nos permite analisar as
transformações que as práticas sofreram no ocidente argumentando na seguinte
direção: “É precisamente esse fator que hoje está se revertendo de
modo progressivo: trata-se de um processo de despolitização. Antes limiar da
politização ativa e irredutível, a cidadania se tornou uma condição puramente
passiva, em que a ação ou a inação, o público e o privado se desvanecem e se
confundem. O que se concretizava por uma atividade cotidiana e uma forma de
vida se limita hoje a um estatuto jurídico e ao exercício de um direito de voto
cada vez mais parecido com uma pesquisa de opinião.” (AGAMBEN, 2015)
Segundo Agamben falta apenas uma
terminologia para entendermos o que se delimita hoje como Política e Democracia,
“Não
podemos usar a Democracia como novo paradigma, se não dissermos o que é hoje a
democracia. Se quisermos propugnar a Democracia, devemos pensar algo que não
tenha relação alguma com aquilo que hoje se chama Democracia” (AGAMBEN, 2013).
Sob essa possibilidade nos convida a pensar os arquétipos
hodiernos. Em um primeiro momento a condição de participação nas decisões da
esfera pública foi outorgada a políticos de carreira e assegurada pelos
estatutos jurídicos, ou seja, a arte da política e da ética perdeu o sentido
clássico, o livre e constante exercício de pensar a cidade, país, se limita a
entidades de classes arraigadas aos interesses de setores.
Está em cena à condição da OIKONOMIA (ativo relegado ao segundo
plano na Grécia antiga), o reino das necessidades privadas assume a
centralidade da vida. Nesse postulado compete ao governo assegurar o império
biológico e a empresa, instância onde rege a economia. Com a elevação da
economia a centralidade do céu o espaço se torna sinônimo de realização,
cotidianamente contemplado, aclamado, ao Estado restou assegurar à lógica,
entretanto, nesse paradigma se abre mão da liberdade em troca de segurança
(Movimento inaugurado após a queda das Torres Gêmeas no E.U.A). Nessa linha há
a substituição da política clássica, logo, rodovias, escolas, praças e ruas que
possuem câmeras deixam de serem espaços públicos para se tornarem prisões a céu
aberto. Destarte, o que se concebe como democracia, torna-se técnica de governo
e reproduz com eficácia o arquétipo transcendental do capital e da segurança.
Prof.
Felipe Onisto
Mestrando
no Programa de Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado - UnC.
Professor e coordenador do curso de graduação de Ciências Sociais da
Universidade do Contestado - UnC. Atualmente vincula-se ao grupo de estudos
interdisciplinar em Ciências Humanas da UnC com estudos sobre a obra de Giorgio
Agamben.
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