O STF E O IMPÉRIO DA LEI – UM ARTIGO DE
SANTAYANA DE OBRIGATÓRIA LEITURA
Publicado em 05/07/2016
Transcrevo a mais clara, objetiva e completa análise que
já li sobre este tema, que tanto aflige expressiva parcela responsável da
Nação, angustiada com o atual cenário nacional e os rumos, cada vez mais
equivocados, que poderemos ser levados a percorrer, celeremente, caso
continuemos a ignorar preceitos básicos constitucionais, em nome de uma corrida
descontrolada pelo saneamento ético do Brasil, que poderá levar a lugar algum,
quando muito à derrocada do país.
Saneamento ético, sim, mas obedecendo ipsis literis a
todos os artigos de nossa Constituição, pois para isso ela foi criada.
Que este artigo de Mauro Santayana seja replicado por todos os blogs, sites, portais, faces responsáveis, este o apelo que lhe faço.
Na última semana, juízes e procuradores de São Paulo, declararam-se
“perplexos”, e manifestaram-se contra a decisão da Suprema Corte, por meio do
Ministro Dias Toffoli, de mandar soltar Paulo Bernardo, detido em Brasília, diante
de seus filhos, em um apartamento pertencente ao Senado Federal, em
espetaculosa ação da Polícia Federal que contou com a participação de numerosos
homens e até mesmo de um helicóptero, como se o ex-ministro fosse um perigoso
traficante de drogas, uma espécie de Pablo Escobar, entrincheirado em uma
inexpugnável fortaleza no deserto, na fronteira sul dos EUA.
Têm os
nobres procuradores todo o direito de ficarem perplexos com a decisão do
Ministro Toffoli.
Como têm
os cidadãos brasileiros – pelo menos aqueles que não fazem parte da manada
psicótica manipulada por parte da mídia desde 2013 – o direito de, por sua vez,
ficarem perplexos com a “perplexidade” dos procuradores, diante da clareza
cristalina do que afirma a lei nesta República, a propósito das garantias aos
direitos individuais, da presunção de inocência e do mais amplo direito de
defesa que devem proteger o cidadão frente ao sistema e ao Estado, sempre que
seu poder for distorcido ou exacerbado.
Nunca é
demais lembrar, reza a Constituição Federal, no
Artigo 5:
Artigo 5:
LV – aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são
assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes;
LVII-
ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”;
E o Código
Penal:
“Art.
283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de
sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do
processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
“Art.
312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime
e indício suficiente de autoria.
Nos
últimos tempos, têm se estirado e retorcido, como se fossem de látex, os
princípios da lesividade; da materialidade; da culpabilidade; da velha e justa
premissa “in dubio pro reo”; da jurisdicionalidade; do princípio
acusatório; do princípio do encargo da prova – é à acusação que cabe provar a
responsabilidade criminal do suspeito; e o do contraditório.
A prisão
do ex-ministro Paulo Bernardo, da forma como foi executada, é mais um indício,
sutil como um elefante, de o país em que estamos nos transformando, e dos
riscos que corre, no Brasil de hoje, a Democracia.
É da
natureza humana a extraordinária sede de poder daqueles que têm algum poder.
E é por
isso que a distorção e a desobediência ao espírito da Lei precisam ser
combatidas, principalmente quando cometidas por agentes do Estado, porque
depois, com o passar do tempo, elas se tornam mais intensas e profundas e
não podem mais ser controladas.
Uma coisa
é o combate real à corrupção.
Outra, o
discurso por trás dele, que, na maioria das vezes, ao contrário do que pensa a
maioria, não é usado apenas pelos mocinhos, mas principalmente pelos
bandidos.
Pinochet,
Suharto, Salazar, entre muitíssimos outros, e, principalmente, Mussolini e
Hitler, dele fizeram sua bandeira e seu diabólico e demagógico ariete contra a
Democracia, usando-o para abrir caminho para o poder, e para implantar em
seus países e mais tarde em toda a Europa ocupada um regime de terror assassino
e demente, responsável pela prisão, a tortura e o genocídio de dezenas de
milhões de pessoas.
Nem serve,
como muitos o vêm também, de panaceia para nada.
A Itália,
terra da Operação Mãos Limpas, continua tão ou mais corrupta – ou corruptível –
como antes, como se pode ver pelos mais recentes escândalos envolvendo a Velha
Bota, e mesmo na China comunista – onde é punida quase que
sumariamente com a morte – a corrupção continua existindo, porque o que
muda uma Nação não são operações jurídico-policiais, em si, mas
alterações e aperfeiçoamentos reais no sistema político.
O Inferno
– como o próprio demônio vive repetindo, satisfeito – está cheio de boas
intenções.
O discurso
de combate à corrupção não pode, como está ocorrendo no Brasil, se sobrepor ao
desenvolvimento nacional, aos Três Poderes e às instituições.
Ele não
pode estar acima da Democracia, que é, por natureza, tão diversa quanto
problemática – já que reflete, como ocorre em qualquer país do mundo, os
problemas e defeitos de toda a sociedade – mas que representa ainda o melhor
regime encontrado nos últimos 2.500 anos para regular a vida das nações, dos
estados, das comunidades e dirimir as diferenças dos variados grupos sociais.
Nem pode
se arvorar em juiz do regime político vigente, ou do sistema de
presidencialismo de coalizão, já que esse tipo de prerrogativa é atributo
exclusivo do Legislativo – eleito pelo voto soberano de dezenas de milhões de
brasileiros – e não de juízes de primeira instância, nem de policiais federais,
nem de procuradores, que não tem função de mando nem de comando, e são – com
todo o respeito que mereçam pelo seu trabalho – meros servidores do Estado.
Se tem
gente, nessas instituições, que acha que ao passar em concurso, foi escolhido
pelo destino para “consertar” o país – os nazistas pensavam o mesmo sobre a
República de Weimar – eles devem afastar-se de suas respectivas carreiras e
disputar, no voto, uma cadeira na Câmara ou no Senado, ou em uma Assembleia Nacional
Constituinte.
E parar de
acreditar que vão fazer isso prendendo a torto e a direito, sem nenhum
respeito pela Lei e a Constituição, políticos e empresários, com base em
ilações forçadas e em delações “premiadas” dignas da Alemanha Nazista ou da União
Soviética de Stalin.
Principalmente,
quando eles mesmos não são perfeitos – é preciso lembrar que não existe
corporação nenhuma que o seja, em nenhum lugar do mundo – como demonstram:
a) – A
prisão de dois adolescentes, separadamente, em duas cidades do interior de São
Paulo, por terem “ousado” – apoiando-se no direito de expressão, um dos
princípios basilares da Constituição Federal – criticar a polícia em
comentários nas redes sociais.
b) – Os mais de 70 juízes “condenados” a bem
do serviço público, a continuar recebendo integralmente altíssimos proventos
depois de “aposentados”,
c) – As dezenas de processos movidos por
juízes e procuradores do Ministério Público, contra o jornal Gazeta do Povo, do
Estado do Paraná – estado onde fica a “República de Curitiba” – por este ter
denunciado, publicando documentos comprobatórios, que os proventos das duas
classes passaram de 550.000 reais per capita no ano passado, muito acima,
portanto, do teto legal correspondente ao salário de Presidente da República.
Processos
criticados pela ministra Carmem Lúcia e suspensos por decisão da Ministra Rosa
Weber, há poucos dias, em outra medida extremamente louvável do STF,
voltada para o restabelecimento de um mínimo de bom-senso e de respeito à
legalidade no universo jurídico nacional.
Está se
produzindo no Brasil uma espécie de macarthismo tupiniquim que – ao contrário
também do que pensam muitos – será, como ocorreu nos EUA, duramente condenado
pela História.
Cabe ao
Supremo Tribunal Federal decidir se seus membros agirão com coragem e
dignidade, como guardiões da Lei e da Constituição, nesta desafiadora fase da
vida nacional, ou se, por pressão de parte da mídia e da massa ignorante
e intolerante que ela manipula, acabarão cedendo e aceitando tornar-se
silenciosos cúmplices de uma tragédia anunciada, que não se encerrará agora, e
que, pelo contrário, poderá se aprofundar com a entrega do país ao fascismo nas
eleições presidenciais de 2018.
Estamos
agindo como se o pseudo combate à corrupção – no caso, uma doutrina jurídica
que solta corruptos ou os “condena” a passar um ou dois anos em
nababescas mansões – e pune homens públicos sem sinais de enriquecimento
ilícito ou contas na Suíça a pesadas penas de prisão por atos de natureza
político-partidária-eleitoral, não trouxesse, para o país, pesados danos
colaterais, ou fosse, de per si, o mais alto objetivo nacional neste
momento, justificando, direta, indireta, kafkianamente, todo tipo de
ilegalidade e despautério.
Algumas
das maiores empresas do Brasil, de todos os matizes e áreas de atuação, são
invadidas por membros das forças de segurança praticamente a cada novo dia,
prejudicando seu crédito, seu valor, seus acionistas, os seus trabalhadores e
suas famílias – demitidos às dezenas de milhares – seus mercados, sua
credibilidade externa, seus projetos – que são interrompidos – e centenas de
pequenos e médios fornecedores que as atendem, que também passam a quebrar
e a cortar funcionários em nefasta reação em cadeia.
Gigantescos
projetos, de refinarias, plataformas de petróleo, complexos petroquímicos,
irrigação e saneamento, navios, ferrovias, rodovias, energia, defesa – que não
eram executados nessa dimensão e amplitude há décadas – são embargados
judicialmente ou atrasados indefinidamente, seguindo o curioso raciocínio de
que, para tentar achar, em uma obra, 2 ou 3% de suposta propina – o dinheiro
arrecadado até agora em recuperação de desvios é pífio, por isso se recorre a
“multas” para justificar o seguimento dos processos – não interessa se os
outros 97% forem transformados em sucata, provocando bilhões e bilhões de
dólares em prejuízo, ou se no final serão lançados, na prática, técnica,
empresarial, e estrategicamente, no lixo.
O programa
do submarino atômico brasileiro está sendo investigado, o almirante responsável
pelo bem sucedido programa nacional de enriquecimento de urânio foi preso, o
controlador da empresa responsável pela construção do míssil A-Darter da
Aeronautica encontra-se detido.
Essa
situação está abrindo caminho para a entrega da indústria bélica brasileira a
controladores estrangeiros, depois de anos de esforço da iniciativa privada e
das Forças Armadas, para evitar que isso ocorresse.
É preciso
não esquecer, nunca, que a criminalização da política – com a desculpa de se
dar combate à corrupção e o recurso a um anticomunismo hidrofóbico, anacrônico,
psicótico e obtuso – é a pedra fundamental dos governos totalitários.
No Brasil, essa combinação nefasta levou ao
fim da Democracia; a várias tentativas de derrubar Juscelino Kubitschek, de
inviabilizar Brasília, os programas de industrialização e modernização do país,
de energia e transporte; e ao suicídio, com um tiro no peito, do Presidente
Getúlio Vargas.
Carlos Lacerda, apelidado de “O Corvo”,
símbolo e quintessência do golpismo hipócrita, canalha, entreguista e mau
caráter, dizia de JK, em uma frase digna de um manual da CIA à época da Guerra
Fria, que tornou-se uma espécie de roteiro estratégico dos golpistas
latino-americanos: “esse homem não pode ser candidato. Se for candidato, não
pode ser eleito para a Presidência da República. Se for eleito, não podemos
permitir que governe, e se governar, ele tem que ser derrubado”.
Os “políticos”, como chamados,
genericamente, pela massa conservadora que os despreza e odeia – com
todos os seus defeitos, que espelham a formação, limitações e idiossincrasias
de seus eleitores – estão longe de ser perfeitos.
E isso não
ocorre apenas aqui, mas em todas as nações democráticas do mundo.
Mas é a
eles que pertencem os votos.
Votos que,
não interessa a quem sejam dirigidos, se escudam no sagrado artigo primeiro da
Constuição Federal, que reza que “todo o poder emana do povo e em seu
nome será exercido”.
É esse
poder que deve ser respeitado e obedecido, acima de todos os outros, que dele
derivam, como base e introito da Constituição, da República, da Lei, da
Democracia e da Liberdade.
Há quem
tenha se habituado, nos últimos tempos, a tratar o voto como se este fosse um
aspecto secundário da vida política nacional, que pode ser questionado,
desrespeitado, relevado ou contornado, com base em ações de um ou outro
segmento do Estado ou da opinião pública.
A atual
caça às bruxas deriva da íntima convicção que têm setores do Ministério
Público, da Polícia Federal e da Magistratura – não todos, graças a Deus – de
que foram indiretamente escolhidos por Ele, por meio de concurso, para
consertar o país, punir e exemplar a “classe” política, e corrigir
distorções eventualmente criadas pelo voto “equivocado” – que na verdade é
direto e soberano – de milhões de cidadãos brasileiros.
Trata-se
de temerário e perigoso engano.
O papel da
Polícia, do Judiciário, do Ministério Público, é fazer cumprir a lei, e, para
isso, é preciso obedecê-la, primeiro, de forma plena, rigorosa e
respeitosa.
E o papel
de julgar, moralmente, seus representantes, é do povo brasileiro – por meio da
urna – e não de instituições que estão ali para ser igualmente julgadas
pelo povo e para servir à população que paga, com seus impostos, seus salários.
Nesse
aspecto manda mais o eleitor do que o Juiz, o Policial, o Procurador.
Já que é
preciso entender e reconhecer o fato, cristalino, de que trabalhar para o
cumprimento da Lei não coloca ninguém acima da própria.
E que é
necessário compreender que o exemplo tem que partir dos servidores do Estado,
que a ela devem a mais estrita obediência e observância dos grandes princípios
que a norteiam.
No Brasil
de hoje, parece que nos esquecemos de tudo isso.
Como nos
piores regimes autoritários, instalou-se, na parte mais intolerante e
ignorante da população e em certos setores do Estado, um clima de desatado
linchamento que justifica e promove a prisão de brasileiros sem nenhuma prova,
na maioria das vezes apenas com base em delações e ilações, e joga-se a chave
da cela fora até que o cidadão, abandonado praticamente à própria sorte,
invente uma história qualquer para delatar o próximo da fila, igualmente
sem provas, para reaver alguma perspectiva de liberdade.
Nessa situação absurda e surreal, que
só chegou onde chegou porque não foi corrigida, controlada, desde o início, e
deixou-se correr solto o processo de formação de um consenso jurídica e
constitucionalmente insustentável, por meio do estabelecimento de um
comportamento de boiada em alguns segmentos da opinião pública, que, entre
outras coisas, insultam, ameaçam, impune e permanentemente, todos os
dias, juízes do STF e a própria instituição, nos portais e redes sociais.
Pretende-se
impor, na base da pressão intensa e diuturna dessa parte da população –
da qual fazem parte grupos nada “espontâneos” – a vontade de juízes de
primeira instância, procuradores e policiais, não apenas ao Supremo Tribunal
Federal, mas também ao Congresso Nacional e ao Executivo, como se o poder de
que dispõem para fazer o que estão fazendo fluísse de fonte própria, e não do
próprio Legislativo, que tem a prerrogativa, garantida por milhões de
votos, de organizar-se a qualquer momento – nesse caso, com
imprescindível urgência – para votar e alterar leis que tolham eventuais
excessos e arbitrariedades, permitindo a correção da perigosa rota que
estão tomando os rumos nacionais.
Os juízes
têm que parar de decidir por pressão da mídia e dos internautas que habitam o
espaço de comentários dos portais e redes sociais – internautas que acham que
podem obrigar o país a fazer o que lhes dê na telha – e de promover o
espetáculo e a evidência para, ao buscar a aceitação e a admiração dessa
minoria – porque de minoria se trata, não haja dúvida, como vemos nas últimas
pesquisas – alimentar o seu ego e sua vaidade, e, em última instância, suas
eventuais pretensões políticas ou eleitorais.
Se os
juízes e procuradores quiserem alterar o texto da lei, ou fazer política, devem
recolher-se a seu papel constitucional, e preparar-se, com todos os ônus dessa
decisão, para candidatar-se, no momento certo, como representantes.
Até lá, só
lhes resta aceitar e acatar as decisões do Supremo Tribunal Federal e do
próprio Congresso Nacional, que possui – com todos seus eventuais defeitos
– poder para legislar do modo que bem lhe aprouver.
E ao
Supremo Tribunal Federal, continuar trabalhando, paulatinamente – mas com
firmeza cada vez maior – frente à Nação e à História, no fortalecimento de suas
prerrogativas e autoridade, que estão sendo desafiadas
constantemente por ameaças e pressões de todo tipo.
Restaurando
plenamente o Império da Lei e do Estado de Direito, para fazer cumprir, de
forma clara, transparente, incontestável, o que está escrito na Constituição da
República.
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