MERCADO X
DEMOCRACIA
“Crédito
Social”: a China ranqueia os cidadãos
Sonegar impostos. Jogar lixo na rua. Dirigir de
modo selvagem. Ler pornografia. Na mega base de dados em teste, tudo é
computado – e “disciplinar e punir” parece ser a lógica
Estávamos perto da
entrada do Hospital do Povo Nº1 de Hangzhou, na província de Zhejiang, a
sudeste de Shanghai. Uma senhora que parecia esperar um táxi, de repente pulou
por cima da barreira da rua, se inclinou no capô de um carro alemão, pulou e
sentou no chão, de braços cruzados. O jovem motorista, frenético, saiu do carro
e foi até ela. Eles discutiram por uma hora em frente de enfermeiras e
policiais que passavam, até que concordassem no pagamentos dos danos.
As
plataformas chinesas de vídeos online mostram muitos incidentes do tipo “toque
a porcelana”1,
onde pessoas se arremessam na frente de carros para alegar danos. Eles podem
ser engraçados; mais frequentemente, são apenas dramáticos. Estas extorsões – e
fraudes na saúde pública, alimentação e produtos falsificados – deixam as
pessoas enraivecidas e ajudam a explicar por que elas estão dispostas a aceitar
quaisquer medidas governamentais que visem o fim das fraudes.
A medida
mais importante é o novo sistema de vigilância de “crédito social”. Desde o
último verão, palavras como honestidade (cheng)
e credibilidade (xin) apareceram nos
banners de propaganda, que acompanham uma crescente panóplia de mecanismos
públicos e privados que avaliam indivíduos, funcionários, empresas e setores
profissionais, recompensam os bons e punem os maus.
Lin
Junyue, um pesquisador de Pequim, trabalha em um sistema assim desde 1999,
quando foi nomeado engenheiro-chefe de uma equipe montada sob requisição do
então Primeiro Ministro Zhu Rongji. Lin disse: “Companhias americanas pediram a
Zhu que criasse ferramentas para provê-los de mais informações sobre empresas
chinesas com quem queriam trabalhar. Eu fiz diversas viagens de estudo para os
EUA com meus colegas, e percebemos que teríamos que criar algo ainda melhor: um
sólido sistema que documentasse a credibilidade de cidadãos e empreendimentos
chineses. Nosso relatório ‘Rumo ao Sistema Nacional de Administração de
Crédito’ saiu em março de 2000, logo antes que duas assembleias nacionais
acontecessem. O termo ‘crédito social’, seguiu-se em 2002, quando um
funcionário do governo sugeriu uma simetria léxica com ‘segurança social’.”
Em 2006, o
Banco Popular da China adotou o princípio de pontuação mediante critérios, que,
como sua contrapartida do EUA, usa uma classificação de 300 (muito ruim) até
850 (excelente). Lin disse, “Nós queríamos explorar o crédito no sentido mais
amplo possível, ao recolher uma grande quantidade de informação, por exemplo,
do Ministério de Segurança ou Ministério da Industria e Informação Tecnológica.
Tal projeto foi ratificado pela comissão nacional de desenvolvimento e
reformas, em 2012.”
Lin
rejeita qualquer comparação com o episódio da série britânica de TV,
BlackMirror, na qual a sociedade é controlada por avaliações de crédito social.
Ele refuta a ideia de uma classificação individual em toda uma nação. “Não
estamos fazendo isso, apesar de, de fato, irmos mais além do padrão de
avaliação de solvência. Todos os tipos de dados são recolhidos ao longo do
tempo sobre indivíduos ou empresas sem histórico econômico, para que tenham
acesso a crédito, pedidos de propostas e muito mais.”
O sistema está sendo
testado até 2020 por 43 municípios, cada um com seu próprio critério, sistema
de letras ou pontos e nome: em Suzhou, chama-se Crédito Social Flor de Cerejeira; em
Xiamen, Jasmim. Quase todos usam
dados de redes sociais ou aplicativos de celular, além de uma sofisticada
vigilância por vídeo. Próximo de 2020, a maior parte dos espaços públicos
chineses estará equipada com câmeras de reconhecimento facial sob o sistema da Skynet.
Em muitas áreas rurais, o projeto Olhos
Agudos permite que as pessoas conectem seus esquipamentos de
televisão ou celular, a câmeras de vigilância na entrada de suas vilas.
“A benção da
segurança”
“Uma
sensação de segurança é a melhor benção que um país pode dar a seu povo,” disse
o Presidente Xi Jinping em um documentário na televisão nacional, logo antes do
19º Congresso Nacional do Partido Comunista, em outubro de 2017; 42% das
câmeras de vigilância de todo o mundo está na China.
Lin Junye
atualmente monitora como estes municípios pioneiros usam seu programa. “Em
Suqian, respeitar as leis de trânsito emergiu como uma demanda importante…Em
Rongcheng, o foco é na moralidade e mentalidade cívica, enquanto Hangzhou é
obcecado com sua reputação como uma cidade inovadora. Nossa equipe examina tudo
de perto, enquanto trabalha na proteção de dados pessoais, porque devemos ter
uma estrutura para tal. Há critérios internacionais nisso, ISO/TC 290, mas são
excessivamente protetoras e dificultam a economia…Até 2020, as regras estarão
definidas e teremos planejados as penalidades e bônus. Teremos a infraestrutura
e o país irá adotar o sistema.” Será lançado um ano depois em Pequim.
Desde
2015, Hangzhou, a sudoeste de Shanghai, combinou dois sistemas — um
embrionário, municipal de que ninguém com quem conversamos ouviu falar; e um
sistema privado de classificação de crédito, o Crédito Sésamo, popular e muito
admirado pelas autoridades. Ele pertence ao Grupo de Serviços Financeiros Ant,
o braço financeiro do gigante de comércio eletrôpnico da China, a Alibaba,
cuja sede está em Hangzhou. A Crédito Sésamo designa pontos de 350 até 950 aos
usuários do aplicativo de pagamento online da Alibaba,
o Alipay, que é bem popular
na China e basicamente é monopólio em Hangzhou. Clientes com boas avaliações
recebem privilégios especiais e acesso a produtos financeiros lucrativos, bem
como a plataforma Huabei de empréstimos
online, subsidiária da Alipay.
A menina dos olhos da Ant Group
Os novos
escritórios da Finanças Ant, que mudou duas vezes em quatro anos, são chamados
de espaços-Z e foram arquitetados por uma firma de Seattle (EUA). Guardas de
seguranças musculosos vigiam um constante fluxo de jovens funcionários com os
últimos fones de ouvido da Beats,
chegando em bicicletas elétricas ou carros esportivos. A Alipay é
uma das jóias na coroa do grupo Ant, com
700 milhões de usuários ativos em setembro de 2018 (500 milhões em 2017). Basta
escanear um código QR para completar transações. Quem precisa de dinheiro,
quando até os mendigos na rua carregam QRs no pescoço?
A Alipay fornece
para a Finanças Ant dados
pessoais como detalhes de corrida de táxi, compras de supermercado, despesas
médicas e até atos de generosidade. Assim como o Facebook gera publicidade a
partir da atividade online dos usuários, a Credito Sésamo usa
os dados de compras pagas através do Alipay.
O porta-voz da Finanças Ant, Le Shen,
diz: “Com clara autorização, a Sésamo coleta
e analisa cinco dimensões de dados coletados através da plataforma Alipay e
outras plataformas parceiras, como agências de reserva de hotéis.” Isso inclui
“transações de compras, preenchimento das obrigações contratuais (como
pagamento de cartão de crédito e de carros alugados), ativos individuais
(produtos de gerência de riqueza e certificados de propriedade privada que os
usuários optam por compartilhar), perfil do usuário (como certificados de ocupações
profissionais e nível educacional que os usuários escolham compartilhar) e o
padrão de transferência de dinheiro entre usuários do Alipay.”
“E também,” ele adicionou “a Sésamo não coleta informações como geolocalização,
mensagens de texto e histórico de ligações.”
Em
fevereiro de 2015, o diretor de tecnologia da Crédito
Sésamo, Li Yingyun, explicou um pouco sobre como as avaliações são
calculadas. Ele disse à revista Caixin que
comprar fraldas seria considerado comportamento responsável, enquanto jogar
videogame por muitas horas poderia contar adversamente. Nenhuma notícia mais
foi vazada sobre quais dados são capturados pelo algorítimo.
A Finanças
Ant não é a única organização interessada em pessoas com boas
avaliações na Sésamo. Empresas e até
consulados estrangeiros tentam atrair indivíduos muito promissores, enquanto o
serviço de namoro online Baihe promove
solteiros com as melhores avaliações. Os poucos classificados acima de 650
pontos podem ter depósitos dispensados, ou receber descontos em grupos de
hotéis, aplicativos de compartilhamento de bicicleta e companhias de aluguel de
carros. Eles obtém acesso a uma plataforma especial de aluguel de equipamentos
para fotografia, vídeo e TI. Uma boa avaliação na Sésamo pode
apoiar um pedido de visto para Singapura ou Canadá.
Uma
boa avaliação na Sésamo
Em 2004, o
município de Hangzhou emitiu um cartão de cidadão para todo residente acima de
16 anos. É um crachá magnético multifuncional que serve como cartão de
seguridade social, cartão de transporte, é um meio de pagar multas de trânsito
em pontos específicos e permite acesso gratuito a parques. As autoridades
anunciaram que iriam usá-lo para criar um vasto banco de dados para entender as
necessidades locais. Desde junho de 2018, os portadores do cartão podem usar um
aplicativo de celular para os mesmos serviços. Os usuários e suas avaliações na Crédito Sésamo são
identificados a partir de reconhecimento facial – prova da conexão entre a
empresa privada Alibaba e a
administração da cidade. Para as autoridades municipais, uma boa avaliação na Sésamo significa
um bom cidadão. O Banco Central, que só teve sucesso em designar uma avaliação
de crédito para 25% da população chinesa em 2015, por um tempo permitiu que a Sésamo e
outros sete empreendimentos financeiros acessem todo os dados bancários e de
impostos. Em meio de 2018, ele finalmente montou seu próprio sistema de
avaliação de crédito, chamado Baihung, com
estes oitos negócios financeiros como acionistas minoritários.
A cidade
portuária de Rongcheng na província de Shandong é um bom exemplo de um sistema
municipal de crédito social totalmente operacional, supervisionado por
funcionários do Estado locais. Lin Junyue disse, “Enquanto Hangzhou construiu
sua imagem com as companhias de alta tecnologia, dando mais que o devido à Crédito
Sésamo, Rongcheng é conhecida por sua ativa administração de
crédito cidadão. A cidade foca em aumentar os padrões morais de seus habitantes
e provê muitos incentivos.”
Rongcheng é uma
mistura de zelo, convicção e medidas improvisadas. No início da tarde, o parque
em volta da prefeitura estava deserto; um casal de idosos em túnicas remendadas
nos contou por que: “As pessoas estão correndo para suas televisões porque é a
hora do People’s Live 360.” Todas
as tardes os canais locais transmitem as gravações de vigilância do dia
anterior: roupas de baixo penduradas no corrimão de um conjunto habitacional,
um sofá velho deixado no pavimento, motoristas não reduzindo a velocidade nas
faixas de pedestre, pedestres desatentos ao trânsito são todos exibidos com
identificação numérica, rostos e às vezes nomes, entre advertências policiais.
Rongcheng era uma
pequena cidade conhecida pela pesca, empresas de fabricação de trailers,reboques
e um santuário de inverno para a migração de cisnes da Mongólia. Ela cresceu
rapidamente em seis anos, absorvendo todas as vilas no perímetro de 19km. Em
2013, o sistema de crédito social foi instituído, abrangendo a maior parte das
919 vilas sob sua jurisdição. Isso levou a uma notável mudança no
comportamentos e interações sociais.
Cada cidadão começa
com a classificação em A e um capital de mil pontos. À medida em que ganha ou
perde pontos, pode ascender a A+ ou cair para B, C ou D. A perda de apenas um
dos pontos iniciais é suficiente para te levar à classificação B, o que
significa a recusa de uma hipoteca. As pessoas recebem suas classificações como
um certificado da nova prefeitura.
Motoristas agora param para pedestres
Como qualquer um pego
jogando lixo na rua corre o risco de perder três pontos, não há mais bitucas de
cigarro ou latas vazias no chão e nos ônibus da cidade. Por conta das numerosas
câmeras com tecnologia de ponta e feitas pela Hik Vision
– líder mundial em vigilância por vídeo, cujo principal
acionista é o governo chinês – a polícia não precisa fazer monitoramento em
pessoa. Atravessar uma rua na cidade de Rongcheng não é mais um desafio: os
motoristas param para os pedestres, o que é raro na China. Se falharem, a
penalidade é dura: uma multa de 50 yuans (U$7,35), três pontos descontados na
carteira de motorista (que inicia com 12 pontos), e cinco pontos descontados no
crédito social. “Aconteceu da noite para o dia, na primavera de 2017,” disse um
transeunte. “Os carros de repente paravam em nossa frente. Eu não sabia o que
fazer.”
Muitas vizinhanças
adotaram um código de boa conduta de residentes. No distrito de Qingshan,
grandes cartazes enfatizam as prioridades: livros e filmes pornográficos, ou
“amarelos” estão banidos, bem como o cultivo de vegetais nas ruas, ir a igrejas
não registradas, ser rude com os vizinhos e exibir carros de luxo em casamentos
e funerais. Quebrar estas regras pode levar à perda de pontos.
Nas pequenas vilas no
entorno de Rongcheng, o crédito social é ainda mais ativo. Uma centena de vilas
já possui praças do crédito social, onde brilhantes outdoors mostram detalhes e
fotos dos cidadãos que ganharam ou perderam pontos durante o mês anterior.
Em julho de 2018,
todo mundo na vila de Dongdao Lu Jia ganhou um livreto de avaliações com doze
páginas; podar a árvore de um vizinho concede três pontos, assim como levar um
idoso ao hospital ou mercado (limitado a duas viagens por mês). Tirar um carro
de uma vala equivale a um ponto, ajudar a ler o medidor de águas ou emprestar
uma ferramenta, meio ponto. Deixar as galinhas fora da gaiola significa uma
multa de 200 yuan (U$29) e desconto de dez pontos; entrar em uma briga, multa
de 1.000 yuans (U$147) e dez pontos; jogar lixo no rio, 500 yuan ($73) e cinco
pontos; grafitar ou colar lambes hostis ao governo, 1000 yuans e cinquenta
pontos. As penalidades são ainda mais duras para pessoas peticionando os
escalões superiores do governo sem passar pelo chefe da aldeia: uma multa de
1.000 yuans e uma designação automática para a categoria B.
Liu Jian Yi, 64, um
antigo fazendeiro, disse “Antes a vila pagava funcionários de limpeza, mas eles
não trabalhavam bem. Agora nós mesmos fazemos a limpeza. Nos dá pontos e
economiza dinheiro.” Ele costumava viajar o país trabalhando em construções
antes de retornar à sua vila e a casa de pedras onde nasceu. “Eu acabei de
consertar a chaminé de um vizinho. Se eu reportar isso a nosso líder do partido
e se meu amigo confirmar com uma fotografia, eu devo ganhar mais um ponto. Nós
conseguimos nossa pontuação ao fim de cada mês numa página da WeChat, mas
eu não tenho um celular.” Ele acrescentou que pessoas com boas avaliações
ganhariam cestas de ostras e latas de óleo para o ano novo chinês, mas “um
vizinho me disse que o líder da vila montou uma equipe de idosos para construir
uma oficina para pessoas com deficiência na cidade. Nenhum deles tinha
qualificação mas ainda assim foram selecionados, graças a alguns subornos. E
ele deveria nos conceder pontos? Faz você pensar.”
“Uma cartilha do que podemos e não podemos fazer”
A vizinhança de Ximu
Jia, com uma população de 250 pessoas, fica nas margens de um rio. Cultiva-se
ginseng sob uma sombra espessa. A primeira casa tem uma grande cruz vermelha em
seu telhado de concreto e é a igreja protestante, aberta duas vezes por semana
para uma congregação de cerca de 20 pessoas. A senhora Mu apareceu no degrau da
porta, onde há uma placa esmaltada dizendo, “Família com crédito social
exemplar.” Ela disse que os vizinhos todos têm uma igual: “Ela remonta a três
anos, quando oficiais premiaram a zona leste da vila sem qualquer motivo, e
depois fizeram o mesmo no lado oeste no ano seguinte. Eles tinham uma cota a
cumprir. Esse ano é um pouco mais sério. Todos recebemos uma cartilha nos informando
o que podemos e o que não podemos fazer. É como voltar à escola. E ela tem
detalhes dos assessores para que possamos reportar nossos feitos e demandar os
pontos.”
Seu nome não estava
na lista mensal colocada no pátio da prefeitura, onde os locais passam muito de
seu dia jogando xiangqi (xadrez
chinês). “Eu não estou pronta para chamar os assessores apenas porque ajudei um
vizinho,” ela disse, e adicionou, baixando sua voz, “O marido de uma amiga
minha não pagou de volta um empréstimo. Ele perdeu apenas uma parcela mensal
mas isso o colocou numa lista suja. Todos os vizinhos sabiam. Talvez não tenha
nada a ver com isso, mas o casal se divorciou.”
Ela se referia à
lista de ofensas econômicas atualizada mensalmente no site oficial
CreditChina.gov.cn. Ninguém sabe o número total de empresas e indivíduos nela,
pois apenas aqueles recentemente adicionados são exibidos. Em setembro de 2018,
228 mil pessoas e 55 mil companhias estavam listadas por empréstimos, impostos
ou multas não pagas.
Tirando seu nome da lista suja
No microblog Weibo,
os ofensores descrevem suas penalidades e a humilhação pública. Companhias
estão banidas de concorrer a editais, enquanto indivíduos são impedidos de
reservar quartos em hotéis, registrar seus filhos em boas escolas a tarde,
comprar passagem para os trens de alta velocidade ou viajar de avião por um
ano. Pagar o devido e tirar seu nome da lista se torna uma urgente prioridade.
Um pouco mais ao sul,
em uma grande pedra por uma estrada deserta de quatro pistas, o nome de uma vila
próxima, que é a vanguarda do crédito social, está pintado em vermelho. Yu
Jianxia lidera a federação local de mulheres, mas, com o fim da política do
filho único, ela não é mais a responsável por registrar nascimentos. Desde maio
de 2018, ela analisou relatórios de seus três assessores, moradores
considerados confiáveis para quem são reportados as boas e más ações: “Eu
coleto toda informação no dia 18 de cada mês e envio meu relatório para a vila
e suas líderanças no dia 20. Então nos encontramos no dia 25 para discutir as
questões e dar os pontos. Para confirmar uma boa ação, precisamos de pelo menos
duas fotos ou um vídeo. Os assessores cuidam disso porque nem 50 habitantes
aqui têm celular.” Ela alega nunca ter removido nenhum ponto: “Se alguém deixa
lixo em frente de casa, eu lhe dou três dias para limpar antes de descontar um
ponto. O objetivo não é causar problemas para as pessoas, só torná-las um pouco
mais civilizadas. Nosso slogan aqui é Boas
pessoas, boas ações.
Mais à frente, no fim
de uma barreira de plantas, na vila de Mao Liu Jia, pessoas chegaram de
Rongcheng para visitar Ma Yu Ling e ganhar alguns pontos. Ela passou 16 anos
vivendo em seu kang, uma plataforma
aquecida, com um cantil de água e um controle remoto próximo de seu queixo. Ela
sofre de uma doença de nervos que não foi bem tratada e gradualmente a tornou
quadriplégica. Ela disse: “Em 1998, a TV de Shandong veio me ver e me deu uma
cadeira de rodas. Eu ainda conseguia andar na época. Agora eu não consigo
sequer mover meu pescoço, que dói muito.”
Duas vezes por mês
por dois anos, algumas pessoas (nunca as mesmas) vêm de Rongcheng para limpar
sua casa e cuidar de sua família. Isso lhes concede quatro pontos. Às vezes,
trazem bandejas de bolinhos chineses, que o marido de Ma congela. “Mas,” ele
disse, “isso não cobre o benefício de três mil yuan (U$440) anuais que
recebíamos mas que parou quando nosso filho atingiu idade para trabalhar. E a
cobertura previdenciária dela não inclui os vastos gastos em fraldas para
incontinência, bandagens e desinfetantes de que precisa. Eles custam seis mil
yuan por ano (U$881).” Sua esposa disse: “Nós nunca saímos da vila exceto para
ir ao hospital de van, para substituir o cateter urinário. Ter alguns
visitantes, me arrumar, conversar com algumas mulheres da cidade, é realmente
gostoso. Eu não ligo se estão fazendo isso apenas pelas avaliações.
Pontos ruins exibidos publicamente
Nessa parte de
Shandong, parece haver tantas formas de crédito social quanto vilas. Em Teng
Jia, os nomes daqueles que tiveram más pontuações são transmitidos por um
alto-falante toda sexta feira, o que encoraja os habitantes a escapar para as
vilas vizinhas, para tomar uns drinques ou resolver uma disputa, e evitar ser
vigiado e avaliado.
Jeremy Daum,
pesquisador sênior da Escola de Direito de Yale, é especialista em legislação
chinesa e foi fundador contribuinte do projeto China Law
Translate (N.T.: iniciativa de tradução da legislação para
facilitar o acesso e análise pública e científica), que inclui blogs e
traduções dos sumários da regulamentação de crédito social. Não é um trabalho
fácil: “Se você vai a um novo restaurante, você pode se interessar em saber as
violações sanitárias que ocorreram ali – ou apenas ver uma classificação
pendurada na parede. Você provavelmente está menos interessado em saber que o
proprietário ou o chef recentemente forjaram uma passagem de trem. É improvável
que os bancos estejam preocupados com seu fracasso em separar o lixo
reciclável, quando consideram conceder um empréstimo…Pode ser que algum dia
suas análises de grandes bancos de dados demonstrem que uma fraude na passagem
do trem prevê de forma confiável violações de saúde, ou que quem não recicla
sempre faz pagamentos atrasados, mas até que isso ocorra, avaliações unificadas
não são eficazes, exceto como acrobacias publicitárias.” Ele acrescenta: “Eu
acho que a estrutura do sistema é a regulamentação administrativa de negócios
por meio de uma série de listas sujas. O sistema chinês definitivamente espera
apoiar-se em humilhação — o que é uma questão menor no sistema dos EUA.”
Listas específicas de
bons e maus elementos entre companhias e suas gerências já existem em uma variedade
de setores, incluindo importação e exportação, construção, transporte terrestre
e aéreo, estatística, direito, organização de eventos, publicidade, seguros de
saúde, proteção de dados pessoais, propriedade intelectual e planejamento de
casamentos. Mas para os cidadãos comuns, a falta de clareza destes sistemas,
que é bem parecido as das empresas gigantes de tecnologia dos EUA, pode
transformar o crédito social em um pesadelo.
Publicado
28/01/2019
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