sexta-feira, 6 de novembro de 2015

A INSUSTENTÁVEL CIRCULARIDADE DA TERRA E DAS PRETENÇÕES HUMANAS DE PERFEIÇÃO

Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuoto mais soberbo e mias mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. (Nietzsche)



Os últimos anos 500 anos da história da humanidade foram traumáticos para a condição humana. Retomemos algumas perspectivas analíticas: Desde a Grécia Antiga com o estabelecimento do sistema cosmológico ptolomaico, ancorado numa visão geocêntrica (a terra seria o centro do kosmos), concepção corroborada pela visão judaico-cristã medieval, na medida em se coaduna perfeitamente com a narrativa da obra da criação do mundo e, da totalidade dos seres que nele se apresentam por parte de um ser transcendente e voluntarioso, os seres humanos vem perdendo a centralidade de sua condição no universo.
Um dos primeiros a questionar a centralidade da terra em relação a totalidade do kosmos tenha sido o matemático, físico, astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) ao anunciar a teoria heliocêntrica, cujo argumento fundamental é o reconhecimento de que a terra gira em torno do sol. A terra deixa de ser o centro do universo, sendo substituída pelo sol.  Por sua vez o teólogo e matemático italiano Giordano Bruno (1548-1600), ancorado em suas perspectivas matemáticas e físicas anuncia que o universo é infinito e que na mesma medida existiria uma infinidade de outros sóis e terras. Ou seja, defende em sua cosmologia  a tese do universo infinito e povoado por uma infinidade de estrelas, como o Sol, e por outros planetas, nos quais, assim como na Terra, existiria vida inteligente. Duro golpe desferido pelo filósofo na centralidade da terra e do ser humano como resultantes da obra da criação. Não deu outra, a Igreja providenciou sua queima na fogueira da Inquisição diante de tal heresia. Pouco tempo depois Galileu Galilei (1564-1642) retoma os estudos e cálculos de Copérnico, de Giordano Bruno e reafirma que a terra não poderia ser o centro do universo. A Igreja se apressa em processá-lo. Para não ser queimado na fogueira da Inquisição Galileu abdica de suas teses, vindo a confirmá-las muitos anos depois no leito de morte.
Não foi fácil para os seres humanos abrir mão do fato de ser o centro do mundo, do universo. Esta condição descentrada no kosmos não retirou apenas a centralidade do humano no mundo, senão questionou viceralmente o fato de seremos seres especialmente criados e situados pela obra da criação. A angústia humana desencadeada pela perda da centralidade do mundo evidencia-se em perguntas sibilinas, tais como: Qual nossa posição no kosmos?  O universo é finito ou infinito? Para onde vamos na imensidão escura do Kosmos depois que cortamos o cordão umbilical com Deus? O mundo, o universo é resultante do acaso, ou da necessidade? Qual o sentido e a finalidade da vida humana lançada na imensidão das abissais forças cosmológicas que nos circundam, ou nas quais estamos inseridos?
Diante destas avassaladoras questões resultantes da perda da centralidade da terra e da condição humana no kosmos, o que nos restou foi nos consolarmos com imagens do planeta terra retiradas pelas sondas e naves lançadas ao espaço pelos centros espaciais norte americanos e europeus a partir da segunda metade do século XX.  Estas imagens nos apresentavam o planeta terra numa forma esférica quase que perfeita, mesclada por tons de azul e branco conformando uma imagem idílica, romântica, agradável em sua forma circular simétrica.  Se havíamos perdido a centralidade de nossa condição no kosmos, pelo menos nos sobrou a imagem belíssima do planeta terra na imensidão escura e gélida do universo.
Porém, eis a que a maré de más notícias às pretensões de centralidade e perfeição do mundo e do ser humano volta anos assolar impiedosamente. A agência espacial européia (ESA) reconstituiu a imagem da terra a partir de fotos e imagens de satélites a partir de seus campos gravitacionais. O resultado é o que podemos visualizar na imagem acima. Nosso planeta não se apresenta como um círculo simetricamente próximo a perfeição, mas pelo contrário apresenta-se na forma de uma esfera disforme aproximando-se apenas por comparação da vontade humana a figura geométrica do círculo.  Diante desta situação cabem mais algumas perguntas: Seria o ser humano a imagem e semelhança do planeta que o acolhe em vida e morte: imperfeito? Nossa condição humana paradoxal e contraditória encontraria na forma do planeta sua justificativa?  A necessidade humana de estabelecer sentido e finalidade à vida numa vida além túmulo exige a construção de ideais de perfeição que não encontram amparo no mundo físico?  O que fazer? Fugir? Mas, para onde na infinitude de sóis e terras presentes no inóspito, voraz e monstruoso universo que nos circunda? Ou ainda, o que podemos realmente conhecer, para além de nossas ilusões, sobre a vida, o mundo, o universo? Talvez o que nos resta diante de tudo isto é continuar a questionar as nossas construções idealizadas de mundo. Se segundo o Nietzsche, “Deus esta morto”, então é necessário que o homem e seu instinto de rebanho também mora, para que se apresente o além-do-homem, um ser que brinca, dança e se diverte diante da parcialidade, da tragicidade e das imperfeições da vida humana que culmina na humilhação da morte. Quem sabe um pouco mais de física e filosofia podem nos ajudar a compreender que o caos está para ordem, assim como a ordem esta para o caos.

 Ms. André Campos – Professor de física e matemática da UnC – Campus Canoinhas

 Dr. Sandro Luiz Bazzanella – Professor de Filosofia da UnC – Campus Canoinhas

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