HAWKING: VIDA, ESTADO EFÊMERO
Em 2007, Hawking experimentou gravidade zero em jato da Nasa
No
dia da morte de Stephen Hawking, maior físico da história depois de Einstein,
leia o prefácio de seu livro Uma Nova História do Tempo (2005), escrito com
Leonar Mlodinow: “Cada um de nós não existe a não ser por um breve intervalo de
tempo”.
Cada um de nós não
existe a não ser por um breve intervalo de tempo e, nesse intervalo, explora
apenas uma pequena parte de todo o universo. Mas a espécie humana é uma espécie
curiosa. Fazemo-nos perguntas, buscamos respostas.
Vivendo neste mundo
sem fronteiras, que pode ser ora amigável, ora cruel, e voltando o olhar aos
céus imensos que estão sobre nós, os homens sempre se puseram uma multidão de
interrogações. Como podemos compreender o mundo em que nos encontramos? Como o
universo se comporta? Qual é a natureza da realidade? Qual a origem de tudo
isso? O universo precisou de um criador? A maior parte de nós não dedica muito
tempo para se preocupar de tais questões, mas quase todos, de vez em quando,
pensamos nelas.
Durante séculos,
essas interrogações foram de pertinência da filosofia, mas a filosofia morreu,
não tendo mantido o passo dos desenvolvimentos mais recentes da ciência e
particularmente da física. Assim como foram os cientistas que pegaram a tocha
da nossa busca do conhecimento.
Este livro se propõe
a dar respostas que foram sugeridas pelas descobertas e pelos progressos
teóricos recentes. Essas respostas nos levam a uma nova concepção do universo e
do nosso lugar nele muito diferente da tradicional e diferente também daquela
que pudemos delinear há apenas uma década ou duas. Porém, a nova concepção
começou a tomar forma embrionária quase um século atrás.
Segundo a concepção
tradicional do universo, os corpos se movem em trajetórias bem determinadas e
têm histórias definidas, assim como é possível especificar a sua exata posição
em cada instante do tempo. Embora tal descrição seja bastante satisfatória para
os objetivos da vida cotidiana, nos anos 1920 descobriu-se que essa imagem
“clássica” não era capaz de dar conta do comportamento aparentemente bizarro observado
nas escalas das entidades atômicas e subatômicas. Ao contrário, era necessário
adotar um quadro conceitual diferente, chamado física quântica.
As teorias quânticas
demonstraram ser extraordinariamente precisas em prever os eventos em tais
escalas e, ao mesmo tempo, capazes de reproduzir as previsões das velhas
teorias clássicas quando eram aplicadas ao mundo macroscópico da vida
cotidiana. Porém, a física clássica e a quântica são baseadas em concepções
muito diferentes da realidade.
As teorias quânticas
podem ser formuladas de modos muito diferentes, mas a descrição provavelmente
mais intuitiva foi proposta por Richard Feynman (chamado de Dick), uma
personalidade brilhante que trabalhava no California Institute of Technology e
tocava bongô em uma casa de strip-tease dos arredores.
Segundo Feynman, um
sistema não tem uma única história, mas todas as histórias possíveis. Mais
adiante, na nossa busca das respostas, explicaremos nos particulares a
afirmação de Feynman e nos serviremos dela para analisar a ideia de que o
próprio universo não tem uma única história, nem uma existência independente.
Essa parece ser uma
ideia radical, também a muitos físicos. Com efeito, como muitos conceitos da
ciência atual, ela parece estar em conflito com o senso comum. Mas o senso
comum é baseado na experiência de todos os dias, não no universo como ele se
nos revela mediante maravilhas da tecnologia como as que nos permitem avançar o
olhar até o coração do átomo ou de volta ao universo primordial.
Até o advento da física
moderna, era opinião comum que o mundo pudesse ser inteiramente conhecido por
meio da observação direta, que as coisas são o que parecem, assim como são
percebidas mediante os nossos sentidos. Vice-versa, o espetacular sucesso da
física moderna, baseada em conceitos que, como o de Feynman, estão em contraste
com a experiência cotidiana, demonstrou que as coisas não são assim.
A concepção ingênua
da realidade, portanto, não é compatível com a física moderna. Para enfrentar
tais paradoxos, adotaremos uma sistematização que chamaremos de realismo
dependente dos modelos. Essa sistematização se baseia na ideia de que o nosso
cérebro interpreta a informação proveniente dos órgãos sensoriais construindo
um modelo do mundo. Quando um modelo semelhante consegue explicar os eventos,
tendemos a atribuir a ele e aos elementos e aos conceitos que o constituem a
qualidade da realidade ou da verdade absoluta. Mas pode haver modos diferentes
para criar um modelo da mesma situação física, e cada um deles poderá utilizar elementos
e conceitos fundamentais diferentes. (…)
Ao longo da história
da ciência, descobriu-se uma série de teorias ou modelos sempre melhores, da
concepção de Platão à teoria clássica de Newton, até as modernas teorias
quânticas. É natural perguntar-se: essa sequência, no fim, terá um ponto de
chegada, levará a uma teoria definitiva do universo que inclua todas as forças
e anuncie toda observação que é possível fazer, ou continuaremos descobrindo
para sempre teorias de eficácia crescente, sem, porém, jamais aportar a uma que
não possa ser posteriormente melhorada? (…)
Hoje, dispomos de uma
candidata ao papel de teoria última do todo, admitindo-se que exista
efetivamente uma, e essa candidata é chamada de teoria M. (…)
A teoria M não é uma
teoria no sentido usual. É uma família inteira de teorias diversas, cada uma
das quais é uma boa descrição das observações apenas dentro de uma certa gama
de situações físicas. É um pouco como acontece no caso dos mapas geográficos.
Como se sabe, não é possível representar toda a superfície terrestre em um
único mapa. A projeção habitual de Mercator, utilizada para os planisférios,
faz com que as áreas pareçam sempre maiores assim que se vá para o norte ou
para o sul e não cobre as regiões dos polos. Para representar fielmente toda a
Terra, deve-se recorrer a uma série de mapas geográficos, cada um dos quais
cobre uma região limitada. Os vários mapas se sobrepõem parcialmente entre si
e, onde isso ocorre, mostram a mesma paisagem. A teoria M é, de algum modo,
análoga.
As várias teorias que
formam essa família podem parecer muito diferentes, mas podem ser consideradas
como aspectos da mesma teoria fundamental. São versões da teoria aplicáveis só
em âmbitos limitados: por exemplo, quando certas grandezas, como a energia, são
pequenas. Como ocorre para os mapas que se sobrepõem, onde os âmbitos de
validade das várias versões se sobrepõem, estas predizem os mesmos fenômenos.
Mas exatamente como não há nenhum mapa plano que seja uma boa representação de
toda a superfície terrestre, também não há nenhuma teoria que, sozinha, seja
uma boa representação das observações em todas as situações.
Veremos como a teoria
M pode oferecer soluções para a questão da criação. Segundo essa teoria, o
nosso universo não é o único. Ou, melhor, a teoria prediz que um grande número
de universos foi criado do nada. A sua criação não exige a intervenção de um
ser sobrenatural ou de um deus, enquanto esses múltiplos universos derivam de
modo natural da lei física: são uma predição da ciência. Cada universo tem
muitas histórias possíveis e muitos estados possíveis em tempos sucessivos,
isto é, em tempos como o presente, muito distantes da sua criação.
Grande parte desses
estados serão radicalmente diferentes do universo que observamos, e apenas
pouquíssimos deles permitiram a existência de criaturas como nós. Portanto, a
nossa presença seleciona dessa imensa gama somente aqueles universos que são
compatíveis com a nossa existência. Embora sejamos minúsculos e insignificantes
na escala do cosmos, isso faz de nós, em certo sentido, os senhores da criação.
Para compreender o
universo no nível mais profundo, devemos saber não apenas como ele se comporta,
mas também por quê. Por que há algo ao invés de nada? Por que existimos? Por
que esse particular conjunto de leis e não qualquer outro? Essa é a
interrogação fundamental sobre a vida, o universo e o todo.
Publicado em Outras
Palavras em 2011 | Tradução: IHU
Fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/hawkings-vida-estado-efemero/
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