ASSIM O CARNAVAL 2018 RECUPEROU O ESPÍRITO CRÍTICO COM A
CLASSE POLÍTICA NO BRASIL
As críticas à situação do país
passam das ruas aos sambódromos, com enredos que atacam diretamente figuras
políticas e medidas do Governo.
A crise
política brasileira não deu trégua neste Carnaval. Não apenas na rua, como
era mais comum nos outros anos, mas também nos sambódromos do Rio e de São
Paulo. As escolas de samba levaram para a avenida neste ano críticas sociais
contundentes e muito diretas. O caso mais marcante foi o da Paraíso do Tuiuti,
agremiação nascida no morro de mesmo nome, em São Cristovão, no Rio, que
surpreendeu o público durante o desfile de domingo à noite e conseguiu enorme
repercussão nas redes sociais. Com o samba enredo Meu Deus, Meu
Deus, Está Extinta a Escravidão? a escola criticou as condições de trabalho no país e, de
quebra, o atual Governo, responsável pela reforma trabalhista aprovada
no ano passado.
Thiago
Monteiro, diretor de Carnaval da escola, explica ao EL PAÍS que o enredo foi
escolhido por concurso. “O objetivo era tratar da exploração do
homem pelo homem. Não só da escravidão negreira, mas dessa exploração que se
estende por séculos, passando pelos egípcios, celtas, romanos e que continua
nos dias atuais. Fazer uma pessoa trabalhar uma jornada de 12 horas, como as
costureiras, por um salário às vezes abaixo do mínimo e com direitos mitigados,
é perpetuar esse sistema”, diz.
Se a comissão de frente da
escola trouxe O grito da liberdade,
mostrando escravos saídos da senzala açoitados, o último carro veio com um
vampiro vestido com a faixa presidencial, que lembrava Michel Temer. Ele estava
em cima do carro chamado neo
tumbeiro, ou seja, um navio negreiro dos tempos atuais. Na avenida foram
ouvidos gritos de "Fora, Temer", relatou o jornal O Globo.
Entre o último e o primeiro carro, o desfile de 29 alas e 3.100
componentes ainda trouxe os manifestoches, integrantes
vestidos de verde e amarelo, cor que marcou os protestos a favor do impeachment
da ex-presidenta Dilma Roussef, sendo manipulados por uma mão invisível e
encaixados em patos amarelos, símbolo das reclamações contra o antigo Governo
feitas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Eles
carregavam nas mãos panelas, outro símbolo dos protestos.
“Como falávamos da exploração do homem pelo
homem queríamos incluir a mitigação dos direitos sociais. Através dos patinhos
você representa uma situação anterior na qual os direitos eram bem protegidos e
a partir do momento em que uma nova ordem política toma o país você tem novas
reformas que, na ótica da escola, tiram direitos sociais de uma parcela da
população. A escola quis questionar se quem pediu essa mudança não é também
vítima. Essa pessoa que foi para a rua não tem esses direitos cortados
também?”, explicou Monteiro.
As críticas explícitas da
Paraíso do Tuiuti deixaram em silêncio os comentaristas da TV Globo,
que transmite ao vivo os desfiles de Carnaval. Enquanto as alas anteriores eram
explicadas em detalhes, a dos manifestoches recebeu
um rápido e único comentário de "manipulados, fantoches", logo
cortado para um "Jú, 120 [centímetros] de quadril", em referência à
passista mostrada em seguida na imagem. Nas redes sociais, a escola foi louvada
pela "coragem" das críticas. "No pré-Carnaval, quando foi divulgado o tema do enredo, já tivemos uma repercussão interessante, mas esta repercussão muito grande após o desfile nos surpreendeu. Estamos muito felizes", destacou o diretor de Carnaval. Mas houve também quem, na Internet, considerasse o desfile um "desserviço" digno de rebaixamento.
Mais críticas
A Mangueira também trouxe,
nesta primeira noite de desfiles do Grupo Especial carioca, uma crítica direta
ao atual prefeito do Rio, Marcelo Crivella, que apareceu representado em
um dos carros alegóricos como um boneco de Judas, do tipo que é malhado no
Sábado de Aleluia. O boneco do político evangélico era acompanhado da frase:
"Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval". A escola fazia críticas
ao corte, por parte da Prefeitura, da metade da verba destinada às escolas de
samba e tinha como enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco".
A Beija-Flor, que desfila na noite desta segunda, também trará um Carnaval político
para a Sapucaí. Com o enredo Monstro
é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu deve
abordar o descaso com crianças e adolescentes pobres, fazendo uma conexão com a
corrupção. Em São Paulo, também houve crítica política, com a volta da X-9
Paulistana ao Grupo Especial, no sábado —o carro A Casa da Mãe Joana trouxe
políticos, alguns com a faixa presidencial, e juízes representados sujos de
lama e com malas de dinheiro e notas na cueca.
Leonardo Bruno, colunista do jornal Extra e jurado
do Estandarte de Ouro, prêmio extraoficial do Carnaval do Rio, acredita que as
escolas de samba nunca tiveram muito esse papel de serem tão criticas à
sociedade, algo, para ele, mais incorporado pelo Carnaval de rua. "As
escolas sempre tiveram uma característica diferente, tanto é que o samba enredo
é considerado uma música de gênero épico, que narra os grandes acontecimentos,
as grandes conquistas, as grandes realizações", destaca ele. "Agora,
por outro lado, o que a gente observa é que nos momentos de maior convulsão,
quando a sociedade está mais necessitada de dar um grito contra alguma coisa,
elas aparecem representando esse papel de crítica social e política",
acredita ele.
Ele destaca que isso foi visto em outros dois
momentos na história das escolas. Um, na virada dos anos 60 para 70, auge da
ditadura militar no Brasil. Três enredos marcantes, nesta ocasião, falavam
sobre a liberdade. O primeiro, em 1967, quando a Salgueiro desfilou A história da liberdade no
Brasil. Dois anos depois, em 1969, a Império Serrano falou sobre os Heróis da Liberdade. E,
no Carnaval de 1972, a Vila Isabel levou o enredo Onde
o Brasil aprendeu a liberdade. Era um momento em que a censura
estava no auge e as escolas deram vazão a esse grito represado pela liberdade.
Em meados dos anos 80, destaca ele, a
Caprichosos de Pilares e a São Clemente também falaram sobre o momento
conturbado da abertura política no Brasil, quando o povo ainda não votava. Elas
levaram para a avenida o grito de Direitas
Já! e usavam faixas falando sobre a Constituinte. "Eram
enredos muito críticos para a época", relembra Bruno. Houve também, em
1989, o célebre desfile da Beija-Flor, em que Joãosinho Trinta produziu um
Cristo mendigo, para criticar a pobreza, mas a alegoria acabou proibida pela
Justiça, a pedido da Igreja. Já no final da década de 90 e nos anos 2000,
quando o país viveu mais estabilidade política e econômica, os enredos críticos
foram mais deixados de lado, ressalta o jornalista. "Temos que pensar como
sociedade em que momento estamos como país, porque as escolas refletem o que se
passa nas ruas. Para essas críticas terem chegado à Sapucaí é porque o momento
é de uma crise muito grande. As escolas de samba, em geral, são o último ponto
onde chega essa voz crítica, elas resistem muito. É um momento de convulsão em
todos os níveis de Governo."
Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/12/politica/1518446814_565470.html
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