No dia 3 de agosto de 2018
foi divulgada a informação de que o Tribunal de Justiça, a Assembleia
Legislativa e o Governo do Estado de Santa Catarina juntos gastaram 2,5 milhões
de reais na aquisição de café, açúcar, leite, copos plásticos, xícaras e máquinas
de café, somente no ano de 2018. Os produtos adquiridos foram 100 mil quilos de
café, 105 mil quilos de açúcar e 190 mil litros de leite[1].
Do total, o TJSC gastou R$
577.757,43 (quinhentos e setenta e sete mil, setecentos e cinquenta e sete
reais e quarenta e três centavos) para servir café para 12 mil servidores neste
ano[2]a um custo de aproximadamente R$ 48,14 (quarenta e oito reais
e catorze centavos) por servidor que, divido pelos 7 meses do levantamento,
correspondeu a R$ 6,87 (seis reais e oitenta e sete centavos) mensais, por
servidor. Somente com o aluguel das máquinas de café são gastos mensalmente R$
8.516,78 (oito mil, quinhentos e dezesseis reais e setenta e oito centavos).
Na metade da reportagem
uma representante do TJSC manifestou-se acerca dos gastos. Na oportunidade,
destacou as estratégias de redução dos custos operacionais do tribunal com
pesquisas de mercado e aquisição de café comum[3](no ano passado foi cancelada a compra de café gourmetno valor de R$
1.003.297,50 (um milhão, três mil, duzentos e noventa e sete reais e cinquenta
centavos), após as repercussões de uma reportagem que denunciou o valor
abusivo). Próximo ao fim da reportagem, essa mesma representante informou que o
momento do café é um momento de descontração do trabalho penoso do judiciário[4].
Três aspectos chamam-nos
atenção na reportagem. O primeiro é o uso de dinheiro público para adquirir o
café dos servidores. O segundo é o valor gasto. O terceiro é o argumento do
caráter penoso do trabalho desempenhado no judiciário.
Um empregador custear o
café dos funcionários com o próprio lucro é um ato semelhante a dar café a
alguém. Semelhante porque a origem do dinheiro e a propriedade pertence ao
empregador. É uma opção pessoal que traz consequências somente para quem o faz,
na medida em que o custeio das despesas com café são arcadas por quem decide.
Fato completamente distinto é utilizar dinheiro público para adquirir café.
Isso porque prioriza um grupo de pessoas, sem fornecer igual tratamento às
demais, e relega a conta a todos nós. A sutil diferença está na fonte de
custeio.
O valor, apesar de
individualmente considerado não representar grande monta se dividido por
pessoa, é absurdo. Absurdo num país cujas áreas prioritárias não têm condições
de possibilidade de funcionamento adequado por falta de verbas. Os doentes não
têm acesso a medicamentos, leitos de hospital e equipes de saúde suficientes.
Os estudantes não têm material, professores não tem salário suficiente sequer
para comprar livros, alimentação e atendimento compatíveis com as promessas
constitucionais.
Por fim o penoso trabalho
do judiciário. Ah como é penoso! Tão penoso quanto bater massa com uma enxada,
fazer plantios e a colheitas nas lavouras, lavar carros no inverno, trabalhar
em caldeiras e câmaras frias, vender picolé em baixo do sol de 40º com sensação
térmica de 50º, pescar no mar durante as tempestades. Em suma, tão penoso
quanto trabalhar o mês inteiro para receber R$ 954,00, morar de aluguel, talvez
ser a única pessoa com renda na família, e, de quebra, precisar pagar a conta
para ter um judiciário que não atende nossas demandas.
O penoso trabalho do
judiciário é recompensado com salários acima da média dos trabalhadores da
iniciativa privada, bem como com pensões previdenciárias generosas que se
tornam vergonhosas, senão imorais quando comparadas com as pensões
previdenciárias de 80% dos trabalhadores assalariados. Mas, sobretudo, o penoso
trabalho do judiciário se torna imoral quando se leva em conta que este poder
que justifica sua operacionalidade legalmente, mas longe de apresentar com
legitimidade consome recursos públicos extraídos diretamente na fonte do suor
de milhões de trabalhadores, cujo retorno na forma da qualidade dos serviços
públicos não se apresenta suficiente, ou de forma decente.
Situações como esta, entre
muitas outras que aqui poderiam ser apresentadas, demonstram inequivocamente
que a sociedade brasileira é uma sociedade de castas. Elites e corporações
públicas e privadas se locupletam com os recursos públicos. Cínicos, justificam
suas mordomias, suas pensões, suas gratificações, seus auxílios moradia,
educação e saúde como condição inerente e indispensável ao exercício
profissional. Quando questionados, defendem com unhas e dentes seus
privilégios. Para finalizar, mas longe de concluir a exposição destas
contradições, apresentam-se como arautos ilibados no combate à corrupção e a
práticas que lesam o interesse público. Sem compreender estas contradições
históricas, institucionais e políticas permaneceremos na condição de uma
colônia de exploração.
Sem dúvidas, é tão penoso
que não podemos compreender e nem comparar!
Camila Leonardo de Albuquerque Nandi
Advogada
Especialista em Direito Empresarial
Mestranda em Desenvolvimento Regional
Luiz Eduardo Cani
Mestrando em Desenvolvimento Regional na Universidade do Contestado
Professor de Direito na Universidade do Contestado
Sandro Luiz Bazzanella
Doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina
Professor Titular de Filosofia nos cursos de Graduação e no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Regional da Universidade do Contestado
Fonte:
http://www.salacriminal.com/home/cafe-com-indecisao-judicial.
Acessado em 12.09.2018
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