VIDA A CRÉDITO
BAUMAN, Zygmunt. VIDA A CRÉDITO: Conversas com Citlali
Rovirosa-Madrazo. Tradução Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar Ed.,
2010.
Ficha de Leitura
Subsídio para estudo
Prof. Sandro Luiz Bazzanella
Sumário
Introdução
Parte I
Conversa 1. A Crise
do Crédito
Conversa 2. O Estado
de bem-estar na era da globalização econômica.
Conversa 3. Uma coisa
chamada “Estado”
Parte
II
Conversa 4.
Modernidade, pós-modernidade e genocídio
Conversa 5.
População, produção e reprodução de refugos humanos.
Conversa 6.
Fundamentalismo secular versus fundamentalismo religioso.
Conversa 7. A escrita
do DNA
Conversa 8. Utopia,
amor, ou a geração perdida.
Introdução
P. 7
- Fatores desafiantes
e decisivos de nossos tempos.
a) Ameaças ambientais
sem precedentes.
b) Desastres naturais
atribuídos a mudanças climáticas.
c) Níveis inéditos de
pobreza mundial.
d) Aumento do
excedente populacional.
e) Desenvolvimento
científico e tecnológico extraordinário.
f) Declínio dos sistemas morais e políticos
que amparavam as instituições modernas.
g) Crise(s) econômica(s)
global(is).
P. 08
- Os colapsos financeiros têm lugar em meio a
contextos históricos, em conformações discursivas, de caráter econômico,
político e moral.
- As duas maiores recessões ocorrem no espaço
de dois séculos em meio a crise do
projeto moderno e como desdobramentos históricos tais como:
a) Experiências
totalitárias: Nazismo; Fascismo e Neoliberalismo
b) Experiências de extermínio: Holocausto;
Queda do muro de Berlim;Campos de refugiados.
c) Declínio do Estado etnocrático na América
Latina;
d) Ascensão de ações terroristas de grupos e
de Estados - Invasão do Afeganistão; do
Iraque...
- A crise pode representar uma oportunidade
para a produção de conhecimento inovador.
a)
Para o traçado de novas fronteiras epistemológicas, com implicações para
futuras linhas de pesquisa e frentes de debate.
b)
Novas perguntas
c)
Revisão de nossos quadros teóricos
d)
Exploração de nossas cavernas históricas e mentais com ferramentas analíticas e
epistemológicas mais apropriadas, procurando apreender com nossa ingenuidade
histórica.
P. 09
- Crise econômica de 2008 – avaliar suas
encruzilhadas históricas atuais:
a)
Que instituições sobreviverão
b)
Quais podem se tornar redundantes ou mesmo ser extintas.
- Após a crise o G-20 ratifica seu
compromisso com o dogma da economia de livre mercado.
- Atuam para transformar o Estado numa
gigantesca companhia de seguros que emita apólices para os bancos e Wall
Street.
- Bauman – no capitalismo, a cooperação entre
Estado e mercado é uma regra.
P. 11
- A frieza das estatísticas e dos números
como a melhor maneira de medir e quantificar (?) a miséria humana e os “refugos
humanos”.
- A crise econômica, com os posteriores
planos de governos por todo o mundo para coletivizar a dívida privada do setor
financeiro, também revelou intrincadas construções lingüísticas e complexos
desenvolvimentos discursivos.
- A linguagem dos direitos mudou:
a) Os
cidadãos passaram a ser clientes
b)
Pacientes temporários ou permanentes tornaram-se clientes
c) A pobreza
foi criminalizada.
d) A
recessão passou a ser vista como uma questão de segurança nacional.
- Os desdobramentos financeiros e a crise da
ortodoxia econômica no fim do século XX ocorreram como parte de processos
históricos:
a) Ascensão e queda do Estado de bem-estar
social keynesiano no pós-guerra.
b) Ascensão e queda do Estado-nação.
c) Ascensão e queda da Democracia.
d) Os mercados consumidores ocuparam o lugar
deixado pelo Estado.
P. 12
- A nova tarefa das agências de Estado é
“policiar os pobres”, mantendo “algo como um gueto sem paredes, um campo de
prisioneiros sem arame farpado, embora densamente contido por torres de vigia.
P. 13
- Bauman – “A presente crise de crédito não
sinaliza o fim do capitalismo, somente o sucessivo esgotamento de uma fonte de
pastagem”.
- Se a
democracia moderna nasceu das necessidades e ambições de uma sociedade de
produtores, e se as idéias de “autodeterminação” e “autogoverno” foram
construídas na medida das práticas de produção, a grande questão, diz o pensador,
é saber se tais ideais podem sobreviver à passagem de uma sociedade de
produtores para uma sociedade de consumidores.
P. 14
- A sociedade diz Bauman, “só pode ser
elevada ao plano da comunidade se efetivamente proteger seus membros contra os
horrores da miséria e da indignidade, isto é, contra o terror de ser excluído
[e] de ser condenado à redundância social e declarado refugo humano.
- O inovador conceito de liquidez proposto por Zygmunt Bauman é uma metáfora para descrever
as notáveis transformações sociais e políticas que ocorreram entre o meio e o
fim do século XX, representadas pela desintegração, ou “liquefação”, das
instituições da modernidade.
P. 15
- Modernidade Líquida é:
a) pós-utópica
b) pós-fordista
c) pós-nacional
d) pós-pan-óptica.
- Neoliberalismo papel decisivo nas últimas
etapas de transição do capitalismo líquido – entre suas principais
características a passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de
consumidores, com uma transmutação para uma raça de devedores.
- Estado como executor da soberania de
mercado – A radical privatização dos destinos humanos segue aceleradamente a
radical desregulamentação da indústria e das finanças.
- Para Bauman nossas:
a)
Comunidades
b)
Identidades
c)
Instituições todas socialmente construídas, tem se tornado cada vez mais
precárias e fugazes.
d)
Espaço para identidades líquidas, num mundo no qual o declínio do Estado e a
diluição das fronteiras nacionais são irreversíveis.
e) A
identidade incluindo a de gênero tem um caráter provisório e fugaz.
- Bauman é um crítico da teoria da Diferença,
afirmando que existem apenas “diferenças”.
- Rejeita a teoria de Charles Taylos e suas
teorizações sobre o multiculturalismo.
P. 16
- “Cidades Líquidas, cujos cidadãos foram
transformados em exércitos de consumidores, deixando de ser “cosmópoles” para
ganhar a aparência de fortalezas, como cidades do medo.
a)
Obcecados pela segurança
b)
Normalizamos o estado de emergência
c)
As fronteiras entre o Estado e a sociedade civil perderam a nitidez.
- Bauman
– os governos de hoje não dão ênfase à capacidade de produzir consenso, mas à
habilidade envolvida na restauração dos motivos para se ter medo.
- Bauman – deve muito a Lyotard e a Derrida –
com eles percebe a necessidade de abandonar a ilusão de todas grandes
narrativas, incluindo aquela da universalidade ilusória.
P. 17
- Bauman é crítico daqueles que “saúdam” a
pós-modernidade como um marco definido, para além da modernidade, e alerta para
os riscos de se fazer também da pós-modernidade uma grande narrativa.
- A utopia tem sido negligenciada, quando não
abandonada, por intelectuais e estudiosos de esquerda.
a)
Esta em descrédito.
b)
Razão para isso é sua aferrada ligação à modernidade.
c)
Apenas os pioneiros da modernidade precisavam de imagens utópicas para
conduzi-los.
d)
Teleologia seria um conceito sobretudo moderno.
- Bauman
a)
Distanciamento da modernidade não significa necessariamente desistir da utopia,
no sentido de esperança.
b)
Vinculado ao pensamento de Levinas e sua noção de ser-para-o-outro, sugere que
a alteridade poderia desempenhar um papel na utopia, no sentido de esperança.
c)
Não subscreve totalmente os anseios de Levinas.
d) O
outro pode ser uma promessa, mas é também uma ameaça.
P. 18
- Ilan Semo – “Se a identidade em Bauman é
uma substância temporária, o outro não passa de uma invenção, uma construção
antropológica, inevitavelmente ancorada em algum tipo de etnocentrismo.
- Em comum com o estruturalismo francês: Eles
conseguem fazer com que as intrincadas camadas da história e a saga da
filosofia ocidental se assemelhem a cebolas.
a)
Desafia o comunismo e o capitalismo
b) Se
rebela contra a Igreja e o Estado – gêmeos siameses
P. 19
- Desafia a ciência – confia nela, mas parece
suspeitar de que a ciência tem um caso de amor com o mercado.
- Popper – o incrível potencial criativo da
ciência reside em seu poder de refutação, e não no poder de suas provas.
- Recebeu influências de Georg Simmel no que
se refere aos paradoxos da ciência e da tecnologia.
- Com a crise de 2008 – estamos devendo o
último bastião de nossa humanidade as poderosas indústrias emergentes:
a)
Engenharia genética e de novos produtos de biotecnologia, com a codificação do
DNA.
b) O
patenteamento do genoma e seu mercado de pós-humanos, trans-humanos e
neo-humanos.
P. 20
- Nos movemos num paradoxo em torno da
engenharia genética: por um lado a regulamentação das pesquisas com dinheiro
público e por outro lado a desregulamentação no que se refere ao
desenvolvimento de pesquisa no setor privado.
- Igreja e Estado – gêmeos históricos. As
duas instituições têm algo em comum: o poder de explorar e a capacidade de agir
como gerentes do medo.
è
A administração do medo é uma carta bem-jogada tanto pelo Estado quanto pela
religião.
P. 25
Conversa 1
A crise do crédito – resultado do fracasso dos bancos, ou
fruto de seu extraordinário sucesso?
O capitalismo não esta morto.
- O comunismo significa para mim o projeto de
um atalho forçado para o reino da liberdade, que se tornou um atalho para o
cemitério das liberdades e para a escravidão.
- A idéia de tomar atalhos, a prática da
imposição e da coação está em flagrante oposição a liberdade.
a)
São ações autoimpelidoras e autointensificadoras: uma vez iniciadas implicam na
continuidade do esforço vigilante.
b) Se
desencadeada em nome da liberdade acaba por destruir o próprio objetivo
declarado.
P. 26
- Bauman:
a) Socialismo: significa uma sensibilidade
ampliada para a desigualdade, a injustiça, a opressão e a discriminação, a
humilhação e negação da dignidade humana.
b) Capitalismo: como o sistema de números
naturais do famoso teorema de Kurt Gödel, não pode ser simultaneamente coerente
e completo. Se é coerente com seus princípios, surgem problemas que não é capaz
de enfrentar. Se ele tenta resolver esses problemas, não pode fazê-lo sem cair
na incoerência em relação a seus próprios pressupostos fundamentais.
P. 27
- Rosa Luxemburgo: “Acumulação capitalista”
a)
Sustenta que o capitalismo não pode sobreviver sem as econômicas “não
capitalistas”
b)
Para avançar necessita de terras virgens, abertas a expansão e a exploração.
c) Ao
conquistá-las exaure suas forças e sua própria fonte de alimentação.
- O Capitalismo é um
sistema parasitário – hoje sabemos que:
a) A
força do capitalismo está na extraordinária engenhosidade com que busca e
descobre novas espécies hospedeiras sempre que as espécies anteriormente
exploradas se tornam escassas ou se extinguem.
b)
Oportunismo e rigidez com que se adapta às indiossincracsias de seus novos
pastos.
P. 28
- Na sociedade de consumidores:
a) Os
lucros são oriundos da exploração dos desejos de consumo.
b) A
filosofia empresarial dominante insiste em que a finalidade do negócio é evitar
que as necessidades sejam satisfeitas.
c) É
necessário criar novas necessidades que clamem por satisfação e novos clientes
em potencial.
d) Há
uma filosofia de afirmar que a função da oferta é criar demanda.
P. 31
- A atual “contração do crédito” não é
resultado do insucesso dos bancos. Ao contrário, é o fruto, plenamente
previsível, embora não previsto, de seu extraordinário sucesso. Sucesso ao
transformar uma enorme maioria de homens, mulheres, velhos e jovens numa raça
de devedores.
P. 33
- Fase creditícia da história da acumulação
capitalista.
- O Estado voltou a exibir e flexionar sua
musculatura como não fazia a muito tempo.
a)
Para financiar o mercado
b) O
mercado não tolera Estados musculosos, mas ao mesmo tempo não pode sobreviver
sem eles.
- A natureza do sofrimento humano é determinada
pelo modo de vida dos homens.
- As raízes da dor da qual nos lamentamos
hoje, assim como as raízes de todos os males sociais, estão profundamente
entranhadas no modo como nos ensinam a viver.
- Os hábitos atuais nos impulsionam a correr
para os empréstimos.
P. 34
- Por mais impotentes que sejam as medidas
dos governos para debelar a crise, o que esta em jogo é recapitalizar os bancos
e seu sistema de crédito, principal responsável pela crise.
- Ainda não começamos a pensar seriamente
sobre a sustentabilidade dessa nossa sociedade alimentada pelo consumo e pelo
crédito.
P. 36
- Bauman: uma espécie de “Estado de
bem-estar” para os ricos não é nenhuma novidade.
- A novidade esta no clamor dramático para
que se efetive esta posição.
- Habermas (crepúsculo do capitalismo
produtivo)
a)
Obra: A crise de legitimação do capitalismo tardio:
-
O Estado é capitalista à medida que sua função primária é a remercadorização do
capital e do trabalho.
-
A substância do capitalismo é o encontro entre o capital e o trabalho.
-
Objetivo deste encontro é uma transação comercial: o capital adquire o
trabalho.
-
A função do Estado capitalista é garantir que o acordo se cumpra.
-
Duas tarefas a fazer:
1. Subvencionar o capital na compra do
trabalho caso não o tenha condições de fazer.
2.
Garantir que valha a pena comprar o trabalho. O Estado deve garantir as
condições ideais para a constituição de uma mão-de-obra atraente.
P. 37
- A transição da sociedade “sólida” de produtores
para uma sociedade “líquida” de consumidores.
a) A
fonte primária de acumulação capitalista se transferia da indústria para o
mercado de consumo.
b)
Para dinamizar o capitalismo o Estado deve financiar o capital, permitir que
ele venda mercadorias e que os consumidores possam comprá-las.
c) Na
fase líquida da modernidade o Estado é capitalista quando garante a
disponibilidade contínua de crédito e a habilitação contínua dos consumidores
para obtê-lo.
P. 38
- Ditadura de Estado e mercado, caminham
juntas.
P. 39
- A cooperação entre Estado e mercado no
capitalismo é regra.
- O conflito entre é exceção
- Em geral as políticas do Estado
capitalista, “ditatorial” ou “democrático” são construídas e conduzidas no
interesse e não contra o interesse dos mercados.
- Seu efeito principal é
avalizar/permitir/garantir a segurança e a longevidade do domínio de mercado.
- Se os recursos do Estado de bem-estar
escassearam é porque as fontes de lucro do capitalismo se deslocaram ou foram
deslocadas da exploração da Mao-de-obra operária para a exploração dos
consumidores.
P. 42
- O desaparecimento/colapso do capitalismo é
concebível como uma implosão, e não como uma explosão, e muito menos como uma
destruição provocada por um golpe externo.
- O capitalismo vai se matar pela fome, uma
vez que o manancial de pastagens disponíveis/possíveis/imagináveis está
esgotado.
P. 43
- Longe de ser um sistema que se
autoequilibra, ou que é movido por uma mão invisível do mercado, a economia
capitalista produz uma enorme instabilidade que ela é incapaz de dominar e
controlar, utilizando apenas sua própria “predisposição natural”.
- A capacidade de autoconservação imputada à
economia capitalista por alguns economistas de sua corte se resume à destruição
periódica de “bolhas” de sucesso. E isso com um custo imenso para a vida e para
as perspectivas daqueles que, supostamente, deveriam ser atendidos pelos
benefícios da endêmica criatividade capitalista.
- Tarefa de Roosevel era o desafio keynesiano
de ressuscitar, conceder incentivo governamental, lubrificar e revigorar a
indústria, o principal empregador e, assim, indiretamente, o criador de demanda
que manteria a economia de mercado ativa e reiniciaria a produção de excedente
necessária à autorreprodução capitalista.
P. 44
- O desafio da atualidade
1. Os
mercados financeiros não são empregadores em massa, mas o elo indispensável e
talvez decisivo da “cadeia alimentar” de todos os empregadores, reais ou
potenciais.
2.
Hyman Minsky: os mercados financeiros tem a maior parcela de responsabilidade
pela incurável tendência para produzir e reproduzir sua própria instabilidade e
vulnerabilidade.
3.
Circulo vicioso dos emprestadores ao constatar que o Estado é sua salvaguarda,
a única coisa susceptível de “ressureição” é a vontade de especular e correr
riscos em nome do retorno financeiro imediato.
P. 45
- O objeto das operações de crédito não é só
o dinheiro pedido e emprestado, mas o revigoramento da psicologia e do estilo
de vida de “curto prazo”
- Os consumidores não podem mais ser contidos
no interior das fronteiras de um único Estado-nação ou mesmo de confederações
de vários Estados. Essa totalidade agora é global.
- O “espaço de fluxos” global, como Manuel
Castells memoravelmente o chamou, continua, teimoso, fora do alcance das
instituições confinadas ao “espaço
local”, incluindo os governos dos Estados.
-Todas as fronteiras políticas são porosas
demais para garantir que as medidas aplicadas no interior do território de um
Estado se mantenham imunes aos fluxos de capital determinados a reverter a
finalidade pretendida para o exercício desse Estado.
P. 46
- Em nome da salvação dos interesses
coletivos do capitalismo, os capitalistas devem ser obrigados, pelos poderes
constituídos, todos eles juntos e ao mesmo tempo, a se comprometer com seus
próprios interesses.
Conversa 2
O Estado de bem-estar na era da globalização econômica.
Os últimos vestígios
do pan-óptico de Bentham. Ajudar ou policiar os pobres.
P. 51
- O Estado social foi criado para promover os
interesses vitais da sociedade de produtores/soldados, e para assegurar seu bom
funcionamento.
- Tanto a esquerda e a direita aceitavam que
o Estado deveria pagar pela manutenção do exército e reserva.
- Estado social no sentido empregado por
Habermas:
a) Em
relação a remercantilização do capital e do trabalho
b)
Tornar o capital apto e disposto a comprar o trabalho.
c)
Como atividade crucial do Estado, sem o qual o capitalismo não poderia
sobreviver a longo prazo.
- Hoje o gasto com os pobres não é um
investimento racional.
a)
Eles são uma dependência perpétua.
b)
Não são um recurso em potencial.
P. 52
- O problema do pobre, outrora considerado
questão social, tem sido em grande medida redefinido como uma questão de lei e
ordem.
- O propósito primário da preocupação do
Estado com a pobreza, não está mais em manter os pobres em boa forma, mas em
policiar os pobres, mantendo-os afastados das ações maléficas e dos problemas,
controlados, vigiados, disciplinados.
- São em tudo os últimos vestígios do
pan-óptico de Jeremy Bentham.
- Para a maior parte de nós, na sociedade de
consumidores, os cuidados com a sobrevivência e o bem-estar tem sido
“subsidiados” pelo Estado para atender os interesses, recursos e competências
individuais.
P. 53
- O que hoje se chama de Estado de bem-estar
social é apenas uma geringonça para combater o resíduo de indivíduos sem
capacidade de garantir sua própria sobrevivência por falta de recursos
adequados.
- Como o discurso do bem-estar foi rebaixado
de uma cultura dos direitos dos cidadãos para uma cultura da caridade, da
humilhação e do estigma.
P. 54
- Adorno – ao tentar tornar nossos modelos
teóricos consistentes, harmoniosos, puros e logicamente elegantes, quando
teorizamos, sem querer imputamos à realidade mais racionalidade do que ela
possui e nem sequer poderia adquirir.
P. 55
- A desordem de nossas descrições – por vezes
resulta de um pensar desordenado e desleixado, mas, com
- A idéia de Estado-social, desde o começo,
comporta uma contradição ao busca a liberdade e a segurança, dois valores
igualmente indispensáveis para uma vida satisfatória, mas que tem um notória
relação de amor e ódio.
- Modernidade – ausência de Deus
- O vazio produzido pelo tédio na mesa de
controle do mundo teve de ser preenchido pela sociedade humana.
a)
Substituir o cego destino pela regulação normativa
b) A
insegurança existencial pelo Estado de Direito
c)
Uma sociedade que protegeria todos os seus membros contra riscos de vida e
infortúnios sofridos pelo indivíduo.
d)
Estas condições forma encontradas no Estado de bem-estar social.
P. 56
- A “privatização” transfere a tarefa de
lutar contra os problemas socialmente produzidos para os ombros dos indivíduos.
- O Estado social tendia a unir seus
integrantes, numa tentativa de proteger todos e cada um da devastadora e
competitiva “guerra de todos contra todos” e da “disputa entre os homens”.
- Um Estado é social quando promove o
princípio do seguro coletivo comunitariamente endossado contra o infortúnio
individual e suas conseqüências.
P. 58
- A verificação diária da habilidade de lidar
com os desafios da vida é, afinal, a estação de trabalho por excelência em que
a autoconfiança dos indivíduos, e também a sua autoestima, se fundem – ou
derretem.
- Escapar da inércia ou da impotência
individual é algo que esta diretamente vinculado à um Estado social.
- Os direitos políticos são necessários para
estabelecer os direitos sociais e, estes são indispensáveis para por os
primeiros em operação.
- Estado social é a última personificação
moderna da idéia de comunidade.
a)
Reencarnação instituccionl da idéia de “totalidade imaginada”, tecida pela
consciência e aceitação da dependência recíproca por, compromisso, lealdade,
solidariedade e confiança.
b)
Direitos sociais são a manifestação tangível dessa totalidade que manifesta na
cotidianidade dos seres humanos.
c)
Pertencimento se traduz como confiança nos benefícios da solidariedade humana e
das instituições que dela brotam, prometendo servi-la e garantir sua
confiabilidade.
P. 59
- A confiança e a desenvoltura de uma
sociedade são medidas pela confiança e desenvoltura de seu ponto mais fraco, e
que aumentam com seu crescimento.
- Justiça social, eficiência econômica,
fidelidade à tradição do Estado social, a capacidade de se modernizar
rapidamente sem nenhum dano para a coesão e a solidariedade social – essas
coisas não precisam estar em desacordo conflituoso.
- Sociedade ou comunidade reais ou meramente
imaginadas tornam-se cada vez mais ausentes.
- A faixa de autonomia individual esta em
expansão, mas sobrecarregada que outrora eram funções do Estado.
- Os Estados já não sancionam mais a apólice
coletiva de seguros, deixando a tarefa de obter bem-estar e um futuro em
segurança para as buscas individuais.
- Os indivíduos estão cada vez mais abandonados.
- Espera-se que eles divisem soluções
individuais para problemas socialmente produzidos, e que o façam de modo
específico, usando suas próprias habilidades e recursos particulares.
P. 61
- A vida nas sociedades regulamentadas e
desregulamentadas, difere em muitos aspectos. Mas o volume de felicidade e o
grau de imunidade à infelicidade não esta entre eles. Cada um dos dois tipos de
sociedade apresenta seus próprios tipos de sofrimento, agonia e medos.
- A desregulamentação está se transformando
rapidamente em palavrão, enquanto as palavras sujas de ontem – como gastos
públicos, empresa estatal, regulação obrigatória e mesmo estatização – logo são
limpadas da sujeira que a elas se aderiu nas três décadas de “emancipação”.
Conversa 3
Uma coisa chamada “Estado”
Democracia, soberania e direitos humanos
P. 66
- A busca da felicidade se baseia na
suposição de autorrepetição sem fim: a esse respeito pelo menos, nosso conceito
de “viver em nome da felicidade de uma felicidade cada vez maior” talvez seja o
arquétipo do projeto de substituto clonado, imortal, e de tecnologia de ponto.
P. 67
- Tendo absorvido tudo o que estava
disponível para ser devorado, e sem nada no passado, no presente e no futuro a
salvo de sua voracidade onívora, o infinito se iguala à impossibilidade de um
outro lugar.
P. 68
- William Morris – “os homens como tal”,
assumindo e sugerindo que lutar por uma “coisa que não é” é a maneira como são
os seres humanos, todos os homens: na verdade, trata-se da característica
definidora do “ser humano”.
- Ernest Bloch – é a falta de algo, mas
também uma fuga dessa falta; portanto, é dirigir-se para o que esta perdido. Se
concordarmos com Morris, podemos considerar as utopias expressões elaboradas e
sistematizadas desse aspecto crucial da natureza humana.
- Utopias foram as diversas tentativas de
expor em detalhes e descrever por completo a “coisa” em nome da qual a próxima
luta será empreendida.
P. 69
- A inquietação de formuladores e caçadores
de utopias compulsivas e viciados foi impulsionada e sustentada pelo desejo
irascível de quietude. As pessoas vão para a guerra em busca do sonho de
abandonar as armas – para sempre.
- As utopias se apresentam sempre em sua
radicalidade
Substantivo latino radix =
raiz, fundamento e origem.
P. 70
- Russell Jacoby distingue duas tradições do
pensamento utópico moderno:
a) A
projetista: mapeiam o futuro em polegadas e minutos
b) A iconoclasta: sonham com uma
sociedade superior, mas recusam a dar-lhe medidas precisas.
P. 71
- Bauman – O significado que sugiro é
indicado pela própria idéia de “iconoclasta”, e se refere à intensão de
desconstruir, desmistificar e, finalmente, desmascarar os valores dominantes e
as estratégias de vida de uma época.
- Utopias iconoclastas são aquelas que
demonstram que o exercício desses valores e estratégias, em vez de assegurar o
advento de uma sociedade superior ou de uma vida superior, constitui um
obstáculo insuperável no caminho de ambas.
a)
Revisão críticas das formas e dos meios de vida presente como fator principal
da descoberta da possibilidade de outra “realidade social”, que de outra
maneira seria suprimida e ocultada, e que até então era desconhecida.
b) As
utopias iconoclastas fazem com que a alternativa ao presente permaneça um
esboço.
c)
Sua aposta principal é a possibilidade de uma realidade social alternativa e,
não seu projeto preciso.
d) A
estrada para uma sociedade superior não passa pela prancheta dos projetistas,
pelos contramestres do futuro.
e)
Passa por uma reflexão crítica sobre as práticas e crenças humanas existentes,
desmascarando aquele “algo que está ausente” e, assim, inspirando a força
motriz para sua criação e recuperação.
P. 72
- Cada espécie de utopia esta prenhe de suas
próprias distopias.
- Quando elas se movem na Lebenswelt (no mundo da vida), os
embriões se transformam em demônios interiores.
P. 74
- Nada ou quase nada restou para distinguir a
“esquerda” da “direita” em termos de política econômica ou de qualquer outra.
Não obstante, por consentimento comum entre esquerda e direita, as políticas
que não são de direita nem esquerda são tudo, menos boas.
P. 75
- Linha de pensamento da “Terceira Via: “Ser
de esquerda significa ser capaz de fazer de modo mais profundo o trabalho que a
“direita” demanda, mas fracassa em realizar corretamente.
- Por mais de um século a marca distintiva
entre esquerda e direita:
à
Dever sacrossanto da comunidade cuidar e prestar assistência a todos os seus
membros, coletivamente, contra as forças poderosas contra as quais eles são
incapazes de lutar sozinhos.
- Os Estados políticos que outrora
reivindicaram plena soberania militar, econômica e cultural sobre seu
território e sua população não são mais soberanos em qualquer um dos aspectos
da vida em comum.
- A condição sine qua non de controle político efetivo sobre as forças
econômicas é que as instituições políticas e econômicas devem operar no mesmo
nível – o que, contudo, não é o caso hoje.
P. 76
- A
política manteve-se tão local quanto antes, por conta disso já não é capaz de
alcançá-los, e muito menos de coagi-los.
- Um
dos efeitos da globalização é o divórcio entre o poder (no sentido do termo
alemão Macht, a capacidade de ser ter
as coisas feitas) e a política.
- Agora
há o poder emancipado da política no espaço global, e a política desprovida do
poder no espaço local.
- Um Estado social, a garantir segurança
existencial para todos, já não pode ser construído ou sobreviver no âmbito do
Estado-nação – as forças que teriam de ser domadas para obter esse efeito não
estão sob o comando do Estado nacional.
- Cada vez mais os sociais-democratas têm
revelado uma incapacidade imprevista de cumprir suas promessas. Daí o esforço
desesperado para encontrar outra marca registrada e outra forma de legitimação.
- A na política uma total ausência de identidade
e legitimidade. Nessa sua forma derradeira, os descendentes distantes da
esquerda do passado só podem contar com as falhas de seus adversários como
única chance eleitoral.
P. 77
- Qual
a relevância do paradigma democrático “no clima atual”?
- Em que
medida a esperança de uma boa sociedade pode ser investida na forma democrática
de convivência humana e de autogoverno?
-
Churchill disse que a democracia é o pior sistema político, exceto todos os
outros.
- O
quão satisfatória é essa “menos má dentre as formas de dominação política”?
- Até
que ponto podemos contar com ela para resolver os problemas decorrentes de
nossa união?
P. 78
- Henry Giroux: “A democracia não se refere
simplesmente às pessoas que querem melhorar suas vidas. Ela diz respeito, de forma
mais relevante, à vontade delas de lutar para proteger seus direitos à
autodeterminação e ao autogoverno, no sentido do interesse do bem comum.
- Sheldon Wolin: “a democracia diz respeito a
participar do autogoverno, sua primeira exigência é uma cultura de apoio, com
crenças, valores e práticas complexos, a fim de nutrir e treinar a igualdade, a
cooperação e a liberdade.”
P. 79
- A democracia moderna nasceu das
necessidades e ambições de uma sociedade de produtores.
- As idéias de autodeterminação e autogoverno
foram feitas à medida das habilidades dos produtores e das práticas de
produção.
- A questão, é saber se tais idéias podem
sobreviver à passagem de uma sociedade de produtores para outra, de
consumidores.
- De uma sociedade visa como um produto
coletivo do trabalho compartilhado para uma sociedade percebida como um
contêiner de mercadorias a se ganhar – para apropriação, prazer e imediato
dispor.
- As instituições democráticas estão
endemicamente inclinadas a promover os valores coletivos contra os valores
individualistas, a cooperação contra a competição, a “ordem da igualdade”
contra a “ordem do egoísmo”?
- Ou as estruturas democráticas de governança
se assemelham a máquinas de venda automática, que só liberam o que foi colocado
dentro delas?
- Governos democraticamente eleitos muito tem
feito, nas últimas décadas, para transformar o cidadão num consumidor de
serviços oferecidos pelo Estado, e o cidadão ideal, em cliente satisfeito e não
queixoso.
- Desempenharam de maneira bastante
impressionante a tarefa de agentes do mercado de commodities e vendedores de
sua visão de mundo, seus valores e suas práticas.
P. 80
- O “etnonacionalismo”, explica Muller, “tira
muito de sua força emotiva da idéia de que os membros de uma nação são parte de
família ampliada”
- O termo “comunidade” remete a uma “família
ampliada” em nosso mapa do mundo – e o Estado social foi uma prolongada e
tortuosa tentativa de elevar a união dos cidadãos de um país à categoria de
“comunidade nacional”.
- Os governos precisam corresponder às
expectativas dos eleitores em busca de comunidade, e, ao mesmo tempo, respeitar
as demandas das forças globais intrinsecamente hostis a toda e qualquer
limitação de tipo comunitário, a toda e qualquer ambição de autossuficiência.
P. 82
- O Estado seja em sua forma atual, casado
com a nação e territorialmente confinado, seja em qualquer outra forma ainda
não testada, desconhecida ou hoje ainda inconcebível, é indispensável. Não pelo
bem da democracia, mas para tornar viável, senão real, a igualdade entre os
seres humanos.
P. 83
- Precisamos ampliar a questão da
desigualdade para além da área enganosamente estreita em que ela está
confinada, centrada estritamente no PIB ou na “renda per capita”, na atração
mútua e fatal entre pobreza e vulnerabilidade social, corrupção e acumulação de
perigos, humilhação e negação da dignidade.
- O que esta por trás da presente
“globalização da desigualdade”:
a) O
processo identificado por Max weber nas origens do capitalismo moderno e
intitulado por ele de “separação entre os negócios e o lar”.
b)
Trata-se da emancipação dos interesses comerciais de todas as instituições
socioculturais de supervisão e controle eticamente inspirados.
c)
Imunização das atividades empresariais contra quaisquer outros valores que não
sejam a maximização do lucro.
P. 84
- Testemunhamos a separação empresarial – o
Estado nação sendo colocado na posição do lar e baluarte do provincianismo, de
ser objeto de olhares reprovadores, depreciado como relíquia irracional que
impede a modernização e se mostra hostil à economia.
-
Divórcio entre poder e política:
a) O Estado moderno nascente conseguiu
desenvolver instituições de política e governo, feitas à medida da postulada
fusão de poder, e a política no interior da união territorial entre nação e
Estado.
b) O poder evaporou, se globalizou, flui para
mercados asperamente apolíticos e, foi parcialmente subsidiado como apoio á
“política de vida” dos novos indivíduos “dotados de direitos”.
c) Confundir a atual política “internacional”
como uma (inexistente) política global é apenas um expediente para legitimar e
“naturalizar” a anarquia nos negócios.
P. 85
- Temos poder livre da política e política
desprovida de poder.
- O
Estados-nação territoriais são delegacias locais de polícia da “lei e ordem”,
bem como latas de lixo locais e unidades de remoção de lixo e reciclagem para
riscos e problemas globalmente produzidos.
- O capital industrial emigra.
- O fator primordial de estratificação na
atual hierarquia de dominação é a facilidade de movimento.
- O direito de decidir sobre a garantia da
mobilidade é causa primordial na luta pelo poder.
- A atual onde de migração – expôs as
limitações da perspectiva e da determinação nacionalistas para “assimilar” os
que chegam: afirmar e preservar a prioridade do domicilio ético sobre a origem
étnica.
P. 86
- Bauman – não encontrei argumentos válidos
para refutar, a suposição de que não há soluções locais para o mais grave dos
problemas contemporâneos – que é por natureza um problema global, ou seja,
globalmente produzido e passível apenas de soluções globais.
P. 88
- Mundo moderno impulso obsessivo/compulsivo
de “modernização” desde o princípio desenvolveu duas indústrias de massa de
“refugo humano”
a) 1ª
Construção da ordem
b) 2ª
Progresso econômico – resulta em grande quantidade de sobras humanas, seres
para os quais não há lugar na “economia”, nenhum papel útil a desempenhar,
nenhuma oportunidade de ganhar a vida, pelo menos nas formas definidas como
legais, recomendáveis ou pelo menos toleráveis.
- Estas duas industrias volta com toda força
atualmente:
a) A
primeira produzindo estrangeiros – os sem documentos, imigrantes ilegais,
falsos requerentes de asilo político, indesejáveis.
b) A
segunda provocando o surgimento de “consumidores defeituosos”
P. 89
- O Estado hoje é incapaz de, e/ou relutante
em, prometer “segurança existencial” a seus cidadãos.
- Ganhar essa segurança existencial –
conseguir manter um lugar legítimo e digno na sociedade humana e evitar a
ameaça de exclusão – é uma tarefa deixada às habilidades e aos recursos de cada
indivíduo, por sua conta.
- Tanto os políticos quanto os mercados
consumidores estão ansiosos para capitalizar os medos difusos e nebulosos que
saturam a sociedade.
P. 90
- Na era da globalização: salta aos olhos a
forma como o ressentimento se dirige para os imigrantes e se torna
politicamente rentável.
- Os imigrantes representam:
a)
Tudo o que gera ansiedade
b)
Desperta horror na nova variedade de incerteza e insegurança produzida pelas
“forças globais”
c)
Tornam palpáveis e visíveis os horrores dos meios de vida destruídos, do exílio
forçado, da degradação social, da exclusão e do banimento definitivo para um
“não lugar” fora do universo das leis e do direito.
d)
Encarnam todos aqueles medos existenciais semiconscientes ou inconscientes que
atormentam homens e mulheres numa sociedade líquido moderna.
P. 91
- Os riscos a que as democracias hoje se
expõem só se devem parcialmente aos governos dos Estados, que lutam
desesperadamente pela legitimação de seu direito de ter domínio e exigir
disciplina.
- O Estado flexiona seus músculos e mostra
sua determinação em se manter firme diante das ameaças infinitas, genuínas ou
supostas, aos corpos humanos, em lugar de proteger a utilidade social de seus
cidadãos.
- A segunda grande razão pela qual nossa
democracia esta em risco é o que podemos chamar de “fadiga da liberdade”. Ela
se manifesta:
a)
Na placidez com que a maioria de nós aceita o processo de limitação gradual de
nossas liberdades duramente conquistadas, nossos direitos de privacidade, de
defesa diante da Justiça, de sermos considerados inocentes até prova em
contrário.
P. 92
- Num mundo inseguro, a segurança é o nome do
jogo.
- A segurança é o objetivo principal da
competição e sua premiação suprema.
- É um valor que, na prática, senão na
teoria, diminui todos os outros valores.
P. 93
- Num
mundo inseguro como o nosso, traços como liberdades individuais de uso da
palavra e de ação, direito à privacidade, acesso à verdade – questões
associadas à democracia, precisam ser reduzidos ou suspensos.
- Num planeta globalizado, onde a situação de
todos em toda parte determina a situação de todos os outros, ao mesmo tempo em
que é também determinada por ela, não se pode mais assegurar liberdade e
democracia “separadamente” – de forma isolada, num país, ou só em alguns
Estados seletos.
- O destino da liberdade e da democracia em
cada país é decidido e resolvido em escala global.
- Modernidade – elevou a integração humana
até o nível das nações. Antes de concluir seu trabalho, no entanto, a
modernidade deve desempenhar uma tarefa ainda mais formidável: levar a
integração humana até o plano da humanidade, incluindo toda a população do
planeta.
P. 94
- Com a globalização do capital e do comércio
de mercadorias, nenhum governo, individual ou isoladamente, é capaz de
equilibrar as contas. Sem essas contas equilibradas, torna-se inconcebível a
continuidade das práticas do “Estado social” que cortam as raízes da pobreza e
impedem que a tendência para a desigualdade saia de controle.
- Também é difícil imaginar governos capazes
de, isolada ou individualmente, impor limites sobre o consumo e aumentar a
tributação local para os níveis exigidos pela continuidade, muito menos de
promover uma nova expansão dos serviços sociais.
- Não existe maneira alguma decente de um
indivíduo ou um grupo de Estados territoriais “deixar” a interdependência
global da humanidade. O “Estado social” não é mais viável; apenas um “planeta
social” pode assumir as funções que ele tentou executar, há não muito tempo,
com variáveis graus de sucesso.
P. 95
- Vida para consumo – “o Estado é um executor
da soberania de mercado”.
P. 96
- A noção de soberania de Schmitt, enunciada
em sua Teologia política, reciclada,
dez anos mais tarde, em O conceito do
político, foi criada e concebida para responder a uma das questões mais
notoriamente persistentes dentre as nascidas em Jerusalém, de um Deus único,
criador onipresente e onipotente de estrelas...
P. 97
- A justificativa para a existência de um Deus
único.
- O profeta hebraico Jesus declarou que o
Deus onipotente era também o Deus do Amor.
- O apóstolo Paulo levou essa nova a Atenas
lugar do questionamento e da resposta de âmbito lógico.
- No mundo dos gregos e dos povos
politeístas:
a) Havia um deus para cada experiência humana
e para todas as ocasiões da vida.
b) Não havia também uma resposta para cada
dúvida passada ou futura.
c) Não havia uma explicação pra toda e
qualquer consistência observada nas ações divinas e uma receita para improvisar
uma explicação original, mas antes de tudo sensata no caso de novas
incompatibilidades.
P. 98
- Os deuses dos povos politeístas:
a) Os deuses poderiam sustentar sua
autoridade divina e mantê-la indiscutível apenas por ação em conjunto, em
grupo, de modo que o motivo para um deus ou uma deusa falhar no cumprimento de
suas promessas divinas pudesse sempre ser encontrado – numa maldição igualmente
divina lançada por outro dentre os inúmeros moradores do panteão.
- O um e apenas um Deus reivindicou um
reinado indivisível e não compartilhado, abrangente e incontestável,
depreciando assim todas as outras deidades.
- Ao reivindicar e ambicionar um poder
absoluto, o Deus da religião monoteísta assume a responsabilidade absoluta
sobre as bênçãos e golpes do destino, sobre a má sorte dos miseráveis, assim
como pela “longa sucessão de dias ensolarados daqueles mimados pela fortuna.
P. 99
-
Soberania:
a) O
domínio de uma norma que também sujeito o criador dessa norma é por definição irreconciliável
com a verdadeira soberania, com o poder absoluto de decidir.
b) Para
ser absoluto, o poder deve incluir o direito de negligenciar, suspender ou
revogar a norma, ou seja, cometer atos que, do lado do receptor, soam como
milagres.
c)
Schmitt e sua noção de soberania:
- gravaria a visão preestabelecida de ordem
divina no solo da ordem legislativa.
- “A exceção, na jurisprudência, é análoga
ao milagre na teologia... A ordem jurídica repousa sobre uma decisão, e não
sobre uma norma”, presumindo-se que essas decisões não são obrigadas a se
submeter a normas.
- O poder de isenção funda simultaneamente
o pode absoluto de Deus e o modo que os seres humanos consideram contínuo,
incurável e oriundo da insegurança.
- Schmitt – a soberania humana não esta mais
algemada pelas normas.
-
graças a esse poder de isenção, os homens são, como nos tempos anteriores à lei
divina,
vulneráveis e
inconstantes.
P. 100
- A mensagem do livro de Jó:
a) Não há regra ou norma com se possa contar.
b) Nenhuma regra ou norma a qual o poder
supremo esteja vinculada.
- Livro de Jó antecipa o veredicto de Carl
Schmitt
è
O soberano é aquele que tem o pode de isenção.
è
O poder de impor regras brota do poder de suspendê-las ou anulá-las.
P. 101
- A idéia de soberania deve ser levada em
conta em qualquer tentativa de se compreender as obras de Deus, ou de se
resignar à usa inexorável imcompreensibilidade.
- Sem o Livro de Jó, o Êxodo deixaria de
lançar as da onipotência de Deus e da obediência de Israel.
P. 103
- O Estado moderno e sua pretensão a
onipotência descobriu a aleatoriedade e imprevisibilidades de seus trovões
seriam as mais eficazes de suas armas.
- A exceção necessita fundar a ordem como
condição de sua existência.
P. 104
- Como tornar compatível a benevolência cum
onipotência de Deus com a profusão de mal num mundo que ele mesmo projetou e
que mantém em movimento?
- A evidente prodigalidade de males no mundo
não poderia ser conciliada com a combinação de benevolência imputada ao grande
fabricante e supremo gerente do universo.
- Max Weber
a)
Desencantamento da natureza – despojamento da natureza de seu disfarce divino.
-
Ato de nascimento do “espírito moderno”
-
Arrogância fundada na nova atitude de
“podemos fazer, devemos
Fazer, vamos fazer.”
-
Atitude de ousadia, autoconfiança e determinação.
P. 105
- A natureza foi despojada de subjetividade,
bem como da subjetividade divina, para pavimentar o caminho da deificação de
sues sujeitos, os homens.
- Os seres humanos assumiram o controle.
- Despojada de seu disfarce de divindade,
ressurgiu amedrontadora, aterrorizante.
- Mas os que as preces não tinham conseguido
realizar, a techne, apoiada na ciência, sem dúvida conseguiria, pois está
voltada para lidar com uma natureza cega e muda.
P. 106
- Cedo
ou tarde, todas as ameaças, as naturais e a morais, se tornariam previsíveis e
seriam prevenidas, obedientes que são ao poder da razão.
-
Necessidade de colocar em curso os poderes da razão.
- O
imperativo categórico de Kant:
- Por
meio do uso da razão, nosso dom inalienável, podemos elevar o julgamento moral
e o tipo de comportamento que é sua conseqüência à categoria de lei natural
universal.
- A
experiência atual demonstra que a razão se desenvolveu em sentido oposto.
- Em
vez de promover o comportamento guiado pela razão à categoria de direito
natural, degradou suas conseqüências até o plano de uma natureza irracional e
moralmente indiferente.
- As
catástrofes naturais não passaram a se assemelhar a delitos morais
“administráveis por princípio”.
-
Catástrofes provocadas pela ação humana hoje descendem de um mundo opaco,
atacam de forma aleatória em locais impossíveis de prever, são desafiadoras e
inalcançáveis para os tipos de explicação que situação as ações humanas como
algo à parte de todos os outros eventos: as explicações por motivo ou
finalidade.
- As
calamidades causadas por ações humanas imorais surgem cada vez mais como casos
incontroláveis por princípio.
P. 107
- A visão moderna propunha um “poderoso
Estado racional, um Estado de substância real”, “situado acima da sociedade e
imune a interesses sectários”.
- Um Estado capaz de reivindicar a posição
dominante na condição estabelecida ou de ser o determinante da ordem social,
posição outrora ocupada por Deus, mas então desocupada.
- As idéias que deram sustentação ao
nascimento da era moderna esperavam a prometiam extirpar e eliminar as
erráticas voltas e voltas do imprevisível destino, com a opacidade e
imprevisibilidade resultantes da condição e da perspectiva humanas que haviam
marcado o domínio do Deus de Jerusalém.
P. 108
- Mundo moderno, arranjo precário e
fundamentado na (nada) santa aliança trinitária entre Estado, nação e
território.
- O mundo em que Schmitt nasceu não era o
universo politeísta dos atenienses e dos romanos, mas um mundo de cuius régio
eius religio (com o governante estabelecendo a religião), de deuses em
conflituosa coabitação, cruelmente competitivos, intolerantes e autoproclamados
“únicos e verdadeiros”.
P. 109
- Schmitt: Soberano é quem decide sobre a
exceção.
Ou, mais importante, quem decide
arbitrariamente, sendo quem os “elementos decisórios e personalistas” estão em
primeiro plano no conceito de soberania do autor.
- Insistência de que o traço distintivo que
define o aspecto “político” nas ações e motivações humanos, estas podem ser
reduzidas a uma oposição entre “amigo e inimigo”.
- A substância e a marca de todo e qualquer
detentor de soberania e/ou toda e qualquer agência de soberania consistem em
“associação e desassociação”.
P. 110
- Na visão que Schmitt tem de soberania, a
associação é inconcebível sem desassociação, a ordem, sem expulsão e extinção,
a criação sem destruição.
- A estratégia de destruição pela causa da
construção da ordem é característica definidora de (toda e qualquer, como
insiste Schmitt) soberania.
- Uma vez que a política consiste no ato de
apontar o inimigo e lutar contra ele, e na natureza decisória da soberania,
deve ficar claro que alguém se torna “o outro” e “o estranho”, em última
instância, “um inimigo”, no final, e não no ponto de partida da ação política
soberana. Uma “objetividade” da inimizade (a condição de “ser um inimigo” é
determinada por atributos e ações próprios desse inimigo) iria na contramão de
uma soberania que se resume ao direito de fazer exceções.
- As “inclinações totalitárias” endêmicas,
como sugere Hannah Arendt, de todas as formas modernas de poder de Estado.
- A vulnerabilidade e a incerteza do homem
são o alicerce de todo poder político.
- Os poderes reivindicam autoridade e
obediência prometendo a seus súditos uma proteção eficaz contra essas duas
maldições da condição humana.
P. 111
- Na maioria das sociedades modernas, a
vulnerabilidade e a insegurança da existência, e a necessidade de perseguir os
objetivos da vida em condições de incerteza aguda e irredimível, foram
asseguradas desde o início pela exposição das atividades da vida aos caprichos
das forças do mercado.
- Além de proteger as liberdades desse
mercado e, por vezes, ajudar a ressuscitar o encolhido vigor das forças de
mercado, o poder político não tinha necessidade de se envolver diretamente na
produção de insegurança.
- O Advento da fase líquida da modernidade,
com suas formas de governo prestadoras de serviço e suas estratégias de
dominação. Instituições do Estado de bem-estar foram progressivamente reduzidas
e eliminadas, enquanto as restrições antes impostas as atividades empresariais
e sobre o livre jogo da concorrência no mercado, com suas terríveis
conseqüências, foram suspensas uma a uma.
P. 112
- A incapacidade para participar do jogo do
mercado é cada vez mais criminalizada.
- O Estado não ampara mais seus cidadãos
diante da vulnerabilidade e da incerteza provenientes da lógica do livre
mercado.
- Os indivíduos devem agora resolver suas
dificuldades diante das agruras do mercado.
- Multiplicam-se as soluções biográficas para
as contradições sistêmicas.
-
Estado contemporâneo:
1.
Rescinde a postura programática em relação as conseqüências da insegurança
produzida pelo mercado.
2.
Proclama a perpetuação e intensificação da insegurança como missões de todo
poder político preocupado com o bem-estar de seus súditos.
3.
Busca outras variedades não econômicas de vulnerabilidade e insegurança nas
quais sustentar sua legitimidade.
4. As
alternativas foram alocadas em suas formas mais espetacular nas questões:
a) Segurança pessoal.
a1) Ameaças ao corpo, aos bens e aos
hábitos dos seres humanos.
a2) Perigos provenientes das atividades
criminosas
a3) Condutas anti-sociais por parte da
subclasse
a4) Terrorismo internacional.
5. De
tal modo que a não materialização das ameaças possa ser aplaudida como um
evento extraordinário, resultado da vigilância, atenção e boa vontade dos
órgãos do Estado.
6. Este
é o auge do poder de isenção, dos estados de emergência e da escolha de
inimigos.
P. 114
- Credibilidade da ONU em queda.
- A doutrina dos direitos humanos cada vez
mais parece ser explorada, segundo alguns autores, como uma justificativa para
o poder político, militar e econômico...
P. 115
- O reconhecimento do poder soberano e
político de um Estado deve contemplar:
a) Autossuficiência
econômica
b)
Autossuficiência militar
c)
Autossuficiência cultural
P. 116
- Carl Schmitt – o traço definidor da
política é apontar o inimigo.
- Decreta-se o inimigo por ordem do poder
soberano.
- Não importa se o inimigo reside dentro ou
fora das fronteiras.
- O poder de indicar um inimigo ao alcance e
o poder de atacar parecem ser a epítome da conveniência.
- A segurança coletiva justifica a
identificação de inimigos externos pelo soberano, mas também da ênfase aos
inimigos internos, em sua atuação de reforçar a obediência dos cidadãos até o
ponto de um apoio frenético e entusiástico.
P. 117
-
Hannah Arendt
a) Apontou de modo impecável a ambigüidade
endêmica do lema de um dos documentos constitucionais da era moderna: “A Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão”
b) Será que os cidadãos gozam de direitos por
serem humanos, ou vice-versa?
c) Os direitos humanos podem ser adquiridos e
desfrutados apenas se o homem também é um cidadão?
- Num planeta que mobiliza seu recursos em
prol da divisão territorial, ser “cidadão” só pode significar ser cidadão de um
dos Estados soberanos.
- Carl Schmitt e Giorgio Agamben:
è
Os direitos intervieram no status de seres humanos apátridas unicamente por
seres retirados ou negados.
- A Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão nasce diante da revoltante descoberta de quão longe um soberano poderia
ir em sua liberdade de apontar inimigos e decidir seus destinos.
è
Porém, manteve-se como letra morta durante a maior parte de usa história.
P. 118
- O destino da Declaração dos Direitos
Humanos depende do progresso ou da falta de progresso na resolução dos
problemas mais geral das instituições verdadeiramente globais, capazes de
estender o controle efetivo sobre as conseqüências sociais e políticas da
globalização, até agora desenfreadas e desregulamentadas.
- Avanço da globalização e retração da
política diante da economia, de todas as economias, a legal, a ilegal e a
oculta.
- Nações Unidas (ONU), orientada desde o
início para observar a sacralidade da soberania do Estado e combater sua
violação vinda do exterior, definida a priori como ato de agressão.
- As estruturas que se esperava instalar no
espaço global para sustentar a ordem planetária não eram globais em sua
natureza, porém internacionais.
- As saídas econômicas do pós-guerra logo
tornaram essas estruturas e procedimentos inadequados para enfrentar e lidar,
controlar e dirigir os mercados de produtores, finanças e trabalho, rapidamente
globalizados.
- A realidade política e econômica atuavam e
atuam cada vez mais em sentidos opostos.
P. 119
- ONU
tentativa de fortalecer o Estado.
-
Forças econômicas globais promoveram severas limitações ao Estado e à sua
soberania nacional.
a) Desregulamentação
b) Privatização
c) Liberdade de comércio
d) Transferência de capital
-
Efeito colateral da pressão das forças econômicas: Proliferação espetacular de
Estados verdadeiramente soberanos.
a)
Fragmentação dos atores no drama em curso na política internacional.
b)
Diminuição das chances de que a política pudesse estar à altura das capacidades
das finanças globais.
c) Maior poder para as forças econômicas
globais.
-
Economia livre de controle, que confronta a política, agora despojada de grande
parcela de seu poder.
-
Entidades políticas reduzidas a função de delegacias, monitorando e remendando
a ordem rotineira no plano local.
P. 120
- Direitos humanos internacionais, estão em
atividades, embora com uma enorme margem de casos abomináveis.
- A “universalidade” dos direitos humanos é
protegida mediante a solidariedade dos governos, no sentido de fazer com os
outros o que desejam que façam com eles mesmos.
- Não há nada, contudo, que evite a quebra
dessa solidariedade de forma unilateral.
- Esses direitos não são reconhecidos e
concedidos unilateralmente.
- Para tê-los assegurado os estrangeiros
precisam possuir um passaporte válido atestando sua nacionalidade num Estado
reconhecido.
- Necessitam estar livres dos impedimentos de
entrada por parte das autoridades estabelecidas de controles do tráfego entre
fronteiras.
- Não há qualquer simetria
intergovernamental, internacional em prender estrangeiros sem acusação formal e
mostrar-lhes a porta de saída.
P. 122
- Declaração Universal dos Direitos do
Humanos e do Cidadão, sentido profundo:
a) Decorrentes de uma lei natural
inalienável, que se aplica a todos os homens, incluindo os que foram banidos,
despojados de cidadania ou forçados a fugir de seu país por ameaça a suas
vidas;
b) Aplica-se também aos direitos humanos que
substituem as prerrogativas dos governos oriundas da idéia de soberania: a
prerrogativa de negar aos seus próprios cidadãos a dignidade e o respeito
devido a todos os homens.
P. 123
- Ao condenar o terrorismo internacional e
torná-lo moral e politicamente inaceitável, perdemos de vista o surgimento de
novas formas de autoritarismo.
P. 124
- Max Weber tratou o monopólio estatal da
coerção como um postulado definidor da singularidade do Estado entre outras
instituições sociais.
a)
Todos os outros usos da coerção foram definidos como violência e tratados como
crime passível de punição.
b) A
busca de um monopólio estatal da coerção definiu o direito de o Estado traçar
uma linha de separação obrigatória entre coerção e violência.
c) O
direito do Estado decidir qual uso específico da força era um caso de coerção
exercida a serviço da introdução ou manutenção da lei e da ordem, eu qual, ao
contrário, era um ato que minava a lei e a ordem, fosse intencionalmente ou em
suas conseqüências.
d) Na
era moderna, esse corolário foi uma suposição de que a aplicação legal da força
é uma função a ser introduzida, executada e administrada exclusivamente por
órgãos do Estado, sujeitos a supervisão política.
P. 125
- Esta em curso um processo que destrói não
só o direito que o Estado tem de traçar e policiar a linha que separa coerção e
violência, mas a própria nitidez dessa distinção.
- Há uma crescente controvérsia em torno do
que constitui um direito legítimo, parte integrante do tipo de “lei e ordem”
que deve ser defendido, e o que é uma imposição ilegítima e injustificável.
- Na vida e nas interações cotidianas, as
noções de coerção ou violência, deveres ou imposições injustificadas, são todas
jogadas no mesmo caldeirão. Todas são objetos de contestação.
- A onipresença e a intensidade dessas lutas
por reconhecimento, que buscam a reclassificação de certas formas de conduta,
da categoria de “normal e esperável” para de “violência e condenável”,
contribuem em grande parte para a atual impressão popular de que houve um
aumento acentuado da violência.
P. 126
- A eficácia das decisões do Estado tende a
ser fortemente reduzida em nossos dias, pois a dificuldade de escapar à sua
execução a coloca em xeque.
- Há o problema da diminuição das
possibilidades de defesa das fronteiras territoriais, relacionada à queda da
importância do espaço em termos de segurança.
- O advento do terrorismo não entra em
conflito, necessariamente, com o princípio do “monopólio estatal da violência”,
que nada tem de novo.
P. 127
- Para Max Weber, os terroristas cosmopolitas
seriam apenas mais uma força que, por sua presença, daria mais impulso ao
imperativo perseguido e proclamado pelo Estado.
PARTE II
Conversa 4
Modernidade, pós-modernidade e genocídio
Da dizimação e anexação aos “danos colaterais”
P. 132
- Os assassinatos em massa que repetidamente
atingem proporções genocidas são algo que não desapareceu com a derrota da
Alemanha nazista e com a implosão do comunismo russo.
P. 133
- Os assassinatos em massa, que atingem
proporções genocidas, acompanham de modo permanente a história humana até os
nossos dias.
- O que diferencia a história dos regimes
totalitários modernos num patamar diverso de outras experiências sangrentas da
história:
a) É
o Grande Projeto, a matança pela construção de uma nova ordem, projetada para
durar mil anos ou a eternidade, matar como modo de forçar a realidade social a
corresponder à elegância do Grande Projeto.
- A modernidade nasceu sob o signo de uma
nova confiança:
a)
Poderíamos remodelar a condição humana na forma de algo melhor do que ela tem
sido até agora.
b)
Para tornar o mundo mais hospitaleiro para os homens, seus afazeres precisam
ser empreendidos sob um gerenciamento novo e humano, dotado de uma planta
inicial.
P. 135
- Dois fatídicos redirecionamentos tiveram
lugar, no entanto após o fim dos dois totalitarismos que experimentaram esticar
até o limite o potencial sinistro da abordagem da moderna jardinagem.
1º O descrédito em que caíram os “Grandes
Projetos”, partilhando o terreno das “grandes metanarrativas.
2º Foi o ressentimento produzido em relação à
solidez em si mesma.
- Esses dois redirecionamentos tornam as
condições sob as quais a “limpeza” profunda, radical e sistemática pode ser
realizada voláteis e líquidas demais para que as ações projetadas se cumpram.
- A aniquilação de uma classe hostil ou uma
raça diferente como um todo dificilmente seria sugerida ou postulada como
projeto “realista”.
P. 136
- Projeto nazista e stalinista – projetados a
serviços da expansão do espaço vital, geopolítico.
- Espaço calculado como indispensável à
sustentação do bem-estar e da posição dominante da raça suficientemente dotada,
engenhosa e decidida para empreender esse esforço.
- Projeto de rearranjar a distribuição da
população do planeta.
- Este projeto estava inscrito na perspectiva
da modernidade, sendo amplamente praticada antes mesmo dos nazistas.
P. 137
- Guerras travadas a partir de áreas
“altamente desenvolvidas” já não se destinam a conquistas e anexações
territoriais. Seus objetivos:
a)
Disparo de um choque agudo e de preferência rápido, que quebre a resistência do
inimigo atacado, obrigando-o a se entregar ao “controle remoto” e à “dominação
a distância” por parte de seus conquistadores.
- Guerras globalizantes – recusa de poderes
locais em abrir as portas para o livre comércio e o capital estrangeiro, à
oferecer à exploração estrangeira os recursos humanos e materiais sob seu
comando.
- O motivo em estabelecer o conflito é o
desejo de fazer cair mais uma barreira à liberdade de escala planetária dos
fins lucrativos.
P. 138
- Ao longo da era imperialista/colonialista,
os países do globo que passaram por uma acelerada modernização buscavam e
encontravam soluções globais para seus problemas localmente produzidos; o
excesso de população fabricado talvez tenha sido o mais catastrófico e
socialmente explosivo entre os problemas que clamavam por uma solução.
- O percurso da globalização das formas
modernas de vida, as possibilidades de exportar os excedentes populacionais
acabaram por secar.
P. 139
- Hoje não existem “terras vazias” a serem
utilizadas como locais de despejo para o excedente populacional expulso dos
países há pouco atraídos para a esfera do “desenvolvimento econômico”.
- A medida que as comunidades tradicionais e
aos antigos laços e solidariedades comunitários se romperam e começaram a se
dissipar sob pressões globalizantes, limparam-se os espaços para novas
identidades e novas lealdades comunitárias.
P. 141
- De acordo com as estimativas mais comuns,
os nazistas conseguiram aniquilar seis milhões de judeus ao todo, mas mantendo
o objetivo de assinar 11 milhões.
- A estratégia mais empregada e mais
intensamente desejada em nossa era de modernidade líquida é evitar a
possibilidade de que qualquer “solução” se torne “final”, uma vida de mão
única, irreversível, inelutável, para sempre.
Conversa 5
População, produção e reprodução de refugos humanos
Da contingência e da
indeterminação à inexorabilidade da biotecnologia
(para além de Wall
Street)
P. 143
- Em sua abordagem, a exploração da
sexualidade humana para fins disciplinares permanece central nas sociedades
modernas líquidas, mas o mecanismo de controle e suas manifestações culturais
mudaram, processo que você analisou em “Amor Líquido e Identidade”.
P. 146
- 1798 Thomas Robert Malthus publicou: “Um
ensaio sobre o princípio da população à medida que afeta o melhoramento futuro
da sociedade”. Neste livro afirmava que:
a) O
crescimento da população superaria para sempre o crescimento do abastecimento
alimentar.
b) A
menos que a fecundidade humana fosse controlada, não haveria comida suficiente
para todos.
P. 147
- Espírito moderno dedicou em aniquilar os
argumentos de Malthus.
- Os princípios de Malthus seguiram contra a
corrente de tudo que a promessa moderna defendia:
a) A certeza de que o sofrimento humano é
curável.
b) No decorrer do tempo uma solução será
encontrada e aplicada.
c) Todas as necessidades humanas até então
insatisfeitas serão vencida.
d) A ciência e a tecnologia, mas cedo ou mais
tarde conseguirão elevar a realidade humana ao plano do potencial humano.
e) Seria possível atingir uma felicidade
humana maior com mais poder humano.
f) O poder e a riqueza humana das nações eram
medidos pelos números de seus trabalhadores e soldados.
P. 149
- Na busca pelo “tamanho certo” da população
do país, o foco não estava na “natureza” e em suas leis, mas nos reparos
promovidos pelo homem, com seu impacto sobre a condição humana.
P. 151
- Desde o início, a era moderna foi um
momento de migração em massa.
- Incontadas e talvez incontáveis massas de
pessoas em todo o mundo mudaram-se, deixando países de origem que ofereciam
pouca esperança de vida em busca de longínquas terras estrangeiras que prometem
melhor sorte.
- Em geral, os migrantes se deslocaram das
partes mais desenvolvidas do planeta para áreas subdesenvolvidas.
- Por outro lado o excedente de população –
os homens e mulheres incapazes de encontrar empregos com remuneração adequada
ou de manter seu status social previamente adquirido em seus países de origem –
foi um fenômeno exclusivo, de maneira geral, às regiões de processos de
modernização avançados.
P. 153
- Hoje a produção de uma população redundante
está em pleno andamento.
- Esta indústria moderna permanece imune as
crises econômicas cíclicas e que adquire um novo ímpeto, em vez de cair em
desuso sob o impacto do progresso econômico.
- Um resultado paradoxal da globalização:
- Todos e quaisquer problemas incômodos
produzidos localmente, incluindo o das “vidas desperdiçadas”, são cozinhados
aos poucos, por assim dizer, em seu próprio caldo. Numa dura oposição ao enorme
avanço nos dispositivos e instalações de viagem e de transporte, esses
problemas não podem mais ser exportados e despejados em terras distantes.
- Essas novas circunstâncias e a atmosfera
claustrofóbica que delas emana explicam os fenômenos:
a)
Proliferação de imperialismo vizinhos;
b) O
grande número de guerras civis que acabam degenerando em banditismo associado a
guerra de gangues.
c)
Renascimento de nacionalismos predatórios
d)
Sentimentos tribais
e)
Exaltação de tendências genocidas.
f)
Invenção da subclasse
g)
Tendência a criminalizar problemas outrora definidos como “sociais”
P. 155
- Superpopulação é uma ficção atuarial.
- Um codinome para o aparecimento de um
número de pessoas que, em vez de contribuir para o tranqüilo funcionamento da
economia, tornam mais difícil a obtenção e, mais ainda, o aumento dos
indicadores pelos quais esse bom funcionamento é medido e avaliado.
- Esses números parecem crescer de forma
incontrolável adicionando despesas, de modo contínuo, sem nada acrescentar aos
ganhos.
- Sociedade de produtores, parcela do
trabalho pessoas é dispensável:
a) A produção pode ser feita de fora mais
rápida, rentável e econômica, sem que essas pessoas estejam empregadas.
-
Sociedade de consumidores, há consumidores falhos:
b)
Pessoas carentes de recursos para adicionar à capacidade do mercado de consumo.
c) Criam exigências que o mercado não pode e
não quer responder e sobretudo ganhar lucrativamente com isto.
-
Notemos que os lugares em que se espera que a “bomba populacional” exploda são,
em geral, as terras com menor densidade populacional.
-
África, na medida em que não representam ganham consideráveis para o mercado de
consumo.
P. 156
- Há pouca conexão entre densidade demográfica
e superpopulação.
- A superpopulação é medida pelo número de
pessoas a serem sustentadas pelos recursos do país e pela capacidade do
ambiente para garantir a vida humana.
- Países ricos podem bancar uma elevada
densidade demográfica porque eles são centros de “alta entropia”:
a)
Extraem recursos, fontes de energia do mundo inteiro.
b)
Devolvem resíduos poluidores e tóxicos dos suprimentos mundiais de energia.
- Paul
Ehrlich resumiu a conclusão de seu livro com Ann Ehlich – The Population
Explosion:
è O
impacto da humanidade sobre o sistema de sustentação da vida na Terra não é
determinado apenas pelo número de pessoas vivas no planeta. Ele depende de como
as pessoas se comportam.
P. 157
- O principal problema demográfico está nos
países ricos. Há excesso de pessoas ricas.
P. 158
- O lugar precário da mulher na cadeia de
produção, pode ter sofrido uma transformação ainda mais profunda com a
emergência de novas indústrias ao centro da econômica:
a) Tecnologia reprodutiva
b) Indústria de biotecnologia
à Isto poderia
representar uma ruptura histórica no modo de produção capitalista?
à Estas indústrias
pretendem atingir nas próximas décadas, ou séculos, a substituição da
capacidade reprodutiva da mulher?
à As indústrias de
biotecnologia e genética, pela primeira vez desde seu surgimento, no século XX,
deixaram a margem da sociedade e se posicionaram bem no centro das economias
ocidentais.
P. 160
- Mundo de peças de reposição – produtos
defeituosos são devolvidos á loja.
a)
Toda tensão e esforço são detestados e temíveis.
b)
Onde toda dor e sofrimento são tidos como injustificados, inaceitáveis e
requerem compensação.
c)
Onde toda postergação na satisfação é condenada como imperdoável.
d)
Onde se solicita que qualquer paixão forte seja satisfeita com um escoadouro e
um tranqüilizante.
e)
Onde toda experiência de eternidade é fornecida com uma cláusula de até próximo
aviso.
f)
Onde experiências desconhecidas são de preferência oferecidas por um período de
teste e equipadas com a tecla “deletar.”
g)
Onde todas as aventuras arriscadas estão banidas, a menos que tenham sido
pré-planejadas e cobertas por um seguro
h)
Onde a vida feliz tende a ser identificada como ausência de incomodo,
desconforto, incerteza, de compromissos firmes.
i)
Neste mundo, maternidade, concepção, nascimento, compromisso conjugal, o
cuidado e zelo pelas crianças, autosacrificio apresentam-se como fardo, como
peso e algo à ser destituído.
P. 161
- Cultura – perpétua guerra contra
irregularidades, aleatoriedades, indeterminações, impossibilidades de
definição, ambigüidades, contra a bagunça do mundo pré-cultural, ou natural.
- As batalhas vitoriosas dessa guerra forma
registradas sob os nomes de “racionalização”, “progresso” e “marcha triunfal da
razão”.
- Finalidade da guerra: servir de triunfo da
ordem sobre o caos, da regularidade sobre a aleatoriedade, do controle sobre a
espontaneidade, da previsibilidade sobre o acaso e a frustração.
P. 162
- Não se trata apenas de o sexo ter sido
liberado de seu laço com a procriação, mas do fato de que o desenvolvimento de
novas tecnologias de “engenharia genética” irá permitir, num futuro próximo, a
emancipação da procriação de sua relação com o sexo.
- O sexo é um dos últimos bastiões da
maldições contra as quais a razão luta.
P. 163
- Enquanto a procriação continuar dependente
do sexo,m a guerra da cultura contra a natureza não pode ser levada a seu fim
vitorioso.
P. 164
- O sexo – era um veículo primitivo da
indústria familiar para obter a imortalidade – ganhando-se com ele apenas
“imortalidade por procuração”, por meio de digramas de linhagem e uma sequência
imaginariamente interminável de sucessos.
P. 165
- O sexo foi separado da procriação para ser
reciclado sob a forma de um “sextretenimento”.
- Apenas mais um entretenimento prazeroso
entre muitos a escolher, de acordo com o grau de disponibilidade, a facilidade
de acesso e o saldo de ganhos e perdas.
- Reduzido a puro entretenimento por quanto
tempo se pode manter a atração sexual e o poder de sedução?
- O sexo implica num evento inter-humano, no
qual ambos os parceiros são dotados de subjetividade inalienável. O sexo não
chega aos pés da facilidade e da instantaneidade com que outros prazeres de
todo reificados e mercantilizados podem ser obtidos. Apenas pelo simples fato
de oferecer alguma promissória ou digitar uma senha de cartão de crédito.
- Mesmo quando há segurança contra
conseqüências indesejáveis de longo prazo, o sexo necessita pelo menos de uma
negociação rudimentar.
P. 166
- Protegidos ou não, as relações sexuais
significam oferecer reféns ao destino.
- Por mais intensos, desejáveis e cobiçados
que sejam os prazeres sexuais, eles devem ser avaliados em comparação às
possibilidades bem mais avassaladoras que as da maioria dos outros prazeres.
- O movimento feminista seria feliz se a engenharia genética, ou a biotecnologia
lhes retirasse totalmente a diferença, no que se refere a procriação?
Conversa 6
FUNDAMENTALISMO SECULAR VERSUS FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
A corrida dos dogmas ou a batalha pelo poder no século
XXI.
P. 168
- Maquiavel: Para ele, o inimigo era a
Igreja, não a religião.
- Ernest Cassirer: Para o poeta, certo grau
de religião era desejável.
- A mentalidade moderna não era
necessariamente atéia.
- Bauman: “A guerra contra Deus” – “a frenética
busca por uma prova de que Deus não existe, ou que morreu, foi levada a limites
radicais.
- O que a mentalidade moderna fez, foi tornar
Deus algo irrelevante para os negócios humanos na Terra.
- Em Identidade
Bauman afirma: “A ciência moderna surgiu quando se havia construído uma língua
permitindo que tudo o que se aprendesse sobre o mundo fosse narrado em termos
não teleológicos... sem qualquer referência à vontade divina. Essa estratégia
legou a triunfos espetaculares da ciência e de seu braço tecnológico.
- Para Bauman, a “autoridade do sagrado” e,
de modo mais genérico, “nossas preocupações com a eternidade e com valores
eternos foram suas primeiras e mais preeminentes vítimas.”
- Há um desejo de trazer Deus de volta?
P. 169
- A condição dos Estados contemporâneos:
a) O Estado é mias que uma “máquina de medo”
b) Sem o medo seria difícil imaginar a
existência do Estado.
c) Numa sociedade global de risco e de
produção social do medo o Estado tem seu futuro assegurado.
P. 170
- Bauman: o Estado como uma “indústria de
manejo, de processamento e reciclagem de medo”
- Os Estados tendem a capitalizar o
fornecimento de medo que já foi pré-fabricado e armazenado por outras forças,
em essências apolíticas, sem precisar de uma política institucionalizada para
tomar parte ativa em sua produção.
- Com exceção evidente dos regimes
ditatoriais e totalitários, os Estados modernos capitalizaram sobretudo os
medos que emanam da insegurança existencial, endêmica e, em sujas origens,
apolítica, derivadas dos caprichos e extravagâncias inerentes aos mercados de
capitais e de trabalho.
- Manutenção de um volume constante de
ansiedade e apreensão se transformou num fator importante e indispensável na
autorreprodução de instituições políticas e econômicas.
- O constante estado de incerteza busca
insaciavelmente força em que pode confiar.
- Uma força capaz de realizar o que pessoas
comuns, amaldiçoadas com a gritante insuficiência de recursos à sua disposição,
podem sonhar em fazer.
P. 171
- Todas as variedades da sonhada força
sobre-humanamente dotada carreiam as esperanças de que salvarão os perplexos de
sua perplexidade e os impotentes de sua impotência.
- Esperança de que tais forças anularão as
assustadoras fraquezas humanas, sofridas de modo individual ou em bloco, por
meio da onipotência de uma congregação, uma nação, uma classe ou uma raça
escolhida por Deus e a ele temente.
P. 172
- A
suspeita de La Boétie, que Toscano e Jahanbegloo endossaram quase cinco séculos
mais tarde, era que, além de ser atribuída a um medo de punição gerada pela
coerção, a rendição maciça de parcelas substanciais de liberdade por parte das
populações escravizadas precisa ser explicada pela propensão interior humana
para voltar-se mais em direção a uma ordem, do que no sentido de uma liberdade
que substitui a contingência e a incerteza em relação ao tipo de paz espiritual
e conforto que apenas uma rotina apoiada pelo poder consegue oferecer.
- Fundamentalistas religiosos tomam
emprestada a caixa de ferramenta que se acredita ser de propriedade da
política.
- Fundamentalistas políticos em alguns casos
lançam Mao do discurso religioso da confrontação final entre o bem e o mal.
P. 173
- Politização da religião e sacralização da
política – algo perigoso e muitas vezes muito mais sangrento em suas
conseqüências.
-
Freud:
a) Atribui “a ilusão” aos traços permanentes
e inextirpáveis do instinto humano: grosso modo, dada a “apatia geneticamente
determinada e inata dos seres humanos”, sua impermeabilidade à “argumentação
racional”, além do potencial destrutivo dos ímpetos também endêmicos dos
homens, a sociedade humana é inconcebível sem a coerção.
- Karl
Marx:
a) Associou a origem temporária inescapável
da “ilusão” à história, e não à genética, e também às condições humanas
historicamente desenvolvidas, e não à evolução biológica.
b) A religião era “ópio” que pretendia manter
as massas em estupor para abafar a dissensão e impedi-las de se rebelar.
c) Elas deveria durara tanto quanto, mas não
mais que, o tipo de condição humana capaz de dar à luz ao dissenso e incitar a
rebelião.
P. 174
- Leszek Kolakowski – “A religião é uma
manifestação/declaração da insuficiência humana.
- A coesão humana cria problemas que não
consegue compreender, ou não pode atacar, ou ambos.
- Os homens precisam de Deus:
a) Por seus milagres, não para seguir as leis
da lógica.
b) Por sua inescrutabilidade e
imprevisibilidade, não por sua transparência e rotina.
c) Por sua capacidade de virar o curso dos
acontecimentos de cabeça para baixo
d) Por sua capacidade de colocar entre
parênteses a ordem das coisas, em vez de, subserviente, submeter-se a ela, como
os seres humanos são pressionados a fazer e em sua maioria fazer a maior parte
do tempo.
- O homem precisa de um Deus onisciente e
onipresente para dar conta de todas aquelas forças aterradoras, em aparência
entorpecidas, surdas e cegas que a compreensão humana e seu poder de ação não
podem alcançar.
P. 175
- O futuro dessa ilusão esta entrelaçado com
o futuro da incerteza humana.
a) Incerteza coletiva relativa a segurança e
aos poderes da espécie humana com um todo.
b) A humanidade continuará a se voltar para a
“ilusão”.
b1) Sua solidão no universo, a ausência de um
tribunal de apelações e de poderes executivos são por demais assustadores para
a maioria dos homens suportar.
b2) Suponho que Deus morrerá com a
humanidade.
- Igrejas têm desempenhado um papel relevante
na rejeição dos fundamentos morais do neoliberalismo.
- O cristianismo em diferentes graus tem sido
critico do neoliberalismo e da supremacia do individualismo.
- Paradoxo:
è Todas a religiões
hegemônicas parecem se sentir ameaçadas pelo efeito homogeneizador da
globalização, porem elas também parecem se sentir sob a ameaça do efeito
desintegrador das narrativas relativistas pós-modernas.
P. 176
- A “chamada secularização” da era moderna
não foi muito mais que a designação de um vocabulário... para narrar a condição
humana sem usar a palavra de Deus”.
- A palavra poderia faltar, mas a narrativa
tem sido sobre a insuficiência humana.
- Erro
comum, supor que o fundamentalismo é uma neurose reservada à religião, e que as
instituições mundanas estão de alguma forma imunes a essa condição.
-
Parece ser um legado distintivo da última década: uma corrida dogmática entre o
secularismo e a religião.
- A
concorrência entre dogmas está inserida na história humana por todas as
civilizações, mas a relatividade entre secularismo e religião tornou-se
sinistra nos dois últimos anos, exibindo mais ferocidade e furor do que antes.
P. 177
- A exploração política e contemporânea do
conhecimento científico e tecnológico pode desempenhar um papel nesse processo,
obrigando-nos a fazer perguntas como quem tem domínio da ciência.
- O “equilíbrio” está perdido quando se
afirma que a patologia do obscurantismo está presente só na religião.
- Reserva-se apenas para a religião o
“diagnóstico” dessa patologia, e depois prescreve-se para ela um tratamento
único: “liquidez moral”.
- A humanidade, nos “tempos líquidos”, parece
ter sido deixada à mercê do mercado.
P. 178
- Quando se admite que o fundamentalismo só
ocorre nas comunidade religiosas, a doutrina moral delas é julgada, de modo
imprudente, ilegítima, patológica e desnecessária.
- O
declínio dos valores morais é resultado de uma batalha enfraquecedora e
devastadora entre aquelas instituições (Igreja e Estado) que você têm apontado
como gêmeas?
- Bauman
a) E A
arte da vida, salientei que, em nossa sociedade de consumidores, com sua
suposição tácita de que o cuidado de si, a busca dos próprios interesses e a
felicidade são os principais deveres e obrigações de todos os seres humanos,
precisam se justificar em termos dos benefícios que a obediência a elas possa
trazer para o bem-estar e o autodesenvolvimento do obediente.
b) Os
filósofos morais têm se esforçado, e seguem tentando, para construir uma ponte
ligando as duas margens do rio da vida: o interesse individual e o bem do
outro.
P. 180
- Dúvida profunda e verdadeiramente radical:
è
O bem pode ser uma questão de argumentação, persuasão, “debate”,
“convencimento”, decisão sobre “o que é lógico”?
è
A bondade com os outros é resultado de uma decisão racional e pode ser
provocada por um apelo à razão?
è
A bondade pode ser ensinada?
- A moralidade popular se dilacera entre
mensagens diversas e muitas vezes incompatíveis, fluindo de fontes cuja
autoridade não é muito mais estável, nem muito menos volátil que as
efemeridades propagandísticas que nos assolam cotidianamente.
- O que a experiência cotidiana reafirma,
teimosa, dia sim, dia não, é a surpreendente não obrigatoriedade de quaisquer
princípios morais.
P. 181
- Para
um ser moral, a chocante contradição entre o generalizado senso moral de certo
e errado, e o contínuo espetáculo de corrupção moral, cria uma atmosfera de
aguda “dissonância cognitiva – assim como a contradição entre reivindicações
universalistas de uma exigência ética e desagregação e volatilidade das
autoridades morais.
P. 182
- Duas principais formas de se cortar o nó e
de ser implementadas:
a) O
fundamentalismo e a adiaforização.
b) O
fundamentalismo religioso visa afastar um código de ética da concorrência com
outros sistemas ideacionais; a declarar inválidas as fontes de autoridade
invocadas por sistemas alternativos em matéria de moralidade; e a deslocar
proscrições e prescrições éticas para o domínio dos conhecimentos revelados,
transmitidos por forças além do alcance humana e, em particular, além da
capacidade humana de resistência ou reforma. A tornar o código moral imune a
interferência humana.
P. 183
- Na religião esses efeitos tendem a ser buscados
e obtidos pelo deslocamento das fontes e sanções de autoridade para além da
esfera da experiência humana.
- O fundamentalismo apela para a fé, a
inquestionável, firme e inabalável fé, a fé dogmática.
- Na prática social, o fundamentalismo
baseia-se na densidade dos laços e na freqüência das interações no interior das
comunidades.
- A reduzida comunicação com o mundo exterior
às fronteiras comunais: trata-se de trancar as portas e bloquear as janelas.
- O fundamentalismo requer isolamento em
relação ao mercado de idéias; na prática, a separação do mercado de interações
humanas.
Conversa 7
A ESCRITA DO DNA
Uma nova gramatologia para uma nova econômica.
Dos homines
mortales aos “pós-humanos”
FVM no advento da genetocracia.
P. 185
- À falta de gestão em determinadas áreas de
investigação cientifica, seu potencial de extrapolação para os poderes
políticos e do mercado, e a “biopirataria” e dos propósitos dogmáticos.
- Tudo
isso sugere que os seres humanos, no alvorecer deste século, parecem manter-se
“presos” entre instituições seculares que muitas vezes roubam (e geram)
conhecimento científico com um projeto político e econômico, e instituições
eclesiásticas que parecem se manter aferradas a antigos privilégios
inquisitoriais.
- Podemos, em suma, escapar da batalha pela
dominação dogmática?
P. 186
- A crise financeira global seria uma
oportunidade para repensar nossa relação com a ciência e com a religião, e,
afinal, para pensar a relação entre elas [...] será uma oportunidade para os
líderes das antigas comunidades repensarem seus papéis e suas responsabilidades
com a humanidade?
- Como o bem comum pode ser alcançado numa
era em que moral, religião, política e ciência deram lugar à fé no mercado?
P. 187
- A genômica e a engenharia genética podem ser
vistas como o maior sonho do homo
consumens, como o rompimento da última fronteira no percurso do consumidor
moderno, o derradeiro estágio de uma longa e tortuosa luta que chega ao final
vitoriosa, para expandir a liberdade dos consumidores, a luta para sua
coroação.
- Engenheirizar os assuntos humanos não é
invenção dos genomistas. O desejo dos de intervir sobre os eus humanos (na
verdade, de criar um “novo homem”) tem acompanhado o estilo moderno de vida
desde o princípio.
- Na
crença do homem moderno, como sugeriu Karl Popper, em 1945, a engenharia social
é aquela que, “de acordo com os nossos objetivos, pode influenciar a histórias
do homem assim como mudamos a face da Terra”.
- Com o benefício da retrospectiva, podemos
resumir a longa série de experimentos modernos de engenharia social da seguinte
maneira: as únicas amostras consistentes e efetivas também foram as mais
desumanas, cruéis, atrozes e escandalosas, com os nazistas e os comunistas
ocupando as primeiras posições, seguidos de perto pelos mais recentes (atuais!)
exercícios de limpeza étnica.
P.188
- A
fama do “fim da história”, de Francis Fukuyama, sugeriu que as tentativas
feitas no século passado para criar uma “nova e melhorada” raça humana não
foram malsucedidas por serem doentiamente geradas e destinadas a hesitar, mas
porque os meios adequados para efetivá-las ainda não estavam disponíveis:
educação, propaganda, lavagem cerebral eram técnicas de uma indústria familiar
– ou seja, não estavam à altura da grandiosidade da tarefa. Fukuyama se
apressou em consolar seus leitores, dizendo que agora, afinal, os meios
adequados se tornam disponíveis – e podemos trazer de volta à agenda a criação
de uma nova raça humana, desta vez com garantia de sucesso.
- Em sintonia com os tempos modernos líquidos,
Fukuyama seguia os passos de Peter
Drucker, ao não esperar que a salvação viesse da sociedade. Para o pensador
americano, as expectativas de “salvação” são investidas (para citar Pinker mais
uma vez) “num número de novas empresas lançadas” e em seus clientes, os
“consumidores médicos”.
P. 189
- Por uma interessante coincidência, porém, o
embelezamento do corpo também se tornou uma dessas preocupações humanas em que
o surgimento do remédio em geral precede a consciência do defeito a ser
remediado.
P.
190/191
- A cirurgia plástica, muitas vezes
confundida com sua prima “estética”, é uma especialidade dedicada à correção
cirúrgica de defeitos de forma ou de função, a cirurgia estética é projetada
para melhorias estritamente cosméticas: a aparência do corpo, não o corpo em
si, e sem dúvida não a sua saúde ou a boa forma.
P. 193
- Como tantos outros aspectos da vida humana,
em nosso tipo de sociedade, a criação de um “novo homem” (ou mulher) foi
desregulamentada, individualizada e subsidiada para os indivíduos considerados,
de maneira contraditória, os únicos legisladores, executores e juízes
permitidos no seu plano individual de “política da vida”.
- É no interior da política de vida,
individualmente executada, que a reconstrução do eu – por meio da destruição e
reposição das “constantes” ostensivas de natureza individual, uma após a outra
– já se tornou o passatempo favorito, impulsionado inoportuna e indiscretamente
pelos mercados consumidores, e mais elogiados e recomendados por seus
onipresentes órgãos de propaganda.
- A
principal mensagem dos mercados consumidores, [...] é a indignidade de todo e
qualquer desconforto e inconveniente.
- A
multifacetada arte da vida poderia [...] ser reduzida apenas a uma técnica: a
das compras sábias e diligentes. Todas as mercadorias e serviços à disposição
dão ênfase, em última instância, à manutenção da prática da arte da vida
livre de todas as coisas e atos e
incômodos, embaraçosos, demorados, inconvenientes, desconfortáveis, dominados
pelo risco e incerteza do sucesso.
P. 194
- Se o esforço vitalício de construção e
reconstrução de identidade é hoje uma tarefa e uma promessa de aborrecimento,
porque não substituir esse esforço tão complicado e exigente em relação às
habilidades pelo simples clique instantâneo, pouco exigente e indolor, da
compra de um gene?
- Apesar de “naturais”, mas suprimidos,
induzidos ou artisticamente interpretados, os desejos são para os mercados
consumidores, o que as terras virgens representam para os agricultores: um ímã, uma promessa de
expansão rápida e profusa de riquezas novas e comparativamente mais fáceis de
se obter.
- A promessa das operadoras de cartões de
crédito, “subtrair o esperar do querer”.
P. 195
- Fazer-se à medida de seus sonhos, fazer-se
segundo sua própria ordem: é isso, afinal, o que você sempre quis; só faltavam
os meios de tornar seus sonhos realidade.
- A
modernidade, [...] se refere a como ajustar o “é” do mundo ao “deveria” feito
pelo homem. Agora, como em sua fase inicial, a modernidade investiu esperanças
de fazê-lo na espécie humana: nós, a espécie humana, poremos em formação nossa
sabedoria coletiva para atingir coletivamente o domínio sobre o destino.
- Na fase atual da sociedade individualizada
de consumidores, é o mercado consumidor, com poderes de sedução, que representa
a “espécie humana”, escorregando para o lugar deixado vago pelo Estado ou pela
“Grande Sociedade”.
P. 197
- As
instituições científicas e os cientistas, outrora associados a heróis que
desafiaram o monopólio da verdade que a Igreja católica tão possessivamente
guardava no limiar da modernidade, parecem estar envolvidos na construção de
mais um monopólio epistemológico.
P. 198
- A grandiloqüência da “teoria de tudo” (como
a grandiloqüência da genética e das construções biotecnológicas) poderia ser
extrapolada e explorada para completar o corpo disfuncional de nossas
sociedades com a “mão invisível do mercado”, um cérebro invisível do (cada vez
mais ausente) Estado (com os olhos mui convenientemente invisíveis do Big
Brother), tudo a fim de justificar qualquer coisa, das políticas sociais até o
marketing (por que eles não podem todos nos deixar em paz?).
- É
possível separar as instituições científicas das estruturas de poder externas à
comunidade científica?
- Podemos
abordar a ciência ignorando suas ligações com o mundo corporativo?
- Será
que eles desenvolveram uma relação simbiótica?
- Teria
chegado a hora de escrever sobre a “ciência líquida”?
P. 200
- Respeitar a conclusão de Durkheim, uma
centena de anos atrás: a sociedade é “maior que a soma de suas partes” (em
outras palavras, os atributos e processos surgem no plano mais elevado de um
“todo social” que não pode ser encontrado em, e não deve ser imputado a, seus
ingredientes, e vice-versa); ou análise atenta de Simmel a respeito das
profundas diferenças até entre a “díade” e a “tríade” (duplas e trios), casa
qual clamando por perguntas diferenciadas e exigindo conjuntos conceituais
diversos para respondê-las.
P. 201
- O importante para a condição humana não é
tanto o conteúdo substantivo das descobertas e construções científicas, mas
seus usos pelos não cientistas (quando ou se os cientistas partilhares as
atividades dos “outros”, eles suspendem a vigência de seus papéis estritamente
direcionados pela ciência) – em nosso tempo e lugar, sobretudo por políticos e
empresários.
- A questão das conseqüências humanas das
descobertas científicas é um problema sociológico, não uma questão de física ou
de qualquer outra das proclamadas “ciências duras”.
- Até agora, a ciência tem merecido o lugar
(ou foi colocada no lugar) de “numinoso” sugerido por Rudolf Otto (“numinoso” é
um mistério, mysterium, do latim,
isto é, ao mesmo tempo aterrados, tremendum,
e fascinante, fascinans).
-
Diante da ciência, experimentamos algo semelhante ao que nossos ancestrais
sentiam ante uma natureza ainda não mediada (e obviamente indomada) por
artifícios feitos pelo homem: o “medo cósmico” e a esmagadora e excessiva
reverência de Bakhtin, uma mistura cujas proporções variam ao longo de um eixo
que separa e liga um pólo de terror absoluto e um pólo de admiração devota e
hipócrita, e, muitas vezes, de fanática adoração.
P. 202
- Na marcha da ciência sempre para adiante,
há sempre outra esquina a ser virada, outro enigma a ser quebrado, outra
possibilidade aterrorizante a ser analisada e esclarecida. A ciência, aquela
longa e talvez interminável marcha rumo
ao recuado horizonte da certeza, é uma indústria poderosa e eficiente de
incertezas – e a incerteza é a mãe mais fértil dos medos.
- Karl
Popper resolveu esse problema. Apontou o fato de que o incrível potencial
criativo da ciência reside em seu poder de refutação, não no poder de suas
provas. Estas estão condenadas a permanecer para sempre “relatórios de
desenvolvimento”, aceitáveis apenas até nova ordem, com a condição de que não
se tenha oferecido qualquer evidência em contrário (até o momento, apenas até o
momento).
- A
grandeza da ciência consiste no convite permanente à crítica e à refutação. A
história da ciência também é uma longa trilha de descobertas e invenções
incompreensíveis, um cemitério de erros, equívocos e faltas pistas.
P. 203
- Verdades
científicas, como acredito, têm o status de hipóteses sempre abertas, jamais
totalmente livres do risco de anulação. Os cientistas dignos deste nome
concordariam que não há nem pode haver algo como uma prova definitiva imune a
todos os outros ensaios; que, no desenvolvimento do conhecimento científico,
não existem pontos sem retorno (se houvesse, o conhecimento em questão seria
tudo, menos científico).
P. 204
- Você afirma que “amar significa estar
determinado a partilhar e mesclar duas biografias”; e segue acrescentando que
“amor é parente de transcendência. É quase um outro nome para o impulso
criativo, e, como tal, repleto de riscos; e, como todos os processos criativos,
nunca se sabe como ele terminará.” Qual será o papel desse poder criativo nos
tempos sombrios de recessão do século XXI e de colapso moral e político de
nossa era?
- Alterações seminais que pareceram estar
acontecendo com a geração mais jovem, em sua percepção do fenômeno do amor: o
significado, o papel, a finalidade e a pragmática.
P. 205
- A julgar pelas tendências contemporâneas
entre os jovens, as perspectivas em relação ao amor como estamos habituados a
pensá-lo não perecem em especial brilhantes.
O treinamento inicial e fundamental na arte de amar e ser amado é recebido por todos nós na infância. Todas as práticas posteriores são transposições, produtos de uma reciclagem criativa e uma remodelação dos sedimentos daquela experiência infantil.
O treinamento inicial e fundamental na arte de amar e ser amado é recebido por todos nós na infância. Todas as práticas posteriores são transposições, produtos de uma reciclagem criativa e uma remodelação dos sedimentos daquela experiência infantil.
- No filme O diabo, provavelmente (Le Diable, probablement)
P. 206
- Sociedade de consumidores – indivíduos por
decreto e viciados em curto prazo.
P. 207
- Em nossos tempos modernos líquidos, o
terror da masturbação foi substituído pelo pânico do abuso sexual. A ameaça
oculta, a causa do novo pavor, não se esconde nas crianças, mas na sexualidade
do pais.
- É tentador acrescentar, contudo, que isso
reflete também uma crescente tendência insinuada pela mídia de se explicarem os
atuais problemas psicológicos dos adultos com uma suposta experiência infantil
de assédio sexual, e não se recorrendo aos tradicionais problemas da
sexualidade infantil, ou complexos de Édipo e de Electra.
P.208
- A vítima principal do terror da masturbação
era a autonomia dos jovens. Desde a tenra infância, os postulantes e adultos
eram “normativamente regulados”, vigiados e observados pelo poder, a fim de
protegê-los contra seus próprios instintos e impulsos mórbidos e desastrosos.
[...] As vítimas primárias do pânico do abuso sexual estão fadadas a ser as
ligações intergeracionais de intimidade.
- O novo pânico adiciona um brilho
legitimador ao processo já avançado de comercialização da relação entre pais e
filhos, ao torná-la mediada pelo mercado consumidor. Os mercados de consumo
propõem reprimir ou eliminar qualquer escrúpulo moral rudimentar que possa
permanecer no coração dos pais após o declínio da posição de vigilante na casa
da família.
P. 209
- A intimidade debilitada de pais e filhos.
- A substituição de uma intimidade outrora
abrangente, 24 horas por dia e sete dias por semana , pelos tipos de contato
hoje em voga, superficiais e orientados por objetivos instrumentais; e também
por interações cada vez menos intensas, pelas percebidas peculiares das atitudes
contemporâneas em relação ao sexo e dos padrões prevalecentes de comportamento
sexual de nosso tempo.
P. 212
- O sexo mediado pela internet é simplesmente
essa “coisa em si”, que se acreditava fascinar e cativar nossos antepassados,
de forma a inspirá-los a rabiscar volumes de poesia e a confundir felicidade
conjugal com paraíso.
a) O
sexo pela internet resulta em parcerias humanas despidas de muito de seu
fascínio.
b)
Na redução do número de sonhos bons.
c)
Não facilita os laços humanos, nem reduz as tragédias dos sonhos não
realizados.
d)
Ligações estabelecidas com a ajuda da Internet tendem a ser mais fracas e mais
superficiais do que as laboriosamente construídas na vida real, “off line”.
- Há uma elevação do número de pessoas que vivem
sozinhas, que sofrem de solidão e têm o doloroso sentimento de abandono.
P. 213
- As referências dos principais conceitos
conhecidos para enquadrar e mapear o Lebeswelt
– mundo vivido e experienciado, pessoalmente experimentado) dos jovens
estão sendo gradual e firmemente transplantadas do mundo off-line para o
on-line.
a)
Conceitos como contatos, encontros, reunião, comunicar-se, comunidade ou
amizade – referem-se as relações interpessoais e laços sociais – são os mais
preeminentes deles.
- A percepção das atuais obrigações e
compromissos sociais como instantâneos momentâneos de um processo contínuo de
renegociação, e não como estados estacionários fadados a durar indefinidamente.
P. 214
- Mesmo a idéia de “instantâneo momentâneo”
não é uma metáfora adequada, uma vez que “momentâneo” pode ainda implicar mais
durabilidade que os laços e compromissos mediados eletronicamente.
- A infinita capacidade de apagar e
substituir é o único atributo indelével dos laços eletronicamente meidados.
P. 215
- O mundo virtual e que os jovens caçadores
de comunidades mergulham muitas horas, permanecendo on-line, está se tornando
cada vez mais um mosaico de diásporas cruzadas, mesmo que, de maneira diferente
das do mundo off-line, as diásporas digitais não estejam territorialmente
vinculadas.
- Toda e qualquer entidade digitalmente
traçada, sua sobrevivência está sujeita à intensidade do jogo
conexão-desconexão.
- No mundo virtual habitado pelos jovens, as
fronteiras são desenhadas e redesenhadas para separar as pessoas com
“interesses similares” do resto – daqueles que tendem a concentrar sua atenção
em outros objetos.
P. 216
- “Pertencer” a uma comunidade virtual
reduz-se a interações intermitentes e muitas vezes superficiais, girando em
torno de questões (hoje) de interesse comum.
- É paradoxal que a ampliação do leque de
oportunidades para se encontrarem depressa “cabeças semelhantes”, prontas para
usar todo e qualquer interesse restrinja e empobreça, em vez de aumentar e
enriquecer, as “competências sociais” daqueles que buscam as “as comunidades
virtuais de cabeça”.
- No mundo on-line, as complicadas traduções,
negociações e compromissos podem, no entanto, ser evitados, pela graça
salvadora da tecla “delete”,
P. 217
- O
amor é produto de um esforço longo e laborioso, arriscado e sempre sob risco de
um retrocesso, que não exige nada menos que uma preparação para um incômodo
compromisso e um duro autossacrificio.
P. 218
- O único “último sonho e testamento” que
posso deixar: as chances de reunir a intenção e seus resultados são suscetíveis
de aumentar um pouco uma vez que os jovens prestem mais atenção ao estado do
mundo e a si mesmos nesse mundo.
- O amor partilha experiências, alegrias,
frustrações, fascínios, fobias, concentra a atenção e afasta a indiferença.
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário