quinta-feira, 6 de dezembro de 2018


VIDA A CRÉDITO

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BAUMAN, Zygmunt. VIDA A CRÉDITO: Conversas com Citlali Rovirosa-Madrazo. Tradução Alexandre Werneck. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 2010.

Ficha de Leitura
Subsídio para estudo
 Prof. Sandro Luiz Bazzanella


Sumário

Introdução

Parte I
Conversa 1. A Crise do Crédito
Conversa 2. O Estado de bem-estar na era da globalização econômica.
Conversa 3. Uma coisa chamada “Estado”

Parte II
Conversa 4. Modernidade, pós-modernidade e genocídio
Conversa 5. População, produção e reprodução de refugos humanos.
Conversa 6. Fundamentalismo secular versus fundamentalismo religioso.
Conversa 7. A escrita do DNA
Conversa 8. Utopia, amor, ou a geração perdida.



Introdução

P. 7
- Fatores desafiantes e decisivos de nossos tempos.
a) Ameaças ambientais sem precedentes.
b) Desastres naturais atribuídos a mudanças climáticas.
c) Níveis inéditos de pobreza mundial.
d) Aumento do excedente populacional.
e) Desenvolvimento científico e tecnológico extraordinário.
f) Declínio dos sistemas morais e políticos que amparavam as instituições modernas.
g) Crise(s) econômica(s) global(is).

P. 08
- Os colapsos financeiros têm lugar em meio a contextos históricos, em conformações discursivas, de caráter econômico, político e moral.

- As duas maiores recessões ocorrem no espaço de dois séculos em meio  a crise do projeto moderno e como desdobramentos históricos tais como:
a) Experiências totalitárias: Nazismo; Fascismo e Neoliberalismo
b) Experiências de extermínio: Holocausto; Queda do muro de Berlim;Campos de refugiados.
c) Declínio do Estado etnocrático na América Latina;
d) Ascensão de ações terroristas de grupos e de Estados -  Invasão do Afeganistão; do Iraque...

- A crise pode representar uma oportunidade para a produção de conhecimento inovador.
  a) Para o traçado de novas fronteiras epistemológicas, com implicações para futuras linhas de pesquisa e frentes de debate.
  b) Novas perguntas
  c) Revisão de nossos quadros teóricos
  d) Exploração de nossas cavernas históricas e mentais com ferramentas analíticas e epistemológicas mais apropriadas, procurando apreender com nossa ingenuidade histórica.

P. 09
- Crise econômica de 2008 – avaliar suas encruzilhadas históricas atuais:
   a) Que instituições sobreviverão
   b) Quais podem se tornar redundantes ou mesmo ser extintas.

- Após a crise o G-20 ratifica seu compromisso com o dogma da economia de livre mercado.
- Atuam para transformar o Estado numa gigantesca companhia de seguros que emita apólices para os bancos e Wall Street.

- Bauman – no capitalismo, a cooperação entre Estado e mercado é uma regra.

P. 11
- A frieza das estatísticas e dos números como a melhor maneira de medir e quantificar (?) a miséria humana e os “refugos humanos”.

- A crise econômica, com os posteriores planos de governos por todo o mundo para coletivizar a dívida privada do setor financeiro, também revelou intrincadas construções lingüísticas e complexos desenvolvimentos discursivos.

- A linguagem dos direitos mudou:
  a) Os cidadãos passaram a ser clientes
  b) Pacientes temporários ou permanentes tornaram-se clientes
  c) A pobreza foi criminalizada.
  d) A recessão passou a ser vista como uma questão de segurança nacional.
- Os desdobramentos financeiros e a crise da ortodoxia econômica no fim do século XX ocorreram como parte de processos históricos:
a) Ascensão e queda do Estado de bem-estar social keynesiano no pós-guerra.
b) Ascensão e queda do Estado-nação.
c) Ascensão e queda da Democracia.
d) Os mercados consumidores ocuparam o lugar deixado pelo Estado.

P. 12
- A nova tarefa das agências de Estado é “policiar os pobres”, mantendo “algo como um gueto sem paredes, um campo de prisioneiros sem arame farpado, embora densamente contido por torres de vigia.

P. 13
- Bauman – “A presente crise de crédito não sinaliza o fim do capitalismo, somente o sucessivo esgotamento de uma fonte de pastagem”.

- Se a democracia moderna nasceu das necessidades e ambições de uma sociedade de produtores, e se as idéias de “autodeterminação” e “autogoverno” foram construídas na medida das práticas de produção, a grande questão, diz o pensador, é saber se tais ideais podem sobreviver à passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores.

P. 14
- A sociedade diz Bauman, “só pode ser elevada ao plano da comunidade se efetivamente proteger seus membros contra os horrores da miséria e da indignidade, isto é, contra o terror de ser excluído [e] de ser condenado à redundância social e declarado refugo humano.

- O inovador conceito de liquidez proposto por Zygmunt Bauman é uma metáfora para descrever as notáveis transformações sociais e políticas que ocorreram entre o meio e o fim do século XX, representadas pela desintegração, ou “liquefação”, das instituições da modernidade.

P. 15
- Modernidade Líquida é:
a) pós-utópica
b) pós-fordista
c) pós-nacional
d) pós-pan-óptica.

- Neoliberalismo papel decisivo nas últimas etapas de transição do capitalismo líquido – entre suas principais características a passagem de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores, com uma transmutação para uma raça de devedores.

- Estado como executor da soberania de mercado – A radical privatização dos destinos humanos segue aceleradamente a radical desregulamentação da indústria e das finanças.

- Para Bauman nossas:
  a) Comunidades
  b) Identidades
  c) Instituições todas socialmente construídas, tem se tornado cada vez mais precárias e fugazes.
  d) Espaço para identidades líquidas, num mundo no qual o declínio do Estado e a diluição das fronteiras nacionais são irreversíveis.
  e) A identidade incluindo a de gênero tem um caráter provisório e fugaz.

- Bauman é um crítico da teoria da Diferença, afirmando que existem apenas “diferenças”.
- Rejeita a teoria de Charles Taylos e suas teorizações sobre o multiculturalismo.

P. 16
- “Cidades Líquidas, cujos cidadãos foram transformados em exércitos de consumidores, deixando de ser “cosmópoles” para ganhar a aparência de fortalezas, como cidades do medo.
   a) Obcecados pela segurança
   b) Normalizamos o estado de emergência
   c) As fronteiras entre o Estado e a sociedade civil perderam a nitidez.
- Bauman – os governos de hoje não dão ênfase à capacidade de produzir consenso, mas à habilidade envolvida na restauração dos motivos para se ter medo.
- Bauman – deve muito a Lyotard e a Derrida – com eles percebe a necessidade de abandonar a ilusão de todas grandes narrativas, incluindo aquela da universalidade ilusória.

P. 17
- Bauman é crítico daqueles que “saúdam” a pós-modernidade como um marco definido, para além da modernidade, e alerta para os riscos de se fazer também da pós-modernidade uma grande narrativa.

- A utopia tem sido negligenciada, quando não abandonada, por intelectuais e estudiosos de esquerda.
  a) Esta em descrédito.
  b) Razão para isso é sua aferrada ligação à modernidade.
  c) Apenas os pioneiros da modernidade precisavam de imagens utópicas para conduzi-los.
  d) Teleologia seria um conceito sobretudo moderno.

- Bauman
  a) Distanciamento da modernidade não significa necessariamente desistir da utopia, no sentido de esperança.
  b) Vinculado ao pensamento de Levinas e sua noção de ser-para-o-outro, sugere que a alteridade poderia desempenhar um papel na utopia, no sentido de esperança.
  c) Não subscreve totalmente os anseios de Levinas.
  d) O outro pode ser uma promessa, mas é também uma ameaça.

P. 18
- Ilan Semo – “Se a identidade em Bauman é uma substância temporária, o outro não passa de uma invenção, uma construção antropológica, inevitavelmente ancorada em algum tipo de etnocentrismo.

- Em comum com o estruturalismo francês: Eles conseguem fazer com que as intrincadas camadas da história e a saga da filosofia ocidental se assemelhem a cebolas.
  a) Desafia o comunismo e o capitalismo
  b) Se rebela contra a Igreja e o Estado – gêmeos siameses

P. 19
- Desafia a ciência – confia nela, mas parece suspeitar de que a ciência tem um caso de amor com o mercado.
- Popper – o incrível potencial criativo da ciência reside em seu poder de refutação, e não no poder de suas provas.
- Recebeu influências de Georg Simmel no que se refere aos paradoxos da ciência e da tecnologia.
- Com a crise de 2008 – estamos devendo o último bastião de nossa humanidade as poderosas indústrias emergentes:
  a) Engenharia genética e de novos produtos de biotecnologia, com a codificação do DNA.
  b) O patenteamento do genoma e seu mercado de pós-humanos, trans-humanos e neo-humanos.

P. 20
- Nos movemos num paradoxo em torno da engenharia genética: por um lado a regulamentação das pesquisas com dinheiro público e por outro lado a desregulamentação no que se refere ao desenvolvimento de pesquisa no setor privado.

- Igreja e Estado – gêmeos históricos. As duas instituições têm algo em comum: o poder de explorar e a capacidade de agir como gerentes do medo.
  è A administração do medo é uma carta bem-jogada tanto pelo Estado quanto pela religião.


P. 25

Conversa 1
A crise do crédito – resultado do fracasso dos bancos, ou fruto de seu extraordinário sucesso?
O capitalismo não esta morto.

- O comunismo significa para mim o projeto de um atalho forçado para o reino da liberdade, que se tornou um atalho para o cemitério das liberdades e para a escravidão.
- A idéia de tomar atalhos, a prática da imposição e da coação está em flagrante oposição a liberdade.
  a) São ações autoimpelidoras e autointensificadoras: uma vez iniciadas implicam na continuidade do esforço vigilante.
  b) Se desencadeada em nome da liberdade acaba por destruir o próprio objetivo declarado.

P. 26
- Bauman:
  a) Socialismo: significa uma sensibilidade ampliada para a desigualdade, a injustiça, a opressão e a discriminação, a humilhação e negação da dignidade humana.
  b) Capitalismo: como o sistema de números naturais do famoso teorema de Kurt Gödel, não pode ser simultaneamente coerente e completo. Se é coerente com seus princípios, surgem problemas que não é capaz de enfrentar. Se ele tenta resolver esses problemas, não pode fazê-lo sem cair na incoerência em relação a seus próprios pressupostos fundamentais.

P. 27
- Rosa Luxemburgo: “Acumulação capitalista”
  a) Sustenta que o capitalismo não pode sobreviver sem as econômicas “não capitalistas”
  b) Para avançar necessita de terras virgens, abertas a expansão e a exploração.
  c) Ao conquistá-las exaure suas forças e sua própria fonte de alimentação.
- O Capitalismo é um sistema parasitário – hoje sabemos que:
  a) A força do capitalismo está na extraordinária engenhosidade com que busca e descobre novas espécies hospedeiras sempre que as espécies anteriormente exploradas se tornam escassas ou se extinguem.
  b) Oportunismo e rigidez com que se adapta às indiossincracsias de seus novos pastos.

P. 28
- Na sociedade de consumidores:
  a) Os lucros são oriundos da exploração dos desejos de consumo.
  b) A filosofia empresarial dominante insiste em que a finalidade do negócio é evitar que as necessidades sejam satisfeitas.
  c) É necessário criar novas necessidades que clamem por satisfação e novos clientes em potencial.
  d) Há uma filosofia de afirmar que a função da oferta é criar demanda.

P. 31
- A atual “contração do crédito” não é resultado do insucesso dos bancos. Ao contrário, é o fruto, plenamente previsível, embora não previsto, de seu extraordinário sucesso. Sucesso ao transformar uma enorme maioria de homens, mulheres, velhos e jovens numa raça de devedores.

P. 33
- Fase creditícia da história da acumulação capitalista.
- O Estado voltou a exibir e flexionar sua musculatura como não fazia a muito tempo.
  a) Para financiar o mercado
  b) O mercado não tolera Estados musculosos, mas ao mesmo tempo não pode sobreviver sem eles.

- A natureza do sofrimento humano é determinada pelo modo de vida dos homens.
- As raízes da dor da qual nos lamentamos hoje, assim como as raízes de todos os males sociais, estão profundamente entranhadas no modo como nos ensinam a viver.
- Os hábitos atuais nos impulsionam a correr para os empréstimos.

P. 34
- Por mais impotentes que sejam as medidas dos governos para debelar a crise, o que esta em jogo é recapitalizar os bancos e seu sistema de crédito, principal responsável pela crise.

- Ainda não começamos a pensar seriamente sobre a sustentabilidade dessa nossa sociedade alimentada pelo consumo e pelo crédito.

P. 36
- Bauman: uma espécie de “Estado de bem-estar” para os ricos não é nenhuma novidade.
- A novidade esta no clamor dramático para que se efetive esta posição.

- Habermas (crepúsculo do capitalismo produtivo)
  a) Obra: A crise de legitimação do capitalismo tardio:
      - O Estado é capitalista à medida que sua função primária é a remercadorização do capital e do trabalho.
      - A substância do capitalismo é o encontro entre o capital e o trabalho.
      - Objetivo deste encontro é uma transação comercial: o capital adquire o trabalho.
      - A função do Estado capitalista é garantir que o acordo se cumpra.
      - Duas tarefas a fazer:
      1. Subvencionar o capital na compra do trabalho caso não o tenha condições de fazer.
      2. Garantir que valha a pena comprar o trabalho. O Estado deve garantir as condições ideais para a constituição de uma mão-de-obra atraente.

P. 37
- A transição da sociedade “sólida” de produtores para uma sociedade “líquida” de consumidores.
  a) A fonte primária de acumulação capitalista se transferia da indústria para o mercado de consumo.
  b) Para dinamizar o capitalismo o Estado deve financiar o capital, permitir que ele venda mercadorias e que os consumidores possam comprá-las.
  c) Na fase líquida da modernidade o Estado é capitalista quando garante a disponibilidade contínua de crédito e a habilitação contínua dos consumidores para obtê-lo.

P. 38
- Ditadura de Estado e mercado, caminham juntas.

P. 39
- A cooperação entre Estado e mercado no capitalismo é regra.
- O conflito entre é exceção
- Em geral as políticas do Estado capitalista, “ditatorial” ou “democrático” são construídas e conduzidas no interesse e não contra o interesse dos mercados.
- Seu efeito principal é avalizar/permitir/garantir a segurança e a longevidade do domínio de mercado.

- Se os recursos do Estado de bem-estar escassearam é porque as fontes de lucro do capitalismo se deslocaram ou foram deslocadas da exploração da Mao-de-obra operária para a exploração dos consumidores.

P. 42
- O desaparecimento/colapso do capitalismo é concebível como uma implosão, e não como uma explosão, e muito menos como uma destruição provocada por um golpe externo.
- O capitalismo vai se matar pela fome, uma vez que o manancial de pastagens disponíveis/possíveis/imagináveis está esgotado.

P. 43
- Longe de ser um sistema que se autoequilibra, ou que é movido por uma mão invisível do mercado, a economia capitalista produz uma enorme instabilidade que ela é incapaz de dominar e controlar, utilizando apenas sua própria “predisposição natural”.

- A capacidade de autoconservação imputada à economia capitalista por alguns economistas de sua corte se resume à destruição periódica de “bolhas” de sucesso. E isso com um custo imenso para a vida e para as perspectivas daqueles que, supostamente, deveriam ser atendidos pelos benefícios da endêmica criatividade capitalista.


- Tarefa de Roosevel era o desafio keynesiano de ressuscitar, conceder incentivo governamental, lubrificar e revigorar a indústria, o principal empregador e, assim, indiretamente, o criador de demanda que manteria a economia de mercado ativa e reiniciaria a produção de excedente necessária à autorreprodução capitalista.

P. 44
- O desafio da atualidade
  1. Os mercados financeiros não são empregadores em massa, mas o elo indispensável e talvez decisivo da “cadeia alimentar” de todos os empregadores, reais ou potenciais.
  2. Hyman Minsky: os mercados financeiros tem a maior parcela de responsabilidade pela incurável tendência para produzir e reproduzir sua própria instabilidade e vulnerabilidade.
  3. Circulo vicioso dos emprestadores ao constatar que o Estado é sua salvaguarda, a única coisa susceptível de “ressureição” é a vontade de especular e correr riscos em nome do retorno financeiro imediato.

P. 45
- O objeto das operações de crédito não é só o dinheiro pedido e emprestado, mas o revigoramento da psicologia e do estilo de vida de “curto prazo”
- Os consumidores não podem mais ser contidos no interior das fronteiras de um único Estado-nação ou mesmo de confederações de vários Estados. Essa totalidade agora é global.
- O “espaço de fluxos” global, como Manuel Castells memoravelmente o chamou, continua, teimoso, fora do alcance das instituições  confinadas ao “espaço local”, incluindo os governos dos Estados.
-Todas as fronteiras políticas são porosas demais para garantir que as medidas aplicadas no interior do território de um Estado se mantenham imunes aos fluxos de capital determinados a reverter a finalidade pretendida para o exercício desse Estado.

P. 46
- Em nome da salvação dos interesses coletivos do capitalismo, os capitalistas devem ser obrigados, pelos poderes constituídos, todos eles juntos e ao mesmo tempo, a se comprometer com seus próprios interesses.

Conversa 2
O Estado de bem-estar na era da globalização econômica.
Os últimos vestígios do pan-óptico de Bentham. Ajudar ou policiar os pobres.

P. 51
- O Estado social foi criado para promover os interesses vitais da sociedade de produtores/soldados, e para assegurar seu bom funcionamento.
- Tanto a esquerda e a direita aceitavam que o Estado deveria pagar pela manutenção do exército e reserva.
- Estado social no sentido empregado por Habermas:
  a) Em relação a remercantilização do capital e do trabalho
  b) Tornar o capital apto e disposto a comprar o trabalho.
  c) Como atividade crucial do Estado, sem o qual o capitalismo não poderia sobreviver a longo prazo.

- Hoje o gasto com os pobres não é um investimento racional.
  a) Eles são uma dependência perpétua.
  b) Não são um recurso em potencial.

P. 52
- O problema do pobre, outrora considerado questão social, tem sido em grande medida redefinido como uma questão de lei e ordem.
- O propósito primário da preocupação do Estado com a pobreza, não está mais em manter os pobres em boa forma, mas em policiar os pobres, mantendo-os afastados das ações maléficas e dos problemas, controlados, vigiados, disciplinados.
- São em tudo os últimos vestígios do pan-óptico de Jeremy Bentham.
- Para a maior parte de nós, na sociedade de consumidores, os cuidados com a sobrevivência e o bem-estar tem sido “subsidiados” pelo Estado para atender os interesses, recursos e competências individuais.

P. 53
- O que hoje se chama de Estado de bem-estar social é apenas uma geringonça para combater o resíduo de indivíduos sem capacidade de garantir sua própria sobrevivência por falta de recursos adequados.

- Como o discurso do bem-estar foi rebaixado de uma cultura dos direitos dos cidadãos para uma cultura da caridade, da humilhação e do estigma.

P. 54
- Adorno – ao tentar tornar nossos modelos teóricos consistentes, harmoniosos, puros e logicamente elegantes, quando teorizamos, sem querer imputamos à realidade mais racionalidade do que ela possui e nem sequer poderia adquirir.

P. 55
- A desordem de nossas descrições – por vezes resulta de um pensar desordenado e desleixado, mas, com   

- A idéia de Estado-social, desde o começo, comporta uma contradição ao busca a liberdade e a segurança, dois valores igualmente indispensáveis para uma vida satisfatória, mas que tem um notória relação de amor e ódio.

- Modernidade – ausência de Deus
- O vazio produzido pelo tédio na mesa de controle do mundo teve de ser preenchido pela sociedade humana.
  a) Substituir o cego destino pela regulação normativa
  b) A insegurança existencial pelo Estado de Direito
  c) Uma sociedade que protegeria todos os seus membros contra riscos de vida e infortúnios sofridos pelo  indivíduo.
  d) Estas condições forma encontradas no Estado de bem-estar social.

P. 56
- A “privatização” transfere a tarefa de lutar contra os problemas socialmente produzidos para os ombros dos indivíduos.
- O Estado social tendia a unir seus integrantes, numa tentativa de proteger todos e cada um da devastadora e competitiva “guerra de todos contra todos” e da “disputa entre os homens”.
- Um Estado é social quando promove o princípio do seguro coletivo comunitariamente endossado contra o infortúnio individual e suas conseqüências.

P. 58
- A verificação diária da habilidade de lidar com os desafios da vida é, afinal, a estação de trabalho por excelência em que a autoconfiança dos indivíduos, e também a sua autoestima, se fundem – ou derretem.
- Escapar da inércia ou da impotência individual é algo que esta diretamente vinculado à um Estado social.
- Os direitos políticos são necessários para estabelecer os direitos sociais e, estes são indispensáveis para por os primeiros em operação.
- Estado social é a última personificação moderna da idéia de comunidade.
  a) Reencarnação instituccionl da idéia de “totalidade imaginada”, tecida pela consciência e aceitação da dependência recíproca por, compromisso, lealdade, solidariedade e confiança.
  b) Direitos sociais são a manifestação tangível dessa totalidade que manifesta na cotidianidade dos seres humanos.
  c) Pertencimento se traduz como confiança nos benefícios da solidariedade humana e das instituições que dela brotam, prometendo servi-la e garantir sua confiabilidade.

P. 59
- A confiança e a desenvoltura de uma sociedade são medidas pela confiança e desenvoltura de seu ponto mais fraco, e que aumentam com seu crescimento.
- Justiça social, eficiência econômica, fidelidade à tradição do Estado social, a capacidade de se modernizar rapidamente sem nenhum dano para a coesão e a solidariedade social – essas coisas não precisam estar em desacordo conflituoso.

- Sociedade ou comunidade reais ou meramente imaginadas tornam-se cada vez mais ausentes.
- A faixa de autonomia individual esta em expansão, mas sobrecarregada que outrora eram funções do Estado.
- Os Estados já não sancionam mais a apólice coletiva de seguros, deixando a tarefa de obter bem-estar e um futuro em segurança para as buscas individuais.
- Os indivíduos estão cada vez mais abandonados.
- Espera-se que eles divisem soluções individuais para problemas socialmente produzidos, e que o façam de modo específico, usando suas próprias habilidades e recursos particulares.

P. 61
- A vida nas sociedades regulamentadas e desregulamentadas, difere em muitos aspectos. Mas o volume de felicidade e o grau de imunidade à infelicidade não esta entre eles. Cada um dos dois tipos de sociedade apresenta seus próprios tipos de sofrimento, agonia e medos.

- A desregulamentação está se transformando rapidamente em palavrão, enquanto as palavras sujas de ontem – como gastos públicos, empresa estatal, regulação obrigatória e mesmo estatização – logo são limpadas da sujeira que a elas se aderiu nas três décadas de “emancipação”.

Conversa 3
Uma coisa chamada “Estado”
Democracia, soberania e direitos humanos

P. 66
- A busca da felicidade se baseia na suposição de autorrepetição sem fim: a esse respeito pelo menos, nosso conceito de “viver em nome da felicidade de uma felicidade cada vez maior” talvez seja o arquétipo do projeto de substituto clonado, imortal, e de tecnologia de ponto.

P. 67
- Tendo absorvido tudo o que estava disponível para ser devorado, e sem nada no passado, no presente e no futuro a salvo de sua voracidade onívora, o infinito se iguala à impossibilidade de um outro lugar.

P. 68
- William Morris – “os homens como tal”, assumindo e sugerindo que lutar por uma “coisa que não é” é a maneira como são os seres humanos, todos os homens: na verdade, trata-se da característica definidora do “ser humano”.

- Ernest Bloch – é a falta de algo, mas também uma fuga dessa falta; portanto, é dirigir-se para o que esta perdido. Se concordarmos com Morris, podemos considerar as utopias expressões elaboradas e sistematizadas desse aspecto crucial da natureza humana.

- Utopias foram as diversas tentativas de expor em detalhes e descrever por completo a “coisa” em nome da qual a próxima luta será empreendida.

P. 69
- A inquietação de formuladores e caçadores de utopias compulsivas e viciados foi impulsionada e sustentada pelo desejo irascível de quietude. As pessoas vão para a guerra em busca do sonho de abandonar as armas – para sempre.

- As utopias se apresentam sempre em sua radicalidade
  Substantivo latino radix = raiz, fundamento e origem.

P. 70
- Russell Jacoby distingue duas tradições do pensamento utópico moderno:
  a) A projetista: mapeiam o futuro em polegadas e minutos
        b) A iconoclasta: sonham com uma sociedade superior, mas recusam a dar-lhe medidas precisas.

P. 71
- Bauman – O significado que sugiro é indicado pela própria idéia de “iconoclasta”, e se refere à intensão de desconstruir, desmistificar e, finalmente, desmascarar os valores dominantes e as estratégias de vida de uma época.
- Utopias iconoclastas são aquelas que demonstram que o exercício desses valores e estratégias, em vez de assegurar o advento de uma sociedade superior ou de uma vida superior, constitui um obstáculo insuperável no caminho de ambas.
  a) Revisão críticas das formas e dos meios de vida presente como fator principal da descoberta da possibilidade de outra “realidade social”, que de outra maneira seria suprimida e ocultada, e que até então era desconhecida.
  b) As utopias iconoclastas fazem com que a alternativa ao presente permaneça um esboço.
  c) Sua aposta principal é a possibilidade de uma realidade social alternativa e, não seu projeto preciso.
  d) A estrada para uma sociedade superior não passa pela prancheta dos projetistas, pelos contramestres do futuro.
  e) Passa por uma reflexão crítica sobre as práticas e crenças humanas existentes, desmascarando aquele “algo que está ausente” e, assim, inspirando a força motriz para sua criação e recuperação.

P. 72
- Cada espécie de utopia esta prenhe de suas próprias distopias.
- Quando elas se movem na Lebenswelt (no mundo da vida), os embriões se transformam em demônios interiores.

P. 74
- Nada ou quase nada restou para distinguir a “esquerda” da “direita” em termos de política econômica ou de qualquer outra. Não obstante, por consentimento comum entre esquerda e direita, as políticas que não são de direita nem esquerda são tudo, menos boas.

P. 75
- Linha de pensamento da “Terceira Via: “Ser de esquerda significa ser capaz de fazer de modo mais profundo o trabalho que a “direita” demanda, mas fracassa em realizar corretamente.

- Por mais de um século a marca distintiva entre esquerda e direita:
  à Dever sacrossanto da comunidade cuidar e prestar assistência a todos os seus membros, coletivamente, contra as forças poderosas contra as quais eles são incapazes de lutar sozinhos.

- Os Estados políticos que outrora reivindicaram plena soberania militar, econômica e cultural sobre seu território e sua população não são mais soberanos em qualquer um dos aspectos da vida em comum.

- A condição sine qua non de controle político efetivo sobre as forças econômicas é que as instituições políticas e econômicas devem operar no mesmo nível – o que, contudo, não é o caso hoje.

P. 76
- A política manteve-se tão local quanto antes, por conta disso já não é capaz de alcançá-los, e muito menos de coagi-los.
- Um dos efeitos da globalização é o divórcio entre o poder (no sentido do termo alemão Macht, a capacidade de ser ter as coisas feitas) e a política.
- Agora há o poder emancipado da política no espaço global, e a política desprovida do poder no espaço local.

- Um Estado social, a garantir segurança existencial para todos, já não pode ser construído ou sobreviver no âmbito do Estado-nação – as forças que teriam de ser domadas para obter esse efeito não estão sob o comando do Estado nacional.

- Cada vez mais os sociais-democratas têm revelado uma incapacidade imprevista de cumprir suas promessas. Daí o esforço desesperado para encontrar outra marca registrada e outra forma de legitimação.

- A na política uma total ausência de identidade e legitimidade. Nessa sua forma derradeira, os descendentes distantes da esquerda do passado só podem contar com as falhas de seus adversários como única chance eleitoral.

P. 77
- Qual a relevância do paradigma democrático “no clima atual”?
- Em que medida a esperança de uma boa sociedade pode ser investida na forma democrática de convivência humana e de autogoverno?
- Churchill disse que a democracia é o pior sistema político, exceto todos os outros.
- O quão satisfatória é essa “menos má dentre as formas de dominação política”?
- Até que ponto podemos contar com ela para resolver os problemas decorrentes de nossa união?

P. 78
- Henry Giroux: “A democracia não se refere simplesmente às pessoas que querem melhorar suas vidas. Ela diz respeito, de forma mais relevante, à vontade delas de lutar para proteger seus direitos à autodeterminação e ao autogoverno, no sentido do interesse do bem comum.

- Sheldon Wolin: “a democracia diz respeito a participar do autogoverno, sua primeira exigência é uma cultura de apoio, com crenças, valores e práticas complexos, a fim de nutrir e treinar a igualdade, a cooperação e a liberdade.”

P. 79
- A democracia moderna nasceu das necessidades e ambições de uma sociedade de produtores.
- As idéias de autodeterminação e autogoverno foram feitas à medida das habilidades dos produtores e das práticas de produção.
- A questão, é saber se tais idéias podem sobreviver à passagem de uma sociedade de produtores para outra, de consumidores.
- De uma sociedade visa como um produto coletivo do trabalho compartilhado para uma sociedade percebida como um contêiner de mercadorias a se ganhar – para apropriação, prazer e imediato dispor.
- As instituições democráticas estão endemicamente inclinadas a promover os valores coletivos contra os valores individualistas, a cooperação contra a competição, a “ordem da igualdade” contra a “ordem do egoísmo”?
- Ou as estruturas democráticas de governança se assemelham a máquinas de venda automática, que só liberam o que foi colocado dentro delas?
- Governos democraticamente eleitos muito tem feito, nas últimas décadas, para transformar o cidadão num consumidor de serviços oferecidos pelo Estado, e o cidadão ideal, em cliente satisfeito e não queixoso.
- Desempenharam de maneira bastante impressionante a tarefa de agentes do mercado de commodities e vendedores de sua visão de mundo, seus valores e suas práticas.

P. 80
- O “etnonacionalismo”, explica Muller, “tira muito de sua força emotiva da idéia de que os membros de uma nação são parte de família ampliada”
- O termo “comunidade” remete a uma “família ampliada” em nosso mapa do mundo – e o Estado social foi uma prolongada e tortuosa tentativa de elevar a união dos cidadãos de um país à categoria de “comunidade nacional”.
- Os governos precisam corresponder às expectativas dos eleitores em busca de comunidade, e, ao mesmo tempo, respeitar as demandas das forças globais intrinsecamente hostis a toda e qualquer limitação de tipo comunitário, a toda e qualquer ambição de autossuficiência.

P. 82
- O Estado seja em sua forma atual, casado com a nação e territorialmente confinado, seja em qualquer outra forma ainda não testada, desconhecida ou hoje ainda inconcebível, é indispensável. Não pelo bem da democracia, mas para tornar viável, senão real, a igualdade entre os seres humanos.

P. 83
- Precisamos ampliar a questão da desigualdade para além da área enganosamente estreita em que ela está confinada, centrada estritamente no PIB ou na “renda per capita”, na atração mútua e fatal entre pobreza e vulnerabilidade social, corrupção e acumulação de perigos, humilhação e negação da dignidade.

- O que esta por trás da presente “globalização da desigualdade”:
  a) O processo identificado por Max weber nas origens do capitalismo moderno e intitulado por ele de “separação entre os negócios e o lar”.
  b) Trata-se da emancipação dos interesses comerciais de todas as instituições socioculturais de supervisão e controle eticamente inspirados.
  c) Imunização das atividades empresariais contra quaisquer outros valores que não sejam a maximização do lucro.

P. 84
- Testemunhamos a separação empresarial – o Estado nação sendo colocado na posição do lar e baluarte do provincianismo, de ser objeto de olhares reprovadores, depreciado como relíquia irracional que impede a modernização e se mostra hostil à economia.

- Divórcio entre poder e política:
  a) O Estado moderno nascente conseguiu desenvolver instituições de política e governo, feitas à medida da postulada fusão de poder, e a política no interior da união territorial entre nação e Estado.
  b) O poder evaporou, se globalizou, flui para mercados asperamente apolíticos e, foi parcialmente subsidiado como apoio á “política de vida” dos novos indivíduos “dotados de direitos”.
  c) Confundir a atual política “internacional” como uma (inexistente) política global é apenas um expediente para legitimar e “naturalizar” a anarquia nos negócios.

P. 85
- Temos poder livre da política e política desprovida de poder.
- O Estados-nação territoriais são delegacias locais de polícia da “lei e ordem”, bem como latas de lixo locais e unidades de remoção de lixo e reciclagem para riscos e problemas globalmente produzidos.
- O capital industrial emigra.
- O fator primordial de estratificação na atual hierarquia de dominação é a facilidade de movimento.
- O direito de decidir sobre a garantia da mobilidade é causa primordial na luta pelo poder.
- A atual onde de migração – expôs as limitações da perspectiva e da determinação nacionalistas para “assimilar” os que chegam: afirmar e preservar a prioridade do domicilio ético sobre a origem étnica.

P. 86
- Bauman – não encontrei argumentos válidos para refutar, a suposição de que não há soluções locais para o mais grave dos problemas contemporâneos – que é por natureza um problema global, ou seja, globalmente produzido e passível apenas de soluções globais.

P. 88
- Mundo moderno impulso obsessivo/compulsivo de “modernização” desde o princípio desenvolveu duas indústrias de massa de “refugo humano”
  a) 1ª Construção da ordem
  b) 2ª Progresso econômico – resulta em grande quantidade de sobras humanas, seres para os quais não há lugar na “economia”, nenhum papel útil a desempenhar, nenhuma oportunidade de ganhar a vida, pelo menos nas formas definidas como legais, recomendáveis ou pelo menos toleráveis.

- Estas duas industrias volta com toda força atualmente:
  a) A primeira produzindo estrangeiros – os sem documentos, imigrantes ilegais, falsos requerentes de asilo político, indesejáveis.
  b) A segunda provocando o surgimento de “consumidores defeituosos”

P. 89
- O Estado hoje é incapaz de, e/ou relutante em, prometer “segurança existencial” a seus cidadãos.
- Ganhar essa segurança existencial – conseguir manter um lugar legítimo e digno na sociedade humana e evitar a ameaça de exclusão – é uma tarefa deixada às habilidades e aos recursos de cada indivíduo, por sua conta.

- Tanto os políticos quanto os mercados consumidores estão ansiosos para capitalizar os medos difusos e nebulosos que saturam a sociedade.

P. 90
- Na era da globalização: salta aos olhos a forma como o ressentimento se dirige para os imigrantes e se torna politicamente rentável.
- Os imigrantes representam:
  a) Tudo o que gera ansiedade
  b) Desperta horror na nova variedade de incerteza e insegurança produzida pelas “forças globais”
  c) Tornam palpáveis e visíveis os horrores dos meios de vida destruídos, do exílio forçado, da degradação social, da exclusão e do banimento definitivo para um “não lugar” fora do universo das leis e do direito.
  d) Encarnam todos aqueles medos existenciais semiconscientes ou inconscientes que atormentam homens e mulheres numa sociedade líquido moderna.

P. 91
- Os riscos a que as democracias hoje se expõem só se devem parcialmente aos governos dos Estados, que lutam desesperadamente pela legitimação de seu direito de ter domínio e exigir disciplina.
- O Estado flexiona seus músculos e mostra sua determinação em se manter firme diante das ameaças infinitas, genuínas ou supostas, aos corpos humanos, em lugar de proteger a utilidade social de seus cidadãos.
- A segunda grande razão pela qual nossa democracia esta em risco é o que podemos chamar de “fadiga da liberdade”. Ela se manifesta:
   a) Na placidez com que a maioria de nós aceita o processo de limitação gradual de nossas liberdades duramente conquistadas, nossos direitos de privacidade, de defesa diante da Justiça, de sermos considerados inocentes até prova em contrário.

P. 92
- Num mundo inseguro, a segurança é o nome do jogo.
- A segurança é o objetivo principal da competição e sua premiação suprema.
- É um valor que, na prática, senão na teoria, diminui todos os outros valores.

P. 93
 - Num mundo inseguro como o nosso, traços como liberdades individuais de uso da palavra e de ação, direito à privacidade, acesso à verdade – questões associadas à democracia, precisam ser reduzidos ou suspensos.
- Num planeta globalizado, onde a situação de todos em toda parte determina a situação de todos os outros, ao mesmo tempo em que é também determinada por ela, não se pode mais assegurar liberdade e democracia “separadamente” – de forma isolada, num país, ou só em alguns Estados seletos.
- O destino da liberdade e da democracia em cada país é decidido e resolvido em escala global.
- Modernidade – elevou a integração humana até o nível das nações. Antes de concluir seu trabalho, no entanto, a modernidade deve desempenhar uma tarefa ainda mais formidável: levar a integração humana até o plano da humanidade, incluindo toda a população do planeta.

P. 94
- Com a globalização do capital e do comércio de mercadorias, nenhum governo, individual ou isoladamente, é capaz de equilibrar as contas. Sem essas contas equilibradas, torna-se inconcebível a continuidade das práticas do “Estado social” que cortam as raízes da pobreza e impedem que a tendência para a desigualdade saia de controle.

- Também é difícil imaginar governos capazes de, isolada ou individualmente, impor limites sobre o consumo e aumentar a tributação local para os níveis exigidos pela continuidade, muito menos de promover uma nova expansão dos serviços sociais.

- Não existe maneira alguma decente de um indivíduo ou um grupo de Estados territoriais “deixar” a interdependência global da humanidade. O “Estado social” não é mais viável; apenas um “planeta social” pode assumir as funções que ele tentou executar, há não muito tempo, com variáveis graus de sucesso.

P. 95
- Vida para consumo – “o Estado é um executor da soberania de mercado”.

P. 96
- A noção de soberania de Schmitt, enunciada em sua Teologia política, reciclada, dez anos mais tarde, em O conceito do político, foi criada e concebida para responder a uma das questões mais notoriamente persistentes dentre as nascidas em Jerusalém, de um Deus único, criador onipresente e onipotente de estrelas...

P. 97
- A justificativa para a existência de um Deus único.
- O profeta hebraico Jesus declarou que o Deus onipotente era também o Deus do Amor.
- O apóstolo Paulo levou essa nova a Atenas lugar do questionamento e da resposta de âmbito lógico.

- No mundo dos gregos e dos povos politeístas:
a) Havia um deus para cada experiência humana e para todas as ocasiões da vida.
b) Não havia também uma resposta para cada dúvida passada ou futura.
c) Não havia uma explicação pra toda e qualquer consistência observada nas ações divinas e uma receita para improvisar uma explicação original, mas antes de tudo sensata no caso de novas incompatibilidades.

P. 98
- Os deuses dos povos politeístas:
a) Os deuses poderiam sustentar sua autoridade divina e mantê-la indiscutível apenas por ação em conjunto, em grupo, de modo que o motivo para um deus ou uma deusa falhar no cumprimento de suas promessas divinas pudesse sempre ser encontrado – numa maldição igualmente divina lançada por outro dentre os inúmeros moradores do panteão.

- O um e apenas um Deus reivindicou um reinado indivisível e não compartilhado, abrangente e incontestável, depreciando assim todas as outras deidades.
- Ao reivindicar e ambicionar um poder absoluto, o Deus da religião monoteísta assume a responsabilidade absoluta sobre as bênçãos e golpes do destino, sobre a má sorte dos miseráveis, assim como pela “longa sucessão de dias ensolarados daqueles mimados pela fortuna.

P. 99
- Soberania:
a) O domínio de uma norma que também sujeito o criador dessa norma é por definição irreconciliável com a verdadeira soberania, com o poder absoluto de decidir.
b) Para ser absoluto, o poder deve incluir o direito de negligenciar, suspender ou revogar a norma, ou seja, cometer atos que, do lado do receptor, soam como milagres.
c) Schmitt e sua noção de soberania:
    - gravaria a visão preestabelecida de ordem divina no solo da ordem legislativa.
    - “A exceção, na jurisprudência, é análoga ao milagre na teologia... A ordem jurídica repousa sobre uma decisão, e não sobre uma norma”, presumindo-se que essas decisões não são obrigadas a se submeter a normas.
    - O poder de isenção funda simultaneamente o pode absoluto de Deus e o modo que os seres humanos consideram contínuo, incurável e oriundo da insegurança.
   - Schmitt – a soberania humana não esta mais algemada pelas normas.
                    - graças a esse poder de isenção, os homens são, como nos tempos anteriores à lei divina,
                     vulneráveis e inconstantes.

P. 100
- A mensagem do livro de Jó:
a) Não há regra ou norma com se possa contar.
b) Nenhuma regra ou norma a qual o poder supremo esteja vinculada.
- Livro de Jó antecipa o veredicto de Carl Schmitt
  è O soberano é aquele que tem o pode de isenção.
  è O poder de impor regras brota do poder de suspendê-las ou anulá-las.

P. 101
- A idéia de soberania deve ser levada em conta em qualquer tentativa de se compreender as obras de Deus, ou de se resignar à usa inexorável imcompreensibilidade.
- Sem o Livro de Jó, o Êxodo deixaria de lançar as da onipotência de Deus e da obediência de Israel.

P. 103
- O Estado moderno e sua pretensão a onipotência descobriu a aleatoriedade e imprevisibilidades de seus trovões seriam as mais eficazes de suas armas.
- A exceção necessita fundar a ordem como condição de sua existência.

P. 104
- Como tornar compatível a benevolência cum onipotência de Deus com a profusão de mal num mundo que ele mesmo projetou e que mantém em movimento?
- A evidente prodigalidade de males no mundo não poderia ser conciliada com a combinação de benevolência imputada ao grande fabricante e supremo gerente do universo.
- Max Weber
  a) Desencantamento da natureza – despojamento da natureza de seu disfarce divino.
       -  Ato de nascimento do “espírito moderno”
       - Arrogância fundada na   nova atitude de “podemos fazer, devemos
          Fazer, vamos fazer.”
       - Atitude de ousadia, autoconfiança e determinação.

P. 105
- A natureza foi despojada de subjetividade, bem como da subjetividade divina, para pavimentar o caminho da deificação de sues sujeitos, os homens.
- Os seres humanos assumiram o controle.
- Despojada de seu disfarce de divindade, ressurgiu amedrontadora, aterrorizante.
- Mas os que as preces não tinham conseguido realizar, a techne, apoiada na ciência, sem dúvida conseguiria, pois está voltada para lidar com uma natureza cega e muda.

P. 106
- Cedo ou tarde, todas as ameaças, as naturais e a morais, se tornariam previsíveis e seriam prevenidas, obedientes que são ao poder da razão.
- Necessidade de colocar em curso os poderes da razão.

- O imperativo categórico de Kant:
- Por meio do uso da razão, nosso dom inalienável, podemos elevar o julgamento moral e o tipo de comportamento que é sua conseqüência à categoria de lei natural universal.
- A experiência atual demonstra que a razão se desenvolveu em sentido oposto.
- Em vez de promover o comportamento guiado pela razão à categoria de direito natural, degradou suas conseqüências até o plano de uma natureza irracional e moralmente indiferente.
- As catástrofes naturais não passaram a se assemelhar a delitos morais “administráveis por princípio”.
- Catástrofes provocadas pela ação humana hoje descendem de um mundo opaco, atacam de forma aleatória em locais impossíveis de prever, são desafiadoras e inalcançáveis para os tipos de explicação que situação as ações humanas como algo à parte de todos os outros eventos: as explicações por motivo ou finalidade.
- As calamidades causadas por ações humanas imorais surgem cada vez mais como casos incontroláveis por princípio.

P. 107
- A visão moderna propunha um “poderoso Estado racional, um Estado de substância real”, “situado acima da sociedade e imune a interesses sectários”.
- Um Estado capaz de reivindicar a posição dominante na condição estabelecida ou de ser o determinante da ordem social, posição outrora ocupada por Deus, mas então desocupada.

- As idéias que deram sustentação ao nascimento da era moderna esperavam a prometiam extirpar e eliminar as erráticas voltas e voltas do imprevisível destino, com a opacidade e imprevisibilidade resultantes da condição e da perspectiva humanas que haviam marcado o domínio do Deus de Jerusalém.

P. 108
- Mundo moderno, arranjo precário e fundamentado na (nada) santa aliança trinitária entre Estado, nação e território.
- O mundo em que Schmitt nasceu não era o universo politeísta dos atenienses e dos romanos, mas um mundo de cuius régio eius religio (com o governante estabelecendo a religião), de deuses em conflituosa coabitação, cruelmente competitivos, intolerantes e autoproclamados “únicos e verdadeiros”.

P. 109
- Schmitt: Soberano é quem decide sobre a exceção.
                 Ou, mais importante, quem decide arbitrariamente, sendo quem os “elementos decisórios e personalistas” estão em primeiro plano no conceito de soberania do autor.
- Insistência de que o traço distintivo que define o aspecto “político” nas ações e motivações humanos, estas podem ser reduzidas a uma oposição entre “amigo e inimigo”.
- A substância e a marca de todo e qualquer detentor de soberania e/ou toda e qualquer agência de soberania consistem em “associação e desassociação”.

P. 110
- Na visão que Schmitt tem de soberania, a associação é inconcebível sem desassociação, a ordem, sem expulsão e extinção, a criação sem destruição.
- A estratégia de destruição pela causa da construção da ordem é característica definidora de (toda e qualquer, como insiste Schmitt) soberania.

- Uma vez que a política consiste no ato de apontar o inimigo e lutar contra ele, e na natureza decisória da soberania, deve ficar claro que alguém se torna “o outro” e “o estranho”, em última instância, “um inimigo”, no final, e não no ponto de partida da ação política soberana. Uma “objetividade” da inimizade (a condição de “ser um inimigo” é determinada por atributos e ações próprios desse inimigo) iria na contramão de uma soberania que se resume ao direito de fazer exceções.

- As “inclinações totalitárias” endêmicas, como sugere Hannah Arendt, de todas as formas modernas de poder de Estado.
- A vulnerabilidade e a incerteza do homem são o alicerce de todo poder político.
- Os poderes reivindicam autoridade e obediência prometendo a seus súditos uma proteção eficaz contra essas duas maldições da condição humana.

P. 111
- Na maioria das sociedades modernas, a vulnerabilidade e a insegurança da existência, e a necessidade de perseguir os objetivos da vida em condições de incerteza aguda e irredimível, foram asseguradas desde o início pela exposição das atividades da vida aos caprichos das forças do mercado.

- Além de proteger as liberdades desse mercado e, por vezes, ajudar a ressuscitar o encolhido vigor das forças de mercado, o poder político não tinha necessidade de se envolver diretamente na produção de insegurança.

- O Advento da fase líquida da modernidade, com suas formas de governo prestadoras de serviço e suas estratégias de dominação. Instituições do Estado de bem-estar foram progressivamente reduzidas e eliminadas, enquanto as restrições antes impostas as atividades empresariais e sobre o livre jogo da concorrência no mercado, com suas terríveis conseqüências, foram suspensas uma a uma.

P. 112
- A incapacidade para participar do jogo do mercado é cada vez mais criminalizada.
- O Estado não ampara mais seus cidadãos diante da vulnerabilidade e da incerteza provenientes da lógica do livre mercado.
- Os indivíduos devem agora resolver suas dificuldades diante das agruras do mercado.
- Multiplicam-se as soluções biográficas para as contradições sistêmicas.

- Estado contemporâneo:
1. Rescinde a postura programática em relação as conseqüências da insegurança produzida pelo mercado.
2. Proclama a perpetuação e intensificação da insegurança como missões de todo poder político preocupado com o bem-estar de seus súditos.
3. Busca outras variedades não econômicas de vulnerabilidade e insegurança nas quais sustentar sua legitimidade.
4. As alternativas foram alocadas em suas formas mais espetacular nas questões:
    a) Segurança pessoal.
    a1) Ameaças ao corpo, aos bens e aos hábitos dos seres humanos.
    a2) Perigos provenientes das atividades criminosas
    a3) Condutas anti-sociais por parte da subclasse
    a4) Terrorismo internacional.
5. De tal modo que a não materialização das ameaças possa ser aplaudida como um evento extraordinário, resultado da vigilância, atenção e boa vontade dos órgãos do Estado.
6. Este é o auge do poder de isenção, dos estados de emergência e da escolha de inimigos.

P. 114
- Credibilidade da ONU em queda.
- A doutrina dos direitos humanos cada vez mais parece ser explorada, segundo alguns autores, como uma justificativa para o poder político, militar e econômico...

P. 115
- O reconhecimento do poder soberano e político de um Estado deve contemplar:
   a) Autossuficiência econômica
   b) Autossuficiência militar
   c) Autossuficiência cultural

P. 116
- Carl Schmitt – o traço definidor da política é apontar o inimigo.
- Decreta-se o inimigo por ordem do poder soberano.
- Não importa se o inimigo reside dentro ou fora das fronteiras.
- O poder de indicar um inimigo ao alcance e o poder de atacar parecem ser a epítome da conveniência.
- A segurança coletiva justifica a identificação de inimigos externos pelo soberano, mas também da ênfase aos inimigos internos, em sua atuação de reforçar a obediência dos cidadãos até o ponto de um apoio frenético e entusiástico.

P. 117
- Hannah Arendt
  a) Apontou de modo impecável a ambigüidade endêmica do lema de um dos documentos constitucionais da era moderna: “A  Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão”
  b) Será que os cidadãos gozam de direitos por serem humanos, ou vice-versa?
  c) Os direitos humanos podem ser adquiridos e desfrutados apenas se o homem também é um cidadão?

- Num planeta que mobiliza seu recursos em prol da divisão territorial, ser “cidadão” só pode significar ser cidadão de um dos Estados soberanos.
- Carl Schmitt e Giorgio Agamben:
  è Os direitos intervieram no status de seres humanos apátridas unicamente por seres retirados ou negados.
- A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão nasce diante da revoltante descoberta de quão longe um soberano poderia ir em sua liberdade de apontar inimigos e decidir seus destinos.
   è Porém, manteve-se como letra morta durante a maior parte de usa história.

P. 118
- O destino da Declaração dos Direitos Humanos depende do progresso ou da falta de progresso na resolução dos problemas mais geral das instituições verdadeiramente globais, capazes de estender o controle efetivo sobre as conseqüências sociais e políticas da globalização, até agora desenfreadas e desregulamentadas.

- Avanço da globalização e retração da política diante da economia, de todas as economias, a legal, a ilegal e a oculta.

- Nações Unidas (ONU), orientada desde o início para observar a sacralidade da soberania do Estado e combater sua violação vinda do exterior, definida a priori como ato de agressão.

- As estruturas que se esperava instalar no espaço global para sustentar a ordem planetária não eram globais em sua natureza, porém internacionais.
- As saídas econômicas do pós-guerra logo tornaram essas estruturas e procedimentos inadequados para enfrentar e lidar, controlar e dirigir os mercados de produtores, finanças e trabalho, rapidamente globalizados.
- A realidade política e econômica atuavam e atuam cada vez mais em sentidos opostos.

P. 119
- ONU tentativa de fortalecer o Estado.
- Forças econômicas globais promoveram severas limitações ao Estado e à sua soberania nacional.
  a) Desregulamentação
  b) Privatização
  c) Liberdade de comércio
  d) Transferência de capital
- Efeito colateral da pressão das forças econômicas: Proliferação espetacular de Estados verdadeiramente soberanos.
    a) Fragmentação dos atores no drama em curso na política internacional.
    b) Diminuição das chances de que a política pudesse estar à altura das capacidades das finanças globais.
    c) Maior poder para as forças econômicas globais.

- Economia livre de controle, que confronta a política, agora despojada de grande parcela de seu poder.
- Entidades políticas reduzidas a função de delegacias, monitorando e remendando a ordem rotineira no plano local.

P. 120
- Direitos humanos internacionais, estão em atividades, embora com uma enorme margem de casos abomináveis.
- A “universalidade” dos direitos humanos é protegida mediante a solidariedade dos governos, no sentido de fazer com os outros o que desejam que façam com eles mesmos.
- Não há nada, contudo, que evite a quebra dessa solidariedade de forma unilateral.
- Esses direitos não são reconhecidos e concedidos unilateralmente.
- Para tê-los assegurado os estrangeiros precisam possuir um passaporte válido atestando sua nacionalidade num Estado reconhecido.
- Necessitam estar livres dos impedimentos de entrada por parte das autoridades estabelecidas de controles do tráfego entre fronteiras.
- Não há qualquer simetria intergovernamental, internacional em prender estrangeiros sem acusação formal e mostrar-lhes a porta de saída.

P. 122
- Declaração Universal dos Direitos do Humanos e do Cidadão, sentido profundo:
a) Decorrentes de uma lei natural inalienável, que se aplica a todos os homens, incluindo os que foram banidos, despojados de cidadania ou forçados a fugir de seu país por ameaça a suas vidas;
b) Aplica-se também aos direitos humanos que substituem as prerrogativas dos governos oriundas da idéia de soberania: a prerrogativa de negar aos seus próprios cidadãos a dignidade e o respeito devido a todos os homens.
P. 123
- Ao condenar o terrorismo internacional e torná-lo moral e politicamente inaceitável, perdemos de vista o surgimento de novas formas de autoritarismo.

P. 124
- Max Weber tratou o monopólio estatal da coerção como um postulado definidor da singularidade do Estado entre outras instituições sociais.
  a) Todos os outros usos da coerção foram definidos como violência e tratados como crime passível de punição.
  b) A busca de um monopólio estatal da coerção definiu o direito de o Estado traçar uma linha de separação obrigatória entre coerção e violência.
  c) O direito do Estado decidir qual uso específico da força era um caso de coerção exercida a serviço da introdução ou manutenção da lei e da ordem, eu qual, ao contrário, era um ato que minava a lei e a ordem, fosse intencionalmente ou em suas conseqüências.
  d) Na era moderna, esse corolário foi uma suposição de que a aplicação legal da força é uma função a ser introduzida, executada e administrada exclusivamente por órgãos do Estado, sujeitos a supervisão política.

P. 125
- Esta em curso um processo que destrói não só o direito que o Estado tem de traçar e policiar a linha que separa coerção e violência, mas a própria nitidez dessa distinção.
- Há uma crescente controvérsia em torno do que constitui um direito legítimo, parte integrante do tipo de “lei e ordem” que deve ser defendido, e o que é uma imposição ilegítima e injustificável.
- Na vida e nas interações cotidianas, as noções de coerção ou violência, deveres ou imposições injustificadas, são todas jogadas no mesmo caldeirão. Todas são objetos de contestação.
- A onipresença e a intensidade dessas lutas por reconhecimento, que buscam a reclassificação de certas formas de conduta, da categoria de “normal e esperável” para de “violência e condenável”, contribuem em grande parte para a atual impressão popular de que houve um aumento acentuado da violência.

P. 126
- A eficácia das decisões do Estado tende a ser fortemente reduzida em nossos dias, pois a dificuldade de escapar à sua execução a coloca em xeque.
- Há o problema da diminuição das possibilidades de defesa das fronteiras territoriais, relacionada à queda da importância do espaço em termos de segurança.
- O advento do terrorismo não entra em conflito, necessariamente, com o princípio do “monopólio estatal da violência”, que nada tem de novo.

P. 127
- Para Max Weber, os terroristas cosmopolitas seriam apenas mais uma força que, por sua presença, daria mais impulso ao imperativo perseguido e proclamado pelo Estado.

PARTE II
Conversa 4

Modernidade, pós-modernidade e genocídio
Da dizimação e anexação aos “danos colaterais”

P. 132
- Os assassinatos em massa que repetidamente atingem proporções genocidas são algo que não desapareceu com a derrota da Alemanha nazista e com a implosão do comunismo russo.

P. 133
- Os assassinatos em massa, que atingem proporções genocidas, acompanham de modo permanente a história humana até os nossos dias.
- O que diferencia a história dos regimes totalitários modernos num patamar diverso de outras experiências sangrentas da história:
  a) É o Grande Projeto, a matança pela construção de uma nova ordem, projetada para durar mil anos ou a eternidade, matar como modo de forçar a realidade social a corresponder à elegância do Grande Projeto.

- A modernidade nasceu sob o signo de uma nova confiança:
  a) Poderíamos remodelar a condição humana na forma de algo melhor do que ela tem sido até agora.
  b) Para tornar o mundo mais hospitaleiro para os homens, seus afazeres precisam ser empreendidos sob um gerenciamento novo e humano, dotado de uma planta inicial.

P. 135
- Dois fatídicos redirecionamentos tiveram lugar, no entanto após o fim dos dois totalitarismos que experimentaram esticar até o limite o potencial sinistro da abordagem da moderna jardinagem.
  1º O descrédito em que caíram os “Grandes Projetos”, partilhando o terreno das “grandes metanarrativas.
  2º Foi o ressentimento produzido em relação à solidez em si mesma.

- Esses dois redirecionamentos tornam as condições sob as quais a “limpeza” profunda, radical e sistemática pode ser realizada voláteis e líquidas demais para que as ações projetadas se cumpram.
- A aniquilação de uma classe hostil ou uma raça diferente como um todo dificilmente seria sugerida ou postulada como projeto “realista”.

P. 136
- Projeto nazista e stalinista – projetados a serviços da expansão do espaço vital, geopolítico.
- Espaço calculado como indispensável à sustentação do bem-estar e da posição dominante da raça suficientemente dotada, engenhosa e decidida para empreender esse esforço.
- Projeto de rearranjar a distribuição da população do planeta.
- Este projeto estava inscrito na perspectiva da modernidade, sendo amplamente praticada antes mesmo dos nazistas.

P. 137
- Guerras travadas a partir de áreas “altamente desenvolvidas” já não se destinam a conquistas e anexações territoriais. Seus objetivos:
  a) Disparo de um choque agudo e de preferência rápido, que quebre a resistência do inimigo atacado, obrigando-o a se entregar ao “controle remoto” e à “dominação a distância” por parte de seus conquistadores.
- Guerras globalizantes – recusa de poderes locais em abrir as portas para o livre comércio e o capital estrangeiro, à oferecer à exploração estrangeira os recursos humanos e materiais sob seu comando.
- O motivo em estabelecer o conflito é o desejo de fazer cair mais uma barreira à liberdade de escala planetária dos fins lucrativos.

P. 138
- Ao longo da era imperialista/colonialista, os países do globo que passaram por uma acelerada modernização buscavam e encontravam soluções globais para seus problemas localmente produzidos; o excesso de população fabricado talvez tenha sido o mais catastrófico e socialmente explosivo entre os problemas que clamavam por uma solução.

- O percurso da globalização das formas modernas de vida, as possibilidades de exportar os excedentes populacionais acabaram por secar.

P. 139
- Hoje não existem “terras vazias” a serem utilizadas como locais de despejo para o excedente populacional expulso dos países há pouco atraídos para a esfera do “desenvolvimento econômico”.

- A medida que as comunidades tradicionais e aos antigos laços e solidariedades comunitários se romperam e começaram a se dissipar sob pressões globalizantes, limparam-se os espaços para novas identidades e novas lealdades comunitárias.

P. 141
- De acordo com as estimativas mais comuns, os nazistas conseguiram aniquilar seis milhões de judeus ao todo, mas mantendo o objetivo de assinar 11 milhões.

- A estratégia mais empregada e mais intensamente desejada em nossa era de modernidade líquida é evitar a possibilidade de que qualquer “solução” se torne “final”, uma vida de mão única, irreversível, inelutável, para sempre.


Conversa 5
População, produção e reprodução de refugos humanos
Da contingência e da indeterminação à inexorabilidade da biotecnologia
(para além de Wall Street)

P. 143
- Em sua abordagem, a exploração da sexualidade humana para fins disciplinares permanece central nas sociedades modernas líquidas, mas o mecanismo de controle e suas manifestações culturais mudaram, processo que você analisou em “Amor Líquido e Identidade”.

P. 146
- 1798 Thomas Robert Malthus publicou: “Um ensaio sobre o princípio da população à medida que afeta o melhoramento futuro da sociedade”. Neste livro afirmava que:
  a) O crescimento da população superaria para sempre o crescimento do abastecimento alimentar.
  b) A menos que a fecundidade humana fosse controlada, não haveria comida suficiente para todos.

P. 147
- Espírito moderno dedicou em aniquilar os argumentos de Malthus.
- Os princípios de Malthus seguiram contra a corrente de tudo que a promessa moderna defendia:
a) A certeza de que o sofrimento humano é curável.
b) No decorrer do tempo uma solução será encontrada e aplicada.
c) Todas as necessidades humanas até então insatisfeitas serão vencida.
d) A ciência e a tecnologia, mas cedo ou mais tarde conseguirão elevar a realidade humana ao plano do potencial humano.
e) Seria possível atingir uma felicidade humana maior com mais poder humano.
f) O poder e a riqueza humana das nações eram medidos pelos números de seus trabalhadores e soldados.

P. 149
- Na busca pelo “tamanho certo” da população do país, o foco não estava na “natureza” e em suas leis, mas nos reparos promovidos pelo homem, com seu impacto sobre a condição humana.

P. 151
- Desde o início, a era moderna foi um momento de migração em massa.
- Incontadas e talvez incontáveis massas de pessoas em todo o mundo mudaram-se, deixando países de origem que ofereciam pouca esperança de vida em busca de longínquas terras estrangeiras que prometem melhor sorte.
- Em geral, os migrantes se deslocaram das partes mais desenvolvidas do planeta para áreas subdesenvolvidas.
- Por outro lado o excedente de população – os homens e mulheres incapazes de encontrar empregos com remuneração adequada ou de manter seu status social previamente adquirido em seus países de origem – foi um fenômeno exclusivo, de maneira geral, às regiões de processos de modernização avançados.

P. 153
- Hoje a produção de uma população redundante está em pleno andamento.
- Esta indústria moderna permanece imune as crises econômicas cíclicas e que adquire um novo ímpeto, em vez de cair em desuso sob o impacto do progresso econômico.

- Um resultado paradoxal da globalização:
- Todos e quaisquer problemas incômodos produzidos localmente, incluindo o das “vidas desperdiçadas”, são cozinhados aos poucos, por assim dizer, em seu próprio caldo. Numa dura oposição ao enorme avanço nos dispositivos e instalações de viagem e de transporte, esses problemas não podem mais ser exportados e despejados em terras distantes.
- Essas novas circunstâncias e a atmosfera claustrofóbica que delas emana explicam os fenômenos:
  a) Proliferação de imperialismo vizinhos;
  b) O grande número de guerras civis que acabam degenerando em banditismo associado a guerra de gangues.
  c) Renascimento de nacionalismos predatórios
  d) Sentimentos tribais
  e) Exaltação de tendências genocidas.
  f) Invenção da subclasse
  g) Tendência a criminalizar problemas outrora definidos como “sociais”

P. 155
- Superpopulação é uma ficção atuarial.
- Um codinome para o aparecimento de um número de pessoas que, em vez de contribuir para o tranqüilo funcionamento da economia, tornam mais difícil a obtenção e, mais ainda, o aumento dos indicadores pelos quais esse bom funcionamento é medido e avaliado.
- Esses números parecem crescer de forma incontrolável adicionando despesas, de modo contínuo, sem nada acrescentar aos ganhos.

- Sociedade de produtores, parcela do trabalho pessoas é dispensável:
a) A produção pode ser feita de fora mais rápida, rentável e econômica, sem que essas pessoas estejam empregadas.
    - Sociedade de consumidores, há consumidores falhos:
  b) Pessoas carentes de recursos para adicionar à capacidade do mercado de consumo.
c) Criam exigências que o mercado não pode e não quer responder e sobretudo ganhar lucrativamente com isto.

- Notemos que os lugares em que se espera que a “bomba populacional” exploda são, em geral, as terras com menor densidade populacional.
- África, na medida em que não representam ganham consideráveis para o mercado de consumo.

P. 156
- Há pouca conexão entre densidade demográfica e superpopulação.
- A superpopulação é medida pelo número de pessoas a serem sustentadas pelos recursos do país e pela capacidade do ambiente para garantir a vida humana.
- Países ricos podem bancar uma elevada densidade demográfica porque eles são centros de “alta entropia”:
  a) Extraem recursos, fontes de energia do mundo inteiro.
  b) Devolvem resíduos poluidores e tóxicos dos suprimentos mundiais de energia.

- Paul Ehrlich resumiu a conclusão de seu livro com Ann Ehlich – The Population Explosion:
è O impacto da humanidade sobre o sistema de sustentação da vida na Terra não é determinado apenas pelo número de pessoas vivas no planeta. Ele depende de como as pessoas se comportam.

P. 157
- O principal problema demográfico está nos países ricos. Há excesso de pessoas ricas.

P. 158
- O lugar precário da mulher na cadeia de produção, pode ter sofrido uma transformação ainda mais profunda com a emergência de novas indústrias ao centro da econômica:
a) Tecnologia reprodutiva
b) Indústria de biotecnologia
à Isto poderia representar uma ruptura histórica no modo de produção capitalista?
à Estas indústrias pretendem atingir nas próximas décadas, ou séculos, a substituição da capacidade reprodutiva da mulher?
à As indústrias de biotecnologia e genética, pela primeira vez desde seu surgimento, no século XX, deixaram a margem da sociedade e se posicionaram bem no centro das economias ocidentais.

P. 160
- Mundo de peças de reposição – produtos defeituosos são devolvidos á loja.
   a) Toda tensão e esforço são detestados e temíveis.
   b) Onde toda dor e sofrimento são tidos como injustificados, inaceitáveis e requerem compensação.
   c) Onde toda postergação na satisfação é condenada como imperdoável.
   d) Onde se solicita que qualquer paixão forte seja satisfeita com um escoadouro e um tranqüilizante.
   e) Onde toda experiência de eternidade é fornecida com uma cláusula de até próximo aviso.
   f) Onde experiências desconhecidas são de preferência oferecidas por um período de teste e equipadas com a tecla “deletar.”
   g) Onde todas as aventuras arriscadas estão banidas, a menos que tenham sido pré-planejadas e cobertas por um seguro
   h) Onde a vida feliz tende a ser identificada como ausência de incomodo, desconforto, incerteza, de compromissos firmes.
   i) Neste mundo, maternidade, concepção, nascimento, compromisso conjugal, o cuidado e zelo pelas crianças, autosacrificio apresentam-se como fardo, como peso e algo à ser destituído.

P. 161
- Cultura – perpétua guerra contra irregularidades, aleatoriedades, indeterminações, impossibilidades de definição, ambigüidades, contra a bagunça do mundo pré-cultural, ou natural.
- As batalhas vitoriosas dessa guerra forma registradas sob os nomes de “racionalização”, “progresso” e “marcha triunfal da razão”.
- Finalidade da guerra: servir de triunfo da ordem sobre o caos, da regularidade sobre a aleatoriedade, do controle sobre a espontaneidade, da previsibilidade sobre o acaso e a frustração.

P. 162
- Não se trata apenas de o sexo ter sido liberado de seu laço com a procriação, mas do fato de que o desenvolvimento de novas tecnologias de “engenharia genética” irá permitir, num futuro próximo, a emancipação da procriação de sua relação com o sexo.
- O sexo é um dos últimos bastiões da maldições contra as quais a razão luta.

P. 163
- Enquanto a procriação continuar dependente do sexo,m a guerra da cultura contra a natureza não pode ser levada a seu fim vitorioso.

P. 164
- O sexo – era um veículo primitivo da indústria familiar para obter a imortalidade – ganhando-se com ele apenas “imortalidade por procuração”, por meio de digramas de linhagem e uma sequência imaginariamente interminável de sucessos.

P. 165
- O sexo foi separado da procriação para ser reciclado sob a forma de um “sextretenimento”.
- Apenas mais um entretenimento prazeroso entre muitos a escolher, de acordo com o grau de disponibilidade, a facilidade de acesso e o saldo de ganhos e perdas.
- Reduzido a puro entretenimento por quanto tempo se pode manter a atração sexual e o poder de sedução?

- O sexo implica num evento inter-humano, no qual ambos os parceiros são dotados de subjetividade inalienável. O sexo não chega aos pés da facilidade e da instantaneidade com que outros prazeres de todo reificados e mercantilizados podem ser obtidos. Apenas pelo simples fato de oferecer alguma promissória ou digitar uma senha de cartão de crédito.
- Mesmo quando há segurança contra conseqüências indesejáveis de longo prazo, o sexo necessita pelo menos de uma negociação rudimentar.

P. 166
- Protegidos ou não, as relações sexuais significam oferecer reféns ao destino.
- Por mais intensos, desejáveis e cobiçados que sejam os prazeres sexuais, eles devem ser avaliados em comparação às possibilidades bem mais avassaladoras que as da maioria dos outros prazeres.
- O movimento feminista seria feliz  se a engenharia genética, ou a biotecnologia lhes retirasse totalmente a diferença, no que se refere a procriação?

Conversa 6
FUNDAMENTALISMO SECULAR VERSUS FUNDAMENTALISMO RELIGIOSO
A corrida dos dogmas ou a batalha pelo poder no século XXI.

P. 168
- Maquiavel: Para ele, o inimigo era a Igreja, não a religião.
- Ernest Cassirer: Para o poeta, certo grau de religião era desejável.
- A mentalidade moderna não era necessariamente atéia.
- Bauman: “A guerra contra Deus” – “a frenética busca por uma prova de que Deus não existe, ou que morreu, foi levada a limites radicais.
- O que a mentalidade moderna fez, foi tornar Deus algo irrelevante para os negócios humanos na Terra.

- Em Identidade Bauman afirma: “A ciência moderna surgiu quando se havia construído uma língua permitindo que tudo o que se aprendesse sobre o mundo fosse narrado em termos não teleológicos... sem qualquer referência à vontade divina. Essa estratégia legou a triunfos espetaculares da ciência e de seu braço tecnológico.

- Para Bauman, a “autoridade do sagrado” e, de modo mais genérico, “nossas preocupações com a eternidade e com valores eternos foram suas primeiras e mais preeminentes vítimas.”
- Há um desejo de trazer Deus de volta?

P. 169
- A condição dos Estados contemporâneos:
a) O Estado é mias que uma “máquina de medo”
b) Sem o medo seria difícil imaginar a existência do Estado.
c) Numa sociedade global de risco e de produção social do medo o Estado tem seu futuro assegurado.

P. 170
- Bauman: o Estado como uma “indústria de manejo, de processamento e reciclagem de medo”

- Os Estados tendem a capitalizar o fornecimento de medo que já foi pré-fabricado e armazenado por outras forças, em essências apolíticas, sem precisar de uma política institucionalizada para tomar parte ativa em sua produção.

- Com exceção evidente dos regimes ditatoriais e totalitários, os Estados modernos capitalizaram sobretudo os medos que emanam da insegurança existencial, endêmica e, em sujas origens, apolítica, derivadas dos caprichos e extravagâncias inerentes aos mercados de capitais e de trabalho.

- Manutenção de um volume constante de ansiedade e apreensão se transformou num fator importante e indispensável na autorreprodução de instituições políticas e econômicas.

- O constante estado de incerteza busca insaciavelmente força em que pode confiar.
- Uma força capaz de realizar o que pessoas comuns, amaldiçoadas com a gritante insuficiência de recursos à sua disposição, podem sonhar em fazer.

P. 171
- Todas as variedades da sonhada força sobre-humanamente dotada carreiam as esperanças de que salvarão os perplexos de sua perplexidade e os impotentes de sua impotência.
- Esperança de que tais forças anularão as assustadoras fraquezas humanas, sofridas de modo individual ou em bloco, por meio da onipotência de uma congregação, uma nação, uma classe ou uma raça escolhida por Deus e a ele temente.

P. 172
- A suspeita de La Boétie, que Toscano e Jahanbegloo endossaram quase cinco séculos mais tarde, era que, além de ser atribuída a um medo de punição gerada pela coerção, a rendição maciça de parcelas substanciais de liberdade por parte das populações escravizadas precisa ser explicada pela propensão interior humana para voltar-se mais em direção a uma ordem, do que no sentido de uma liberdade que substitui a contingência e a incerteza em relação ao tipo de paz espiritual e conforto que apenas uma rotina apoiada pelo poder consegue oferecer.

- Fundamentalistas religiosos tomam emprestada a caixa de ferramenta que se acredita ser de propriedade da política.
- Fundamentalistas políticos em alguns casos lançam Mao do discurso religioso da confrontação final entre o bem e o mal.

P. 173
- Politização da religião e sacralização da política – algo perigoso e muitas vezes muito mais sangrento em suas conseqüências.

- Freud:
a) Atribui “a ilusão” aos traços permanentes e inextirpáveis do instinto humano: grosso modo, dada a “apatia geneticamente determinada e inata dos seres humanos”, sua impermeabilidade à “argumentação racional”, além do potencial destrutivo dos ímpetos também endêmicos dos homens, a sociedade humana é inconcebível sem a coerção.

- Karl Marx:
a) Associou a origem temporária inescapável da “ilusão” à história, e não à genética, e também às condições humanas historicamente desenvolvidas, e não à evolução biológica.
b) A religião era “ópio” que pretendia manter as massas em estupor para abafar a dissensão e impedi-las de se rebelar.
c) Elas deveria durara tanto quanto, mas não mais que, o tipo de condição humana capaz de dar à luz ao dissenso e incitar a rebelião.

P. 174
- Leszek Kolakowski – “A religião é uma manifestação/declaração da insuficiência humana.
- A coesão humana cria problemas que não consegue compreender, ou não pode atacar, ou ambos.

- Os homens precisam de Deus:
a) Por seus milagres, não para seguir as leis da lógica.
b) Por sua inescrutabilidade e imprevisibilidade, não por sua transparência e rotina.
c) Por sua capacidade de virar o curso dos acontecimentos de cabeça para baixo
d) Por sua capacidade de colocar entre parênteses a ordem das coisas, em vez de, subserviente, submeter-se a ela, como os seres humanos são pressionados a fazer e em sua maioria fazer a maior parte do tempo.
- O homem precisa de um Deus onisciente e onipresente para dar conta de todas aquelas forças aterradoras, em aparência entorpecidas, surdas e cegas que a compreensão humana e seu poder de ação não podem alcançar.

P. 175
- O futuro dessa ilusão esta entrelaçado com o futuro da incerteza humana.
a) Incerteza coletiva relativa a segurança e aos poderes da espécie humana com um todo.
b) A humanidade continuará a se voltar para a “ilusão”.
b1) Sua solidão no universo, a ausência de um tribunal de apelações e de poderes executivos são por demais assustadores para a maioria dos homens suportar.
b2) Suponho que Deus morrerá com a humanidade.

- Igrejas têm desempenhado um papel relevante na rejeição dos fundamentos morais do neoliberalismo.
- O cristianismo em diferentes graus tem sido critico do neoliberalismo e da supremacia do individualismo.
- Paradoxo:
è Todas a religiões hegemônicas parecem se sentir ameaçadas pelo efeito homogeneizador da globalização, porem elas também parecem se sentir sob a ameaça do efeito desintegrador das narrativas relativistas pós-modernas.

P. 176
- A “chamada secularização” da era moderna não foi muito mais que a designação de um vocabulário... para narrar a condição humana sem usar a palavra de Deus”.
- A palavra poderia faltar, mas a narrativa tem sido sobre a insuficiência humana.

- Erro comum, supor que o fundamentalismo é uma neurose reservada à religião, e que as instituições mundanas estão de alguma forma imunes a essa condição.
- Parece ser um legado distintivo da última década: uma corrida dogmática entre o secularismo e a religião.
- A concorrência entre dogmas está inserida na história humana por todas as civilizações, mas a relatividade entre secularismo e religião tornou-se sinistra nos dois últimos anos, exibindo mais ferocidade e furor do que antes.

P. 177
- A exploração política e contemporânea do conhecimento científico e tecnológico pode desempenhar um papel nesse processo, obrigando-nos a fazer perguntas como quem tem domínio da ciência.

- O “equilíbrio” está perdido quando se afirma que a patologia do obscurantismo está presente só na religião.
- Reserva-se apenas para a religião o “diagnóstico” dessa patologia, e depois prescreve-se para ela um tratamento único: “liquidez moral”.
- A humanidade, nos “tempos líquidos”, parece ter sido deixada à mercê do mercado.

P. 178
- Quando se admite que o fundamentalismo só ocorre nas comunidade religiosas, a doutrina moral delas é julgada, de modo imprudente, ilegítima, patológica e desnecessária.

- O declínio dos valores morais é resultado de uma batalha enfraquecedora e devastadora entre aquelas instituições (Igreja e Estado) que você têm apontado como gêmeas?

- Bauman
  a) E A arte da vida, salientei que, em nossa sociedade de consumidores, com sua suposição tácita de que o cuidado de si, a busca dos próprios interesses e a felicidade são os principais deveres e obrigações de todos os seres humanos, precisam se justificar em termos dos benefícios que a obediência a elas possa trazer para o bem-estar e o autodesenvolvimento do obediente.

  b) Os filósofos morais têm se esforçado, e seguem tentando, para construir uma ponte ligando as duas margens do rio da vida: o interesse individual e o bem do outro.

P. 180
- Dúvida profunda e verdadeiramente radical:
   è O bem pode ser uma questão de argumentação, persuasão, “debate”, “convencimento”, decisão sobre “o que é lógico”?
   è A bondade com os outros é resultado de uma decisão racional e pode ser provocada por um apelo à razão?
   è A bondade pode ser ensinada?

- A moralidade popular se dilacera entre mensagens diversas e muitas vezes incompatíveis, fluindo de fontes cuja autoridade não é muito mais estável, nem muito menos volátil que as efemeridades propagandísticas que nos assolam cotidianamente.
- O que a experiência cotidiana reafirma, teimosa, dia sim, dia não, é a surpreendente não obrigatoriedade de quaisquer princípios morais.

P. 181
- Para um ser moral, a chocante contradição entre o generalizado senso moral de certo e errado, e o contínuo espetáculo de corrupção moral, cria uma atmosfera de aguda “dissonância cognitiva – assim como a contradição entre reivindicações universalistas de uma exigência ética e desagregação e volatilidade das autoridades morais.

P. 182
- Duas principais formas de se cortar o nó e de ser implementadas:
  a) O fundamentalismo e a adiaforização.
  b) O fundamentalismo religioso visa afastar um código de ética da concorrência com outros sistemas ideacionais; a declarar inválidas as fontes de autoridade invocadas por sistemas alternativos em matéria de moralidade; e a deslocar proscrições e prescrições éticas para o domínio dos conhecimentos revelados, transmitidos por forças além do alcance humana e, em particular, além da capacidade humana de resistência ou reforma. A tornar o código moral imune a interferência humana.

P. 183
- Na religião esses efeitos tendem a ser buscados e obtidos pelo deslocamento das fontes e sanções de autoridade para além da esfera da experiência humana.

- O fundamentalismo apela para a fé, a inquestionável, firme e inabalável fé, a fé dogmática.
- Na prática social, o fundamentalismo baseia-se na densidade dos laços e na freqüência das interações no interior das comunidades.
- A reduzida comunicação com o mundo exterior às fronteiras comunais: trata-se de trancar as portas e bloquear as janelas.
- O fundamentalismo requer isolamento em relação ao mercado de idéias; na prática, a separação do mercado de interações humanas.



Conversa 7

A ESCRITA DO DNA
Uma nova gramatologia para uma nova econômica.
Dos homines mortales aos “pós-humanos”
FVM no advento da genetocracia.

P. 185
- À falta de gestão em determinadas áreas de investigação cientifica, seu potencial de extrapolação para os poderes políticos e do mercado, e a “biopirataria” e dos propósitos dogmáticos.
-  Tudo isso sugere que os seres humanos, no alvorecer deste século, parecem manter-se “presos” entre instituições seculares que muitas vezes roubam (e geram) conhecimento científico com um projeto político e econômico, e instituições eclesiásticas que parecem se manter aferradas a antigos privilégios inquisitoriais.
- Podemos, em suma, escapar da batalha pela dominação dogmática?

P. 186
- A crise financeira global seria uma oportunidade para repensar nossa relação com a ciência e com a religião, e, afinal, para pensar a relação entre elas [...] será uma oportunidade para os líderes das antigas comunidades repensarem seus papéis e suas responsabilidades com a humanidade?
- Como o bem comum pode ser alcançado numa era em que moral, religião, política e ciência deram lugar à fé no mercado?

P. 187
- A genômica e a engenharia genética podem ser vistas como o maior sonho do homo consumens, como o rompimento da última fronteira no percurso do consumidor moderno, o derradeiro estágio de uma longa e tortuosa luta que chega ao final vitoriosa, para expandir a liberdade dos consumidores, a luta para sua coroação.
- Engenheirizar os assuntos humanos não é invenção dos genomistas. O desejo dos de intervir sobre os eus humanos (na verdade, de criar um “novo homem”) tem acompanhado o estilo moderno de vida desde o princípio.

- Na crença do homem moderno, como sugeriu Karl Popper, em 1945, a engenharia social é aquela que, “de acordo com os nossos objetivos, pode influenciar a histórias do homem assim como mudamos a face da Terra”.
- Com o benefício da retrospectiva, podemos resumir a longa série de experimentos modernos de engenharia social da seguinte maneira: as únicas amostras consistentes e efetivas também foram as mais desumanas, cruéis, atrozes e escandalosas, com os nazistas e os comunistas ocupando as primeiras posições, seguidos de perto pelos mais recentes (atuais!) exercícios de limpeza étnica.

P.188
- A fama do “fim da história”, de Francis Fukuyama, sugeriu que as tentativas feitas no século passado para criar uma “nova e melhorada” raça humana não foram malsucedidas por serem doentiamente geradas e destinadas a hesitar, mas porque os meios adequados para efetivá-las ainda não estavam disponíveis: educação, propaganda, lavagem cerebral eram técnicas de uma indústria familiar – ou seja, não estavam à altura da grandiosidade da tarefa. Fukuyama se apressou em consolar seus leitores, dizendo que agora, afinal, os meios adequados se tornam disponíveis – e podemos trazer de volta à agenda a criação de uma nova raça humana, desta vez com garantia de sucesso.

- Em sintonia com os tempos modernos líquidos, Fukuyama seguia os passos  de Peter Drucker, ao não esperar que a salvação viesse da sociedade. Para o pensador americano, as expectativas de “salvação” são investidas (para citar Pinker mais uma vez) “num número de novas empresas lançadas” e em seus clientes, os “consumidores médicos”.

P. 189
- Por uma interessante coincidência, porém, o embelezamento do corpo também se tornou uma dessas preocupações humanas em que o surgimento do remédio em geral precede a consciência do defeito a ser remediado.

P. 190/191
- A cirurgia plástica, muitas vezes confundida com sua prima “estética”, é uma especialidade dedicada à correção cirúrgica de defeitos de forma ou de função, a cirurgia estética é projetada para melhorias estritamente cosméticas: a aparência do corpo, não o corpo em si, e sem dúvida não a sua saúde ou a boa forma.

P. 193
- Como tantos outros aspectos da vida humana, em nosso tipo de sociedade, a criação de um “novo homem” (ou mulher) foi desregulamentada, individualizada e subsidiada para os indivíduos considerados, de maneira contraditória, os únicos legisladores, executores e juízes permitidos no seu plano individual de “política da vida”.

- É no interior da política de vida, individualmente executada, que a reconstrução do eu – por meio da destruição e reposição das “constantes” ostensivas de natureza individual, uma após a outra – já se tornou o passatempo favorito, impulsionado inoportuna e indiscretamente pelos mercados consumidores, e mais elogiados e recomendados por seus onipresentes órgãos de propaganda.

- A principal mensagem dos mercados consumidores, [...] é a indignidade de todo e qualquer desconforto e inconveniente.

- A multifacetada arte da vida poderia [...] ser reduzida apenas a uma técnica: a das compras sábias e diligentes. Todas as mercadorias e serviços à disposição dão ênfase, em última instância, à manutenção da prática da arte da vida livre  de todas as coisas e atos e incômodos, embaraçosos, demorados, inconvenientes, desconfortáveis, dominados pelo risco e incerteza do sucesso.

P. 194
- Se o esforço vitalício de construção e reconstrução de identidade é hoje uma tarefa e uma promessa de aborrecimento, porque não substituir esse esforço tão complicado e exigente em relação às habilidades pelo simples clique instantâneo, pouco exigente e indolor, da compra de um gene?

- Apesar de “naturais”, mas suprimidos, induzidos ou artisticamente interpretados, os desejos são para os mercados consumidores, o que as terras virgens representam para  os agricultores: um ímã, uma promessa de expansão rápida e profusa de riquezas novas e comparativamente mais fáceis de se obter.

- A promessa das operadoras de cartões de crédito, “subtrair o esperar do querer”.

P. 195
- Fazer-se à medida de seus sonhos, fazer-se segundo sua própria ordem: é isso, afinal, o que você sempre quis; só faltavam os meios de tornar seus sonhos realidade.

- A modernidade, [...] se refere a como ajustar o “é” do mundo ao “deveria” feito pelo homem. Agora, como em sua fase inicial, a modernidade investiu esperanças de fazê-lo na espécie humana: nós, a espécie humana, poremos em formação nossa sabedoria coletiva para atingir coletivamente o domínio sobre o destino.

- Na fase atual da sociedade individualizada de consumidores, é o mercado consumidor, com poderes de sedução, que representa a “espécie humana”, escorregando para o lugar deixado vago pelo Estado ou pela “Grande Sociedade”.

P. 197
- As instituições científicas e os cientistas, outrora associados a heróis que desafiaram o monopólio da verdade que a Igreja católica tão possessivamente guardava no limiar da modernidade, parecem estar envolvidos na construção de mais um monopólio epistemológico.

P. 198
- A grandiloqüência da “teoria de tudo” (como a grandiloqüência da genética e das construções biotecnológicas) poderia ser extrapolada e explorada para completar o corpo disfuncional de nossas sociedades com a “mão invisível do mercado”, um cérebro invisível do (cada vez mais ausente) Estado (com os olhos mui convenientemente invisíveis do Big Brother), tudo a fim de justificar qualquer coisa, das políticas sociais até o marketing (por que eles não podem todos nos deixar em paz?).

- É possível separar as instituições científicas das estruturas de poder externas à comunidade científica?
- Podemos abordar a ciência ignorando suas ligações com o mundo corporativo?
- Será que eles desenvolveram uma relação simbiótica?
- Teria chegado a hora de escrever sobre a “ciência líquida”?

P. 200
- Respeitar a conclusão de Durkheim, uma centena de anos atrás: a sociedade é “maior que a soma de suas partes” (em outras palavras, os atributos e processos surgem no plano mais elevado de um “todo social” que não pode ser encontrado em, e não deve ser imputado a, seus ingredientes, e vice-versa); ou análise atenta de Simmel a respeito das profundas diferenças até entre a “díade” e a “tríade” (duplas e trios), casa qual clamando por perguntas diferenciadas e exigindo conjuntos conceituais diversos para respondê-las.

P. 201
- O importante para a condição humana não é tanto o conteúdo substantivo das descobertas e construções científicas, mas seus usos pelos não cientistas (quando ou se os cientistas partilhares as atividades dos “outros”, eles suspendem a vigência de seus papéis estritamente direcionados pela ciência) – em nosso tempo e lugar, sobretudo por políticos e empresários.

- A questão das conseqüências humanas das descobertas científicas é um problema sociológico, não uma questão de física ou de qualquer outra das proclamadas “ciências duras”.

- Até agora, a ciência tem merecido o lugar (ou foi colocada no lugar) de “numinoso” sugerido por Rudolf Otto (“numinoso” é um mistério, mysterium, do latim, isto é, ao mesmo tempo aterrados, tremendum, e fascinante, fascinans).

- Diante da ciência, experimentamos algo semelhante ao que nossos ancestrais sentiam ante uma natureza ainda não mediada (e obviamente indomada) por artifícios feitos pelo homem: o “medo cósmico” e a esmagadora e excessiva reverência de Bakhtin, uma mistura cujas proporções variam ao longo de um eixo que separa e liga um pólo de terror absoluto e um pólo de admiração devota e hipócrita, e, muitas vezes, de fanática adoração.

P. 202
- Na marcha da ciência sempre para adiante, há sempre outra esquina a ser virada, outro enigma a ser quebrado, outra possibilidade aterrorizante a ser analisada e esclarecida. A ciência, aquela longa  e talvez interminável marcha rumo ao recuado horizonte da certeza, é uma indústria poderosa e eficiente de incertezas – e a incerteza é a mãe mais fértil dos medos.

- Karl Popper resolveu esse problema. Apontou o fato de que o incrível potencial criativo da ciência reside em seu poder de refutação, não no poder de suas provas. Estas estão condenadas a permanecer para sempre “relatórios de desenvolvimento”, aceitáveis apenas até nova ordem, com a condição de que não se tenha oferecido qualquer evidência em contrário (até o momento, apenas até o momento).
- A grandeza da ciência consiste no convite permanente à crítica e à refutação. A história da ciência também é uma longa trilha de descobertas e invenções incompreensíveis, um cemitério de erros, equívocos e faltas pistas.

P. 203
- Verdades científicas, como acredito, têm o status de hipóteses sempre abertas, jamais totalmente livres do risco de anulação. Os cientistas dignos deste nome concordariam que não há nem pode haver algo como uma prova definitiva imune a todos os outros ensaios; que, no desenvolvimento do conhecimento científico, não existem pontos sem retorno (se houvesse, o conhecimento em questão seria tudo, menos científico).

P. 204
- Você afirma que “amar significa estar determinado a partilhar e mesclar duas biografias”; e segue acrescentando que “amor é parente de transcendência. É quase um outro nome para o impulso criativo, e, como tal, repleto de riscos; e, como todos os processos criativos, nunca se sabe como ele terminará.” Qual será o papel desse poder criativo nos tempos sombrios de recessão do século XXI e de colapso moral e político de nossa era?

- Alterações seminais que pareceram estar acontecendo com a geração mais jovem, em sua percepção do fenômeno do amor: o significado, o papel, a finalidade e a pragmática.

P. 205
- A julgar pelas tendências contemporâneas entre os jovens, as perspectivas em relação ao amor como estamos habituados a pensá-lo não perecem em especial brilhantes.
O treinamento inicial e fundamental na arte de amar e ser amado é recebido por todos nós na infância. Todas as práticas posteriores são transposições, produtos de uma reciclagem criativa e uma remodelação dos sedimentos daquela experiência infantil.

- No filme O diabo, provavelmente (Le Diable, probablement)

P. 206
- Sociedade de consumidores – indivíduos por decreto e viciados em curto prazo.

P. 207
- Em nossos tempos modernos líquidos, o terror da masturbação foi substituído pelo pânico do abuso sexual. A ameaça oculta, a causa do novo pavor, não se esconde nas crianças, mas na sexualidade do pais.

- É tentador acrescentar, contudo, que isso reflete também uma crescente tendência insinuada pela mídia de se explicarem os atuais problemas psicológicos dos adultos com uma suposta experiência infantil de assédio sexual, e não se recorrendo aos tradicionais problemas da sexualidade infantil, ou complexos de Édipo e de Electra.

P.208
- A vítima principal do terror da masturbação era a autonomia dos jovens. Desde a tenra infância, os postulantes e adultos eram “normativamente regulados”, vigiados e observados pelo poder, a fim de protegê-los contra seus próprios instintos e impulsos mórbidos e desastrosos. [...] As vítimas primárias do pânico do abuso sexual estão fadadas a ser as ligações intergeracionais de intimidade.

- O novo pânico adiciona um brilho legitimador ao processo já avançado de comercialização da relação entre pais e filhos, ao torná-la mediada pelo mercado consumidor. Os mercados de consumo propõem reprimir ou eliminar qualquer escrúpulo moral rudimentar que possa permanecer no coração dos pais após o declínio da posição de vigilante na casa da família.

P. 209
- A intimidade debilitada de pais e filhos.

- A substituição de uma intimidade outrora abrangente, 24 horas por dia e sete dias por semana , pelos tipos de contato hoje em voga, superficiais e orientados por objetivos instrumentais; e também por interações cada vez menos intensas, pelas percebidas peculiares das atitudes contemporâneas em relação ao sexo e dos padrões prevalecentes de comportamento sexual de nosso tempo.

P. 212
- O sexo mediado pela internet é simplesmente essa “coisa em si”, que se acreditava fascinar e cativar nossos antepassados, de forma a inspirá-los a rabiscar volumes de poesia e a confundir felicidade conjugal com paraíso.
   a) O sexo pela internet resulta em parcerias humanas despidas de muito de seu fascínio.
   b) Na redução do número de sonhos bons.
   c) Não facilita os laços humanos, nem reduz as tragédias dos sonhos não realizados.
   d) Ligações estabelecidas com a ajuda da Internet tendem a ser mais fracas e mais superficiais do que as laboriosamente construídas na vida real, “off line”.
- Há uma elevação do número de pessoas que vivem sozinhas, que sofrem de solidão e têm o doloroso sentimento de abandono.

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- As referências dos principais conceitos conhecidos para enquadrar e mapear o Lebeswelt – mundo vivido e experienciado, pessoalmente experimentado) dos jovens estão sendo gradual e firmemente transplantadas do mundo off-line para o on-line.
   a) Conceitos como contatos, encontros, reunião, comunicar-se, comunidade ou amizade – referem-se as relações interpessoais e laços sociais – são os mais preeminentes deles.

- A percepção das atuais obrigações e compromissos sociais como instantâneos momentâneos de um processo contínuo de renegociação, e não como estados estacionários fadados a durar indefinidamente.

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- Mesmo a idéia de “instantâneo momentâneo” não é uma metáfora adequada, uma vez que “momentâneo” pode ainda implicar mais durabilidade que os laços e compromissos mediados eletronicamente.

- A infinita capacidade de apagar e substituir é o único atributo indelével dos laços eletronicamente meidados.

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- O mundo virtual e que os jovens caçadores de comunidades mergulham muitas horas, permanecendo on-line, está se tornando cada vez mais um mosaico de diásporas cruzadas, mesmo que, de maneira diferente das do mundo off-line, as diásporas digitais não estejam territorialmente vinculadas.

- Toda e qualquer entidade digitalmente traçada, sua sobrevivência está sujeita à intensidade do jogo conexão-desconexão.

- No mundo virtual habitado pelos jovens, as fronteiras são desenhadas e redesenhadas para separar as pessoas com “interesses similares” do resto – daqueles que tendem a concentrar sua atenção em outros objetos.

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- “Pertencer” a uma comunidade virtual reduz-se a interações intermitentes e muitas vezes superficiais, girando em torno de questões (hoje) de interesse comum.
- É paradoxal que a ampliação do leque de oportunidades para se encontrarem depressa “cabeças semelhantes”, prontas para usar todo e qualquer interesse restrinja e empobreça, em vez de aumentar e enriquecer, as “competências sociais” daqueles que buscam as “as comunidades virtuais de cabeça”.

- No mundo on-line, as complicadas traduções, negociações e compromissos podem, no entanto, ser evitados, pela graça salvadora da tecla “delete”,

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- O amor é produto de um esforço longo e laborioso, arriscado e sempre sob risco de um retrocesso, que não exige nada menos que uma preparação para um incômodo compromisso e um duro autossacrificio.

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- O único “último sonho e testamento” que posso deixar: as chances de reunir a intenção e seus resultados são suscetíveis de aumentar um pouco uma vez que os jovens prestem mais atenção ao estado do mundo e a si mesmos nesse mundo.

- O amor partilha experiências, alegrias, frustrações, fascínios, fobias, concentra a atenção e afasta a indiferença.



FIM







 






                           






















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