UM ANO DE
MENOS SEGURANÇA E MENOS DESENVOLVIMENTO NO BRASIL.
Este ano,
o Brasil caiu 2 pontos no critério direitos pessoais segundo o Social Progress
Index e 2,9 pontos no Fragile States Index – ambos índices que olham tanto para
segurança, quanto para desenvolvimento. da potência emergente, o País agora é
visto como frágil ou fragilizado aos olhos de fora.
Este
foi um ano de alguns tombos graves no Brasil. Chegamos ao fim de 2017 com a
sensação de que muito do que foi construído a duras penas está se deteriorando.
Se tomamos o Rio de Janeiro como exemplo, foram anos tentando montar uma
estrutura social de apoio mútuo entre medidas de garantia da paz e de
crescimento econômico.
Em
maio deste ano, em evento que organizei na PUC-Rio, uma forte líder comunitária
que prefere o anonimato falou de sua luta de todo dia. O evento foi todo
transmitido ao vivo. Na sua vez de falar, a pedidos, todos os microfones foram
desligados. O relato lembrava o enredo geral de Tropa de Elite 2: O Inimigo
Agora é Outro: um emaranhado de muita corrupção, negociações entre agentes da
ordem e da desordem, às custas de planos de desenvolvimento locais e da paz de
todo dia.
Quando
tudo desaba, como vimos desabar no Rio de Janeiro este ano, o choque não está
no desmoronamento em si. O que choca é pensar como é tudo frágil e como foi
possível sequer algum tipo de equilíbrio. A paz e o desenvolvimento parecem
eventos pontuais e raros, produtos de negociações que dependem da vontade de
poucos e de interesses que preferimos não nomear. É possível ser diferente? É
possível ver a paz e o desenvolvimento sendo construídos por quem depende
deles?
Em
2016, a ONU aprovou pela primeira vez a inclusão de uma meta de segurança como
parte da nova agenda de desenvolvimento. Dentre os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável, com prazo em 2030, a meta 16 trata da promoção de sociedades
pacíficas e inclusivas. Suas doze submetas incluem objetivos como “reduzir
significativamente todas as formas de violência”, “garantir a igualdade de
acesso à justiça para todos”, “reduzir substancialmente a corrupção e o suborno
em todas as suas formas e “promover e fazer cumprir leis e políticas não
discriminatórias para o desenvolvimento sustentável”. Nas negociações que
levaram à nova agenda, o Brasil se posicionou contra a inclusão da meta 16.
Nosso então representante na ONU, embaixador Antônio Patriota, disse que
questões de paz e segurança, apesar de importantes, não deveriam ser incluídas
na agenda de desenvolvimento. Nossa declaração apontava uma preocupação em
evitar o entendimento de que pobreza gera criminalidade, uma preocupação não só
louvável, como necessária (ainda que não devesse implicar a exclusão da meta).
Vivemos esse debate todo dia no Rio de Janeiro, um perverso dilema do ovo e da
galinha: quem nasce primeiro, a pobreza ou a violência?
É
hora de pensar com nuances. Só uma dose criminosa de simplismo pode colocar os
tombos atuais nesses termos. Corrupção, violência, miséria e desigualdade não
obedecem a nenhuma causalidade óbvia: são tão emaranhadas quanto os interesses
que as movimentam.
Este
ano, o Brasil caiu 2 pontos no critério direitos pessoais segundo o Social
Progress Index e 2.9 pontos no Fragile States Index – ambos índices que olham
tanto para segurança, quanto para desenvolvimento. De potência emergente, o
Brasil é agora um país frágil ou fragilizado aos olhos de fora. Dediquei alguns
anos de pesquisa a mostrar como esses índices e os rótulos que os acompanham
são falhos em muitos sentidos e como é perigosa a decisão baseada em números na
área de política internacional. Mas os números não se freiam; têm impacto em
como investidores de todo tipo nos veem lá fora. Acima de tudo, refletem em
alguma medida como nós mesmo nos vemos (afinal, os números não dizem nada que
não vivemos na pele todo dia). Daí nossa enorme fuga de cérebros, o desperdício
e o desespero em ver irem embora as mentes que podiam ajudar a pensar saídas
para o país. Mas quem pode julgar?
Há
muito medo. O Instituto Nacional de Segurança Pública publicou recentemente o
relatório Medo da Violência e o Apoio ao Autoritarismo no Brasil, com conclusões
talvez contra-intuitivas. Dentre elas, destaca-se que a percepção e valorização
de uma crescente agenda de direitos sociais, civis e humanos é paralela a um
crescente apoio ao autoritarismo no Brasil. A propensão ao apoio a discursos
autoritários no país é elevadíssima.
Esta
conclusão condiz com a afirmação de outro relatório recente, publicado pela
Oxfam, sobre a desigualdade na América Latina. O documento afirma que quanto
maior a desigualdade, maior a indiferença à democracia. Rafael Georges, da organização,
replica essa conclusão em contribuição a livro que lançaremos em breve: “A
confiança na democracia depende muito da percepção de que o sistema funciona e,
em países muito desiguais, essa confiança é menor”. No emaranhado entre
corrupção, violência, miséria e desigualdade, portanto, é perigoso tratar
desses problemas de forma dissociada.
Outra
submeta da meta 16 é promissora nesse sentido: “Garantir a tomada de decisão
responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis”. É
preciso ouvir mais quem luta todo dia por paz e desenvolvimento. Essa
participação não é só importante; é essencial para uma visão que dê conta da
complexidade dos problemas atuais do país.
Isabel Siqueira - dezembro 23, 2017
Fonte: Isabel Siqueira é Professora
do Instituto de Relações Internacionais da PUC
https://diplomatique.org.br/um-ano-de-menos-seguranca-e-menos-desenvolvimento-no-brasil/
Nenhum comentário:
Postar um comentário